quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Escambo em Porto Alegre

A pergunta que eu deixo no ar é: quanto vale o seu suquinho?

Porque foi assim que me indaguei hoje, há três horas atrás, quando esperava o Semi-Direto para Viamão, sentado na João Pessoa com o meu tradicional suco de laranja do Zaffari numa sacola ao meu lado, no chão. Eu já enjoei desse suco, tanto o ingeri, contudo não o informei disso ainda, e sabem como é árdua a desilusão material. O litro que (literalmente) devorava em cinco minutos - coitado - agora dura várias horas, a menos que...

A menos que apareça um malandro e peça um gole. O que eu poderia fazer? Ele se aproximou tão depressa que sequer teria tempo de sacar minha Arma-Laser, que se encontrava no bolso da mochila sobre meu colo. Mal pude notar aquele ser esguio com seu boné lateral e com suas roupas aleatórias, provavelmente emprestadas, visto que representavam o dobro de seu tamanho. Na mão direita, trazia consigo uma mochilinha de mão, o que me deixou (não sei bem por quê) menos desconfiado. Ele, ao menos, foi direto ao ponto (qualidade assídua a um malandrinho):

- Ô maluco, me lança um gole desse teu suco aí...

Eu, na hora, sentado e indignado (já que os últimos dois Diretos passaram reto, ignorando-me), não esperava tal gaitada; de alguma forma, ainda tive a sorte de raciocinar rápido, relembrando minha teoria de linguagens: "o melhor meio de se comunicar com um indivíduo é falar o seu idioma". Além disso, a cunhada imigrante do meu amigo Paulo me ensinou um conhecimento precioso, que vale por anos de artes marciais: o fator surpresa (certa vez, ela percebeu que seria assaltada e desceu do carro dançando e cantando"meu pintinho amarelinho" aos berros). E, após esses segundos explicativos, botei tudo em prática num escape - modéstia à parte - maravilhoso.

- Bah, de repente eu troco, ?

A idéia era fazê-lo pensar que eu queria drogas, para que ele se intimidasse com minha audácia e/ou desistisse simplesmente, caso fosse uma boa alma trajada de Bad Boy perdido na Jopê às três da tarde. Logo após me pronunciar, ambos ficamos surpresos: eu, por ter conseguido botar meu plano em prática (muito precipitadamente), e ele por eu não ter dito "sim" ou "não", o que o levaria à simples decisão de tomar o suco, ou me esfaquear e após tomar o suco, respectivamente. Chegamos a um certo diálogo que nunca dantes fora posto em prática naquele metro quadrado na história deste país; como, porém, concluí-lo?

Ele falou algo sobre "tá ligado esse calor " e foi abrindo a mochila. Eu gelei, mas não tanto, porque estava dopado com três comprimidos de propranolol, haja vista tinha acabado de tomar posse na prefeitura de Porto Alegre, conhecendo meu futuro chefão. Meu sistema simpático medular não reagia como eu queria, e sequer pude levantar, porque, de fato, não estava assustado. E, realmente, ele não tirou uma faca ou um revólver da mochilinha, mas...

- Tá na mão... - disse sussurrando e estendendo-me o braço com cautela. Eu não podia acreditar naquilo: o cara me passou um baseado. Eu quase tremi, não fosse já estar "drogado"; tentei dizer que era brincadeira, mas as palavras não saíam... murmurei algo do tipo "não precisa", mas ele fixou os olhos no suco, como se eu tivesse a intenção de enganá-lo... então peguei a sacola do suco e passei-lhe com pouca consciência, ao passo que ele me dizia uma provável saudação de despedida, que eu - "na minha época" -, usava para outro aspecto:

- Tá ligado , tá na tua, tá na tua... é só chegá!

E saiu com a metade restante do meu suco em mãos. Eu ainda procurei alguma mulher por perto para tentar no mínimo compreender um pedaço da frase dita, mas só vi um senhor meio afastado que não percebera absolutamente nada. Depois de várias tentativas, acabei concluindo que "tá na tua" significa "se precisar de mais um" e "é só chegá!" significa "é só chegar". Agora era uma boa hora para pensar o que fazer com um baseado em mãos.

Antes de mais nada, analisei-o, menos por curiosidade do que por confirmação. É claro; e se eu tivesse sido enganado? Ri para mim mesmo quando percebi o que estava fazendo, conferindo aquilo como se fosse consumi-lo. Percebi que o papel era envelhecido e duro e ainda portava algumas escritas nele, o que, concluí, era sinal de qualidade ruim, tendo em vista a não-transparência do objeto (estou certo?). Não fui capaz de desenrolá-lo;

Com um certo receio de deparar-me com um agente do FBI (quem sabe aquele velhinho...?), cheguei até a lixeira laranja mais próxima e picotei a droga para que um mendigo doidão não viesse a usufruir dela mais tarde. Sentei com um certo cheiro herbívoro nas mãos, o que me incomodou um pouco, mas não pude fazer nada. Assim que me peguei refletindo novamente sobre 'como postarei isso no blog sem parecer irreal', uma dúvida circulou meus ouvidos como uma pulga pombalística:

Será que ele não saiu no prejuízo?

domingo, 20 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal: Nunca Mais Vou Dormir


Não consegui pensar em outro título para minha primeira crítica cinematográfica. E tampouco me agradaria fazê-la aqui, num espaço tão íntimo, no qual agrego minhas idéias e meus acontecimentos corriqueiros...

Mas quando me dei por conta, à 1:30h da madrugada, que o filme ao qual eu assistira havia mais de 3h AINDA ME CAUSAVA CALAFRIOS, percebi que merecia não só um lugar no meu blog, mas um blog inteiro para ele.

O maior problema do filme não é o fato de ele ter sido feito para parecer o mais realista possível. É o fato de ele SER o mais realista possível, ao ponto de considerarmo-nos parte deste, inclusive após chegarmos em casa, ou até pela manhã, ou em qualquer momento em que estejamos sozinhos...

Certa vez, acompanhando uma entrevista do famoso escritor contemporâneo Milton Hatoum, no Plaza Hotel, ouvi dizer de sua boca (obviamente, e não dos seus ouvidos) que o melhor livro de mistério é aquele que não revela ao leitor o que ele aguarda mais do que tudo, mas apenas sugere-lhe. O grande truque de Atividade Paranormal é a dispensa dos velhos e ultrapassados monstros-de-terror, aquelas criaturas que assustam mais pela cara do que pelo caráter. Se o teu conceito de terror é passar horas aguardando o personagem principal ser atacado fisicamente pelo "grande monstro", seja ele um mascarado rejeitado quando criança, ou um boneco falante mesmo-sem-pilha, é melhor assistir logo esta obra de arte. "Ah, Lucas, então se trata de fantasmas, é?". Quem dera, amigo, quem dera fosse um fantasma tosco o motivo de eu não dormir noite passada. Não, o segredo do filme é que nem mesmo a turma do Gasparzinho faz parte do elenco.

Quando eu assisti a "O Exorcista", lembro-me muito bem do medo que senti. É algo que cessa quando o padre chega, quando a porta do quarto se fecha, quando a cena muda. É algo que está direta e dependentemente ligado aos quilos de maquiagem despejados na cara da pobre menininha. Não é isso que verás em A.P. Também lembro-me de Sexto Sentido ("mas não é terror!"), é sim, seu hipócrita. Nem mesmo aquela parte da mulher de pulsos cortados perseguindo o piá, ou a vomitadeira na barraquinha, ou o guri sem cabeça mostrando o esconderijo da arma do pai, nem mesmo essas cenas podem fazer-nos sentir tanto pavor quanto o oculto e subentendido truque desta magnífica obra, cujos atores e diretor são TOTALMENTE inexperientes em se tratando de carreira cinematográfica, e cujo preço não passou de 11 MIL DÓLARES. Sabem o que isso significa? 11 MIL DÓLARES! É quase o preço de um Corsa velho! Não é à toa que aquela máxima sempre predomina: a maior beleza está nas coisas mais simples. Quando fores assistir, verás que não há de ser diferente.

Atividade Paranormal se destaca porque o quê de terror que sentimos se inicia nos primeiros minutos e não cessam após terminar o filme. E não precisaram de caretas, de máscaras, de serra-elétrica, de jovens bruxos alternativos ou de uma máscara do pânico para nos deixar em pânico (aliás, o próprio Jason se borraria nos cinemas do inferno). O medo está no simples fato de não haver algo para culparmos, não haver soluções para cessá-lo. É como penso sempre: basta um homem-bomba para mandar o menino Jason para o inferno de vez, ou para explodir a menina do exorcista... basta um facão de cozinha para arrebentar o focinho do Chucky, e uma arminha de chumbinho seria o suficiente para afastar os zumbis de Resident Evil (é assim até no vídeo game, pô!). Mas o que fazer quando o perigo não é palpável? Sequer mensurável? Eis o que sentirás no cinema nas próximas noites de dezembro.

A minha idéia brilhante foi a de ir acompanhado de minha namorada e de minha irmã. O que me fez parecer um covardão, porque, dos 5min iniciais do filme até eu pegar no sono, se alguém encostasse o dedo em mim eu ia sair gritando com as mãos para cima. E pela noite - até vergonha me dá -, quem me consolou antes de dormir? Bom, isso fica a critério de vocês.

Amigos, para quem quiser assistir ao filme, não se preocupem que não vou contar o fim, apenas uma síntese breve do enredo: um casal de namorados moram sozinhos, sendo que a mulher convive com uma entidade que a persegue desde criança. Para tanto, o namorado resolve comprar uma câmera (a mesma câmera usada no filme do início ao fim) e filma tudo que acontece, principalmente nas noites em seu quarto. O resultado disso é o medo mais ocultista e apavorante que já senti na minha vida, com o qual terei de aprender a conviver (esta noite, que será a primeira que passarei sozinho...)

Assim que o filme acabou, todos os 15 humanos dentro da sala estavam ainda trêmulos. Uma música estranha começou a tocar no cinema enquanto a tela escureceu, e as luzes acenderam normalmente... mas não totalmente. Logo começaram a piscar, e a música parou. Quando o telão obscuro, no silêncio mórbido, resolveu piscar também, todos nós quinze começamos a correr até a saída, numa corrida apavorante pela vida que jamais esquecerei. Ris? Quero vê-los rindo depois de assistir-lhe.

A única conclusão que posso extrair disso tudo é a seguinte: se tu já vivenciaste um incêndio no prédio em que moravas, tendo de se jogar numa rede de bombeiros para salvar a tua vida e a vida de teu filho e a de mais três filhotinhos de cachorro, NÃO TENS A MENOR IDÉIA DO QUE É SENTIR MEDO! O que sentirás nesta película não se baseia em medo ou susto - isto aliás se é dado em pouquíssimos momentos -, mas sim PAVOR, aquele que torna até tuas fantasias mais infantis em HORROR, em INFERNO, em TREMORES NEFASTOS.

E tenho dito, até porque uma lição é bem dada no filme, e pude finalmente entender o alívio que Harry Potter sentia ao dizer "Você-Sabe-Quem" no lugar do nome macabro. O meu quarto possui um teto de gesso que dilata durante o dia e retorna à noite, fazendo barulhos tão intensos e ocos que, até ontem, me pareciam tão naturais...

...ou sobrenaturais?

(droga, agora é que não durmo mesmo)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Great River Revisited

(by Lucas Pessoa)

Havia duas semanas que preparavam tudo para mim. Eu sou do tipo que gosta de organizar as coisas não na última hora, mas nos últimos dez minutos, e não foi diferente: faltavam alguns minutos quando comecei a arrumar a mala para Rio Grande.
E tudo que eu fiz foi jogar alguns livros e algumas cuecas dentro de uma mala grande, a qual sequer precisei procurar. Tudo pronto. Apesar de minha mania de simplificar tudo, não podia ser diferente: havia uma pressão de 10atm sobre minha cabeça, meu querido tio me ligando a cada cinco minutos. "Documentos?", "sim, tio". "Que horas é a prova?", sendo que ele já o sabia muito bem. No entanto, sua preocupação foi e sempre será muito bem-vinda, além de engraçadíssima.

Mas infelizmente alguém próximo de mim possuía um dom incrível de pisar fora do quadrado: sua irmã (ou minha mãe, se preferirem). Para tanto, um flashbackzinho cairia bem:

Em 2008, segundos antes do vestibular, tudo estava pronto, até que, antes de descer do carro e entrar no colégio, minha mãe me convenceu a tirar o documento da carteira e levá-lo solto. Resultado: perdi a carteira de identidade e só fiz a prova porque estamos no Brasil.

Voltando aos dias atuais, mais precisamente no sábado, antes da viagem... eu já havia dito que iria de bermuda, e não de calça. No bolso da bermuda já estavam o celular e toda a quantia de dinheiro necessária para a passagem de volta + táxi até a FURG + alimentação. Eu já havia dito mesmo que não ia tirar a bermuda, mas ela me convenceu na última hora. Resultado: esqueci o celular e toda a grana, só percebendo isso depois de 40min de Porto Alegre, quando pensei em ligar para eles. Passaram a semana inteira me avisando para levar o carregador de celular, o qual eu levei, mas uma coisa é certa: não me avisaram para levar o celular em si.

A viagem foi tranquila e rápida. Senti-me bem menos perdido quando, ao chegarmos nas periferias de Rio Grande, o meu companheiro de poltrona resolveu abrir a boca pela primeira vez para perguntar se já havíamos passado pelo bar do GRILL, que ficava a duas horas e meia dali PARA TRÁS. Mal pude responder e a TV ligou-se, passando um filme breve e inspirador sobre as belezas naturais da cidade de Rio Grande. Foi a parte mais engraçada da viagem: olhando para a tela e, após, para a janela, nem mesmo um nativo diria que era o mesmo planeta. Preferi olhar só para a tela e imaginar que era tudo como o motorista me mostrava.

Ao chegar, ao menos, havia uma amiga do meu tio me esperando, a qual já sabia de tudo, me emprestando seu celular e o dinheiro necessário. A mesma me disse que, caso quisesse algo, era só procurar o CANALETE, que seria um lugar com um riacho no meio e calçadão por volta. "Lá é o point de Rio Grande!", disse ela. E eu acreditei.

Passei horas procurando o canalete no primeiro dia. A ideia era procurar uma Lan House. Fui para o lado errado, mas como toda cidade pequena, sempre há alguém cujo hobby é orientar. Sequer lembrando o nome do local, perguntei por um riacho com calçadão para um segurança, que logo me disse que haviam dois. Fiquei constrangido quando completei com "bares", e ele me indicou que estava a umas 10 quadras, e já era noite, então apressei o passo. Na rua, só havia um cão, ao qual pedi gentilmente que me levasse ao canalete (é sério), mas ele me encarou com uma baba escorregando - o que compreendi por "odeio turistas". Segui em frente ansioso pelo point da cidade. E cheguei.

Quando dobrei a rua e vi o tal riacho, numa imitação barata da av. Ipiranga, tive que rir. Era sábado à noite, quase 22h no point da cidade, e olhei para os dois lados: não havia sequer um cão.

Aproximei-me do riacho e vi uns girinos à luz da lua. Compreendi o significado de point ao me deparar com as milhares de cabecinhas pontiagudas desses animais. Segui caminhando em linha reta até pensar em desistir, e umas cinco ou seis quadras adiante encontrei o primeiro (e único) bar, que perde até para a decadente PETISKERA viamonense. Foi quando ri comigo e voltei pelo lado oposto da rua, pensando "imagina só, e eu querendo encontrar uma Lan Hou...." Dei-me de cara com uma placa: Lan House.

Dentro desta, havia apenas 3 sujeitos. Pedi 15 minutos, só queria ver o site da FURG. Um destes retardados, penso, só devia ter um amigo, com o qual falava em uma conversa de áudio AOS BERROS E GARGALHADAS, o que me incomodou ao extremo. Saí antes dos 15 min acabarem, extremamente arrependido dos meus 50 centavos mal investidos. Perdi-me na volta, o que não necessariamente significa que tive dificuldades para chegar em casa. Todas as ruas do centro de Rio Grande convergem para uma espécie de miniatura de Redenção, praça cujo nome não sei até agora. De lá, achei o apartamento no qual estava (sozinho, abandonado e infeliz. Chorem por mim.).

No dia seguinte peguei uma bicicleta e fui pedalar, depois de cinco anos de abstinência. Onde? No canalete, é claro. Ao chegar, notei que as mesmas pessoas caminhavam nos mesmos locais numa frequência de alguns minutos. Não mudava, mesmo, pura ilusão. No entanto, para ver algo diferente, abusei olhar para o outro lado da rua (aquele por onde voltara no dia anterior), e vi uma cena incrivelmente alternativa: um cachorro de cadeira de rodas. Sem comentários.

Pouco adiante, me debrucei na janela de uma igreja evangélica e acompanhei um grupo de velhinhos cantando Gospel. Achei demais, em que pese suas constantes desafinações.

Pela noite, no domingo, sentia-me muito isolado no apartamento, muito mesmo. A sorte era que a amiga de meu tio havia me emprestado o celular.

Não demorou muito: a bateria acabou e eu fui Canaletado.

sábado, 28 de novembro de 2009

Alemão em: O Cumprimento Errante

Sexta fui obrigado a buscar minha irmã numa festa às 3h da manhã. Para tanto, estudei até as 23h, tomei um banho e fui para a casa de meu amigo Paulo, onde já esperava-me ele e Alemão, que estava lá exatamente pelo mesmo motivo. Assim, ficamos lá, os três, sentados em uma salinha esperando a morte chegar.

Eu já estava arrependido de ter me movido tanto para tão pouco, quando resolvemos sair para a rua (Paulo mora em um condomínio), entrando no carro o qual eu havia estacionado em frente à casa de Paulo, a uns 20m da porta de entrada. Entramos no carro e ficamos conversando sobre a vida, inclusive questionando a falta de nosso amigo Rafael, que mora a algumas casas dali, no mesmo condomínio (podíamos ver sua casa vazia).

Por volta da 1h da manhã, vimos um carro preto entrando no condomínio, passando por nós e estacionando na casa do Rafael. Discutimos se era o carro dele, e Alemão nos deu certeza, aos berros: "É o carro dele sim!". No entanto, sabíamos, eu e Paulo, que o próprio Rafael estava em Porto Alegre: deveria ser um de seus pais. Logo, vimos ao longe sua mãe descer do carro, no escuro, e fechá-lo, ao passo que saímos todos do carro, mas sem motivo aparente (voltaríamos para a casa do Paulo). A mãe de Rafael nos reconheceu e, assim que nos viu, ao longe e no escuro, enquanto fechava o carro, nos deu um "oi" falado. Eu abanei, Paulo também e...



...e o Alemão, por algum motivo que me deixou bem envergonhado, levantou os dois braços em uma reverência parabólica, soltando um grunhido semelhante a "UHHHH!", vocálico e crescente, para a mãe de Rafael, que, naturalmente, procurou ignorar. Não entendendo, resolvemos avançar em direção à porta de Paulo e entrar, mas Alemão, não satisfeito com seu grunhido, deu um berro extremamente instigante: "A GENTE TAVA TE ESPERANDO!!"; foi então que percebi que Alemão (devido à sua visão decadente) pensou que a mulher era o Rafael, nosso amigo aguardado que, conforme o sabido, estava a muitos quilômetros de lá. A vergonha foi geral, mas a mãe do Rafa não entendeu, e acabou respondendo "O quê??", ao passo que Alemão finalmente compreendeu e resmungou "nada..." de cabeça baixa e voltando à casa com muita vergonha. Paulo e eu não conseguimos conter as risadas no pequeníssimo trajeto até a porta de entrada, e, ao voltarmos à salinha silenciosa, nossa barriga doeu por 20 minutos, em consonância com o tamanho de nossa gargalhada.

Agradecimentos Especiais


Antes de mais nada, preciso agradecer a um amigão meu, que, por algum motivo que até hoje eu desconheço, sempre me elogia muito, a despeito de saber (não só ele como eu também) que seu talento para escritor, aliado à sua criatividade, é superior em vários aspectos aos meus posts humildes. Meu querido Sérgio, infelizmente não tive tempo e nem respeito o suficiente para acompanhar o teu blog, que sinceramente considerava de extrema qualidade. Digo "considerava" porque, pelo que lembro, paraste de escrever, o que é uma pena, e pelo que já me culpei algumas vezes. Do primeiro até os últimos posts meus, tu sempre estiveste presente e isso não só me envergonha, como me deixa triste por não poder ter acompanhado tuas histórias sempre muito bem escritas e mais ainda cobertas de criatividade. Deixo aqui um pedido de desculpas do tamanho da fome na África, e também um abraço grande, do tamanho da pobreza mundial.

Também queria agradecer à Dra. Liliane, que (saibam!) me visitou no início desta semana, ocasião na qual passamos a tarde e inclusive avançamos a noite, junto de minha família, "churrasqueando" e conversando até altas horas: momento especialíssimo. Além do quê, criou para mim não um, nem dois, mas QUATRO "poções de memória", à qual chama Floral. Infelizmente, não me contenho, e sequer leio as instruções dos frascos: tomo em goles, fato pelo qual me arrependo ao ver um frasco quase pelo fim em menos de uma semana...

Agradeço também especialmente à Teca, que está prestes a me deixar em recuperação! Aproveito aqui para tentar me justificar, e quem sabe diminuir a punição para uma suspensãozinha apenas...

Faltam 40 dias para o vestibular da UFRGS e eu estou estudando tanto quanto São Pedro deve estudar a bíblia. Além disso, passei uns dias longe da internet. Falta uma semana para o ENEM e duas para o vestibular de Rio Grande. Não satisfeito, fui chamado para o concurso da prefeitura de Porto Alegre, que fiz em 2008... sim, justo na época do vestibular! Tenho estudado a lei para tentar adiar minha posse, mas não posso deixar de cumprir os procedimentos, como exames, entrevistas bobas e psicólogas perguntando se eu sou feliz. Hoje tenho uma correção de provas também. Ou seja, minha vida está completamente virada do avesso.

No entanto, vou procurar me manter mais presente. Sinto sempre um peso na consciência quando deixo de visitar-vos, mesmo, mesmo, até porque isso aqui é tão importante para mim quanto o estudo; é aqui que me divirto, é onde eu alivio as tensões, e ainda por cima pratico a redação!

Para finalizar, queria também agradecer à Xuxa. Dizem por aí que ela é minha rainha.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Perturbações Noturnas

Foi há alguns meses que eu estava, junto de um amigo, em um corredor de um prédio muito velho. Ambos observávamos quão intenso era o movimento de moradores naquela hora da noite, os quais iam todos em direção a um apartamento em especial. Por vários minutos, ficamos só observando - sem entender nada - até que não contive a curiosidade e fui até o tal apartamento, cuja porta estava entreaberta.

"Com licença", disse ao senhor que recepcionava os condôminos, ao passo que ele, simpaticamente, indagou com um "sim". "Desculpa a intromissão, mas o que é que tá acontecendo aí?".

- É uma moça que acaba de dar a luz. Os vizinhos estão tudo aqui para cumprimentar, não querem entrar também? - convidou-nos o velho homem. Eu recuei, mas ele insistiu com um gesto amigo, e acabamos por entrar.

O apartamento era pequeno e simples, embora bem arrumado. Senti um pouco de vergonha ao me deparar com todos os inúmeros moradores daquele prédio no qual jamais entrara antes, mas praticamente não fomos notados. As vinte ou mais pessoas encontravam-se na sala, sentadas nos sofás ou de pé, conversando e sorrindo alegremente. Não vimos bebê algum.
Passado algum tempo, discutíamos que já era hora de voltar, e até chegamos a mencionar em direção à porta, mas o senhor que nos havia recepcionado aparecera do nada, perguntando se já havíamos cumprimentado a mãe. Na mesma hora, percebemos uma senhora saindo do único quarto que havia na casa, ao passo que um homem calvo e alto adentrava o cômodo. A senhora que saíra estava com um sorriso imenso no rosto e seus olhos brilhavam como se recém tivesse visto um anjo. Logo escutamos seus comentários com as outras mulheres do recinto, perdidamente admirada.

- Não, ainda não. Ela tá dentro do quarto?
- Sim, sim. Vou pedir para vocês serem os próximos.
- Mas meu senhor - disse eu sob um sorriso tímido -, na verdade nem conhecemos a moça, eu acho que já vamos indo...
- Não, ah, não, jovens! Ela vai adorar receber vocês. - começou então a sussurrar - sabe, ela andava muito perturbada ultimamente, desde que o outro filho dela partiu... era da idade de vocês, assim.
- É mesmo? - tentei parecer surpreso. O fato é que realmente o velho me sensibilizara.
- Mas se não quiserem ir, tudo bem... - disse-nos sorrindo humildemente.
- Não, não, a gente vai ali dar um "oi" então.
- Ah, que bom, que bom! Fiquem a vontade, assim que sair o tio...
- Tá certo, muito obrigado.

A espera pelo quarto da mãe foi torturante. Ficamos de pé, encostados a uma parede do canto da sala enquanto as pessoas conversavam entre elas, divididas em vários grupos. Ninguém ousou conversar conosco senão o velho. A despeito disso, tampouco conversamos, tão impaciente estávamos. Nossa angústia foi abafada quando vimos o homem calvo saindo do quarto com um sorriso satisfeito no rosto sob seus bigodes altos. "Mas que mulher de sorte", disse à provável esposa, que o aguardava com algumas senhoras por perto. Todas sorriram entusiasmadas. Hesitamos tomar partido, mas o senhor reapareceu perto da porta do quarto, fazendo gestos para que entrássemos, e antes de entrarmos, retornou à cozinha, onde antes estava. Pressionados, acabamos nos dirigindo ao tal quarto, cuja porta estava encostada.

Eu fui na frente. Tateando a porta, para que abrisse de leve, notei a escuridão a que estávamos entrando. Somente se via o que proporcionava um velho abajur bem ao fundo do longo e escuro quarto. Encostamos a porta de novo, e pedi licença, ao passo que, ao longe, pudemos ver a mãe deitada na cama, segurando pequenos lençóis em seus braços trêmulos, que logo encostou o dedo indicador perpendicularmente aos lábios, pedindo que não fizéssemos qualquer ruído. Pé por pé, avançamos em direção à cama, que muito longe da porta ficava. Não se ouvia nada, tampouco percebemos qualquer coisa ao nosso redor, a não ser o olhar fixo da mãe ao véu que segurava com todo o cuidado, protegendo-o de nossa visão. Chegamos mais perto sem pronunciar uma palavra sequer. Meu coração batia forte, a situação era completamente inesperada e, em pouco tempo, passara de constrangedora para aterrorizante.

E esta situação se confirmou, de fato, quando ela afastou os panos de leve, para que pudéssemos ver.

Termo de Audiência


Justiça seja feita: nunca fui tão honrado em minha breve existência. Em primeiro lugar, eu queria salientar a minha crescente alegria perante a este blog e sua caminhada. Vejam só; no início era só eu mesmo quem lia, amigos e namorada. Com o tempo, um ou outro desconhecido. De uma hora para outra, ganhei um ponto na média aos olhos de nossa mestre, outro com o carisma de sua irmã e, finalmente (digam se não é de se orgulhar!), quem diria: o Tenha Muito Cuidado está sob os olhos da lei! (Agora quem vai ter cuidado sou eu hehe)
Pois bem, sejam todos muito bem-vindos, especialmente a minha querida amiga Liliane, a qual nunca pensei ver por estas bandas, devido ao pesado trabalho em prol da justiça. E já que me enganei, espero que a nossa magistrada, acima de tudo, se divirta com as idéias que, desde março, tenho exposto por cá sempre que minha consciência permite.

E "nada mais"! Abraços!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sopinha de Vovó

Hoje eu vinha vindo até a casa da minha avó após a aula, a convite de minha mãe, cujo carro havia estragado, e resolvera pedir socorro à mamãezinha dela (no caso, minha avó). Espera aí, me fiz confuso? Ah, lê de novo, esforça-te, porque eu não me esforcei!

Percebi quão semelhante é a cidade do campo ao me perder. Até agora tenho dúvidas de onde fui parar, mas agora (sentadinho e escrevendo em vez de estudar) creio ter estado na parte de cima do viaduto sob o qual pego ônibus diariamente há quase um ano. Penso isso porque, ao estar lá em cima, percebi que não era o viaduto que me levaria à vovó. É nesta linha que a Dona Fátima há de me perguntar: "e como tu sabias que não era o tal viaduto que precisavas estar?", ao passo que responderia: quando eu subi no pico do viaduto, resolvi (como de costume) "admirar" a "paisagem" olhando para o lado. E, lá embaixo, numa linha reta perpendicular e infinita, a uns 500m dos meus olhos, enxerguei o maldito viaduto da redenção, no qual eu pensava estar pisando. Além de me sentir um colono viamonense a perigo na cidade grande, a preguiça me fez acelerar o passo, afinal "mamãe e vovó estão esperando para o almoço".
Uns quinze minutos depois, estava em frente à redenção - contudo do outro lado da longa Av. Jopê, indo em sentido contrário ao centro. Dei uma parada no local um pouco anterior ao viaduto (o correto, dessa vez) e refleti sobre o que acontecera comigo naquele lugar há exatamente dois anos atrás, quando me levaram R$ 20,00. Botei a mão na cintura como reflexo de tal lembrança e, ao tatear a arma de choque que comprara desde o assalto, senti-me tão mais seguro e tão mais inseguro. No meio do viaduto (o da Redenção), resolvi olhar para trás e ver o antigo viaduto (o errado) do qual vim. A imensa distância que me separava dele alimentava minha imaginação, tal qual uma paisagem campeira, tal qual uma floresta, uma campina, uma savana pura: mas não, a selva era coberta de pedras.

Prossegui até encontrar uma rua chamada Rua da República. Pouco curioso, passei a me perguntar o porquê de aquela rua histórica se chamar República. Haveria uma antiga república lá? "Certamente", pensei, "...mas qual dessas casas históricas seria a antiga república?"; sim, porque se aquelas residências velhíssimas ainda possuíam suas janelas-de-porão, uma daquelas janelas era a janela do porão da república. Quase instantaneamente, associei o nome da placa azul à república romana. A palavra, como já sabido pela nossa mais nova amiga professora, vem do latim, Res Publica, e significa literalmente "coisa pública", ou "coisa de todos". Um local para se passar um tempo, um lugar de passagem, enfim. Não resisti e adentrei esta misteriosa travessa.

Dentre as inúmeras - e lindíssimas- árvores e as alternativas pessoas sentadas às mesas dos bares de lá, não achei resposta aos meus questionamentos, nem mesmo perante as mais históricas residências. Sob a chuva quente de POA, segui meu caminho até a esquina, onde percebi uma casinha em cuja pequena sacada vi um balde. Foi quando um flashback me rendeu tantas risadas, que as pessoas na rua também riram de mim. Lembrei-me de vários anos atrás, direto do túnel do tempo...
Paulo Barradas, eu e (confirmadamente) o ilustríssimo DIOGUINHO (love ya, dude!) andávamos, à noite, próximo a uma igreja, no centro de um vilarejo muito distante e pouco conhecido, chamado "Viamão" pelos nativos. Lá, salvo minha língua mordida, até mesmo as casas mais recentes se parecem com as históricas de Porto Alegre. Não lembro bem qual era nosso destino, tampouco importa; o que lembro é que passávamos em frente a uma dessas casas "antigas por excelência", em cuja sacada (a despeito de o pôr-do-sol já estar distante) havia uma moça limpando-a e também um balde. Esta não era uma casa qualquer: era o então point viamonense: uma pastelaria conhecida por Petiskeira, seja qual for a grafia açasçinada. Não rias ainda - os pastéis até que eram gostosinhos, às vezes. Naquela noite, porém, a pastelaria abriria de fato mais à noite, quando um "régui ixperto" ia tocar e "a fumacera" ia subir, "táligado?". Era para tanto que a moça limpava a sacada com seu balde d'água. Ao aproximarmo-nos, pois, notávamos um casal de velhinhos que foram até lá comprar seus pastéis-da-noite, e compraram-nos. Ao saírem, porém, uma cena tão comum quanto a de um pouso extra-terrestre passou diante dos nossos olhos; não me deixem mentir, amigos: a moça lá de cima despejou da sacada um balde cheio de água, e adivinhem onde a água todinha caiu? A pouquíssimos centímetros da cabeça da vovozinha, que, atônita, ficou parada, quase que em choque, ao passo que a moça (que eu lembre) lhe pedia desculpas de cima da sacada. Infelizmente (a velhinha deve ter-nos compreendido!) não pudemos conter o nosso id, que, às gargalhadas altas, comparava a cena aos melhores episódios de Chaves.

Ao voltar a mim, no tempo presente, tampouco contive as gargalhadas, no meio da rua da República, com seus conservadores moradores e algumas de suas vítimas, mendigando por ali. E assim que dobrei a Lima e Silva, "o pacificador", sob a chuva abafante, pude ouvir de uma menininha, ao atravessar a rua: "vamo, pai, essa chuva tá muito molhada!".

Entrei no Zaffari para comprar suco de laranja e na Alberto Torres para acordar minha mãe, que, conhecedora do filho que tem, descansara no sofá de minha vovó enquanto esperava por minha longa jornada costumeira.



(PS: eu não comi sopa neste dia)


terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Banho Escuro


Deu vontade de quebrar o ritmo desvairadamente e vir conversar com meus poucos amiguinhos que restaram.

Ares estranhos têm tomado meus pulmões - contra a vontade de meu diafragma - desde alguns dias atrás, e coisas vêm acontecendo desde então.

A principal delas foi tomar banho no escuro.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Carta Ao Meu Tataraneto


Em que pesem as mudanças em meu perfil do Orkut, não pretendo perder este texto, que possui um certo valor aos meus olhos. Quem já leu, peço desculpas pela decepção, e já aproveito para explicar o porquê de eu estar tão ausente por aqui: em alguns dias, a cobra vai fumar.
Então, lá vai. Abraços!
"Meu jovem garoto, eu estou perto dos meus 20 anos de idade agora. E já consigo imaginar como serão os teus. Eu nasci em uma época em que tudo mudou. Pergunto-me se sequer conseguirás me compreender, mas já adianto que, hoje mesmo, poucos podem, e portanto um pouco de esforço e de atenção já bastam.
Eu sou da época em que a AIDS não tinha cura. Ainda não tem. As pessoas usam preservativos (objetos nas genitálias) para evitar a contração de doenças venéreas. O que te parece? E enquanto o governo libera coquetéis para retardar a morte, alguém (que tu já deves saber) ainda omite as soluções para tal epidemia. Por quê? Controle demográfico? Interesses financeiros? Responde-me tu, guri!
Na minha época, a revolução eletrônica explodiu. Televisões, que há anos já tinham ganhado cores, agora as têm muito mais, e em formatos compridos, imitando o velho cinema que nem deves mais conhecer. Pesquisa no Google, se ainda existir. Nessa época, ainda utilizamos computadores quadrados em forma de televisão. Eles parecem muito potentes, mas nunca o são como queremos, e certamente vão-te parecer tão ultrapassados como uma vitrola hoje me parece. Vitrola? Ah, nem sei te explicar o que é.
Eu nasci poucos anos antes da internet virar popular. Aos meus oito anos, lembro-me do meu primeiro acesso, num computador velhíssimo, e em uma velocidade que hoje me faria chorar de desespero. Como tu a verias? Para acessar a página inicial do Pokémon (um velho desenho animado oriental), eu levava quase 30 minutos e não desistia. Hoje, para ver um vídeo no Youtube (website para tal função), levo 5 minutos e reclamo, coberto de indignação. Será mesmo que um dia esperarás para acessar algo? Se é que existirá internet...
Pergunto-me hoje o que eram das pessoas antes do computador. Refiro-me a bem antes; se um dia elas imaginariam que uma caixa quadrada interligaria o mundo inteiro com um clique e alguns minutos de espera, e ainda suportasse jogos que copiassem a realidade. Meu amigo, eu não consigo imaginar o que é que tens em tua residência. Que tipo de objeto superou o Ipod, o celular, o notebook e o MP3 player, mas, analisando o passado, imagino que pensarás o mesmo que eu penso hoje: "como eles viviam sem isso?". Eu não tenho lá tanta experiência para te passar, meu descendente, mas sei já de uma coisa: nunca se sente falta do que não se conhece.
Eu lembro que, quando nasci, conheci os discos de LP e os achei ultrapassados. Na minha época inventou-se o disquete portátil, compacto, em que cabiam a enorme quantidade de 2mB. Hoje, rio disso, pois logo após surgiu o CD (objeto plano e redondo) em que, tanto na música quanto na informática, assumiu a postura de portador de dados em maiores quantidades. Hoje, rio também do CD. É que inventaram um tal DVD, muito parecido com o antigo CD, mas simplesmente muitas vezes mais competente. Quando pensei que íamos estagnar, surgiram os PenDrives, e eu calei-me com muita curiosidade. O que é que vem pela frente, amigão?
Bom, tenho muito mais para te dizer, mas como disse, tenho apenas 20 anos e, no pico de minha juventude, vejo-me com inúmeras coisas para fazer, algumas interessantes, outras não, mas ainda assim são coisas a serem feitas. Peço-te que me aguardes, hei de te contar mais sobre meu mundo, mas não espero que te surpreendas tanto quanto eu me surpreenderia a conhecer o teu. Acima de tudo, porém, espero que eu possa te entregar esta carta em mãos.
Um grande abraço, Lucas Di Marco (20/06/2009)"


terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Raça Metálica

Ontem eu fui (sozinho) a um show de metal melódico. (E daí?) Constatei algumas coisas.

Primeiro, percebi que metal é algo extremamente infantil (e portanto muito divertido). A gente sente uma mescla de poder com identidade, não sei explicar. Mas definitivamente estou ficando velho, ou não nasci para ser metaleiro mesmo.

Para começar, cheguei à fila duas horas antes com um único propósito em mente: assistir o tecladista tocar Stratosphere. Eu era o único de camisa bordô e calça jeans clarinha perante a uma multidão preta e cabeluda. Gordos tetudos, metrossexuais, mulheres bagaceiras (em geral obesas) e fumantes por todas as partes, gritando como macacos, uns fumando e bebendo, outros extremamente nerds, mas todos com o mesmo ar infantil nos rostos, inclusive os (bem) mais velhos.

(À direita, o vocalista Timo Kotipelto, crente em sua origem, Príncipe Nórdico Medieval e trajado de Cavaleiro Angelical do Apocalipse.)

Fiz dois amigos em questão de segundos. Um era um sujeito de Neu Hamburg que também foi sozinho com o único propósito de assistir ao show. Bastou que eu comentasse com ele sobre o horário para que ouvisse sua voz até a entrada do show. Logo formou-se um bolo de metaleiros estranhos por volta de nós, cada qual com seu diferencial de estranheza (físico, psicológico, psiquiátrico, psicodélico e psicopático), e todos só sabiam falar de um assunto: metal. Assustaram-se alguns quando, em meio a um acesso de insanidade de minha parte, resolvi agir naturalmente e perguntar a um sujeito de onde ele vinha, devido a seu sotaque estranhíssimo. Logo, todos perceberam o quão "anti-metálico" eu era e se afastaram aos poucos. Fiquei então conversando com este paraense, sujeito "gente boa da porra", segundo o próprio. É um oficial da aeronáutica lá, e me passou perversas recomendações sobre o lugar, o que só pude acreditar quando ele confessou estar com frio, e que estava pensando em pegar um moletom. Eu estava prestes a tirar a camisa perante aquele calor infernal da Cidade-Baixa. "Lá é um calor infernal, pô, lá é seco e faz 40º no inverno, tá doido, pô!". Falou que lá o funk tem pouca expressão; em compensação, o brega assume como líder nas paradas baládicas. Fato que o faz querer migrar para cá.

Ao entrar, RElembrei que, embora ache o Heavy Metal divertido, detesto a raça metaleira. Digo isso porque de fato é uma raça: todos procuram ser iguais, vestir-se iguais, usar e falar as mesmas coisas, ter o mesmo tipo de cabelo, as mesmas atitudes... e por que não é uma fantasia? Porque a maioria é assim em tempo integral, mesmo...

O engraçado é que grande parte daqueles rostos já me eram conhecidos, devido ao show do Iron Maiden, há quase dois anos atrás. E olha que não sou de guardar rostos. Havia um cabeludo (ok...) loiro, liso, alto, meio gordo, meio musculoso e com uma cara de travesti limpo. Ele desfilava pela fila como se fosse o rei do metal, como se fosse o membro da banda. Tudo isso, para eles, parece ser muito bonito, gerador de orgulho. Mas para mim parece piada. Eu queria que eles pudessem se ver por um instante do jeito que eu os via... trajados de besouro.

Não fosse suficiente (eu não sou moralista, e nem poderia ser, se é que me conhecem os gostos mais GLAM's que há anos me acompanham), eles ainda são extremamente deficientes em caráter. Eu não sei por quê, mas todos eles queriam parecer maus. Maus, maldade por maldade, sem fundamento algum. Tratam-se como vikings, odeiam-se mutuamente desde o primeiro olhar até a primeira palavra - então passam a ser "blood brothers" e falam de metal até algum fator externo cortá-los. Foi assim que me fui recepcionado ao alcançar o meu lugar na terceira fileira próximo ao palco, muito perto do tecladista o qual desejava ver. E vi. Eu teria ficado ainda mais à frente, mas assim que cheguei na segunda fileira, mais à direita, um casal cutucou minhas costas e a "moça", trajada de prostituta nórdica, falou com voz de defunto: "ei, esse lugar era nosso", ao passo que eu respondi, com uma reverência bíblica com as mãos: "por favor!". Não extraí sorrisos; primeiro, porque notaram minha ironia (eles já esperam, de início, algo ruim de todo mundo), e segundo porque eles não sorriem jamais, a menos que estejam diante de uma vodka e de um cd do Sepultura. Foi quando resolvi ir para a tal terceira fileira, bem mais à esquerda, próximo ao tal tecladista louco.

Lá, no entanto, todos os olhares ao meu redor, fossem para mim ou não, significavam ódio e avisos de combate. Era como uma guerra fria, uma paz armada, sei lá. Ao meu lado havia um graveto, um sujeito alto e magricela, com cabelos cacheados e (inevitavelmente) cheirando a cabelo de mulher. Assim que um cara (que estava na minha frente) saíra para o lado, eu avancei quase que instintivamente, e esse graveto ao meu lado botou a mão para que eu não ocupasse o lugar daquele, que voltou logo. Senti um ódio tão profundo que até compreendi Varg Vikernes (que, aliás, foi solto. Cuidem-se, cristãos).

O show foi maravilhoso. Não compreendia por que todas as palavras que os finlandeses falavam em português eram palavrões. Aliás, percebi o quão diferente de todos eles eu era, porque toda a platéia (antes do show) ficava gritando a uma só voz "PORRA! PORRA! PORRA!". Não bastasse, o baixista (muito semelhante no jeito, nas roupas e até fisicamente a um amigo nosso, conforme podem perceber na foto à direita) tocou, uma hora, um tipo de bossa nova, com uma paradinha boba no meio, quando ele gritava "EI, PORRA!". Fez isso repetidas vezes, e em todas foi acompanhado de todos nós (inclusive de mim, que nem sabia por que fazia aquilo, mas achei tão engraçado...). Hoje pela tarde, resolvi pesquisar o nome dele. Para a minha surpresa, o sujeito se chama Lauri Porra, e é finlandês nato. Pelo jeito, aprendeu algo àquela noite.

E para não dizerem que metal é coisa de cabeludo vagabundo, tivemos aulas de cultura nórdica passadas direto de nosso ídolo-mor. No fim do show, aprendemos a contar até quatro em finlandês.

Já esqueci, porém.

(PS: Eles não tocaram Stratosphere)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Indesejada Entre As Gentes


Ontem foi aniversário de morte de meu avô, e, também ontem, faleceu meu primo, vencido pela leucemia, com a qual lutava há meses - um sujeito de 30 e poucos anos, alegríssimo e que recém havia realizado seu sonho - a paternidade.

Também ontem - e nessa hora deve-se perceber que a desgraça jamais se anuncia sozinha - quase que eu (eu, quem vos escreve) parti desta para uma melhor. E antes que meu amado Didizão venha buscar, nessa afirmação, confirmações para seu argumento (no qual eu abuso de hiperbolismo para obter um bom texto, o que não discordo), já lhe adianto, irmãozinho: eu realmente a vi de perto!

Eu vi a indesejada de perto, mas de tão perto que eu poderia tê-la tocado, e me admira ela não mo ter feito antes. O que aconteceu foi o seguite:

Eu tenho um complexo com um certo professor, cujo nome já esbanja superioridade: Ferrari. Ele é o tipo do sujeito que entende muito de química, mas não sabe transpassar nem um terço. O defeito dele, segundo minha visão de estudante, é que nos trata como se fôssemos universitários, como se já soubéssemos exatamente o que ele sabe, mas havíamos nos esquecido no dia anterior. E por conta disso, não posso deixar de enchê-lo o saco no fim da aula.
Ele já me conhece - embora jamais tenha olhado nos olhos de ninguém -, mas pelo tom da minha voz, já percebe que se trata 'daquele que sempre pergunta no fim da aula'. O meu sonho era que ele, após o término da aula, no corredor, parasse de caminhar, virasse para mim, mesmo que de pé, e me ouvisse - e me respondesse com calma. Mas esse sonho é infundado. Ferrari jamais perde tempo.

Se eu ficasse parado, não teria minha dúvida respondida. Digo isso porque ele termina a aula, despede-se e sai andando, seja para onde for. Hoje, seria para o prédio da outra rua, sede segunda do curso no centro. Eu lhe perguntei sobre pressão osmótica ainda dentro da sala, ao passo que ele fora me respondendo no corredor, depois descendo as longas escadas até o pátio, depois descendo as escadas em direção à saída do curso, e depois na calçada da rua, até que chegamos na esquina, e ele ainda falava, enquanto eu procurava prestar o máximo de atenção naquelas palavras soltas ao vento da Alberto Bins.


E foi nessa esquina (Alberto Bins X Senhor dos Passos) que eu presenciei a face daquela que as gentes não desejam. A calçada dessa esquina, pela qual o Ferrugem subia (dobrando 90º), era estreita, e já desciam pessoas pelo canto esquerdo dela. Ele continuava falando depressa, tomando a parte da direita da calçada. Uma lixeira impediu com que eu seguisse atrás dele, fato que certamente me tomaria vários segundos de explicação daquele químico infame, então resolvi encurtar o caminho, contornando a lixeira pela direita, tomando o meio da rua por alguns segundos. Assim que me encontrei ao lado direito da lixeira, ou seja, no canto esquerdo do meio da rua, senti um machado descendo na minha nuca, sussurrando: "vem, tropeiro, vem!". Um ônibus descera a Senhor dos Passos a 60km/h, passando a uns 10cm do meu corpo.

Após a buzinada - e os gritos apavorados de quem viu -, saltei para a calçada, em cima da lixeira mesmo, como se adiantasse fazê-lo a essas alturas. Senti como se tivesse de fato morrido: o frio nas vísceras, o ventre vazio, a cabeça leve, as mãos trêmulas. Pensei somente na seguinte frase, com o sotaque do meu amigo Barradas: "Eu quase morri, cara...!"

Naturalmente, tomei a esquerda do meu professor, ainda fora de mim. Foi quando ouvi as primeiras palavras depois de meus desvareio: "entendeu?" - e pela primeira vez (que me lembre) ele parou e se dirigiu a mim, olhando nos olhos e sorrindo sem mostrar os dentes. Eu fiz que "sim" com a cabeça e voltei sem agradecer.

O desgraçado sequer percebeu.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Com Varíola ou Sem Varíola?


Foi a pergunta que o dono do barzinho me fez, ao pedi-lo um negrinho. Não houve tempo de pensar em algo, mesmo compreendendo seu humor negro - referindo-se a brigadeiros com bolinhas em cima, em vez de granulado; antes mesmo de eu poder decidir pelo "sem varíola", o velho - que ia puxando a bandeja de doces de baixo do balcão - derrubou-a em cima de mim, com diversos doces. Na minha frente, ia culpando-se pela brincadeira idiota e passava a selecionar os que caíram no chão e os que não caíram. "Até parece", pensei, "que não vai misturar todos depois que eu sair...".

Achei que esse fato ia ser o último extravagante do dia de hoje. A verdade é que a pressão profissional vem me afastando paulatinamente de vossa presença. Se é que é preciso, peço que me compreendam. De qualquer forma, as coisas que ocorreram nessas últimas duas semanas foram tão alternativas e incríveis que eu teria mais vários longos posts para contar-vos, mesmo que o mundo acabasse hoje. Aliás, se o mundo acabasse hoje, eu me trancaria em casa, porque as coisas em Viamão demoram muito mais tempo para acontecer, e já estou arrependido dessa piada imbecil, portanto...

Não foi só isso, porém. Enquanto comia o neg... o brigadeiro, com um copo de suco, vi uma senhora aproximando-se do caixa, ao passo que o velho a xingou de muitos adjetivos pelo fato de ela só poder pagar em crédito. Assustei-me e, sem me despedir, fui embora dali.

Aproveitando o espaço, queria usar este artifício de múltipla informação para (justamente) informá-los que eu sofri um acidente de carro no domingo, e não estou brincando desta vez. Sábado à noite, houve uma briga (pai VS família) para decidirem se eu usaria ou não o carro. Defendido pela família, acabei conseguindo-o, mesmo sob a praga de meu célebre pai: "se tu bater o carro, é eu que vou ficar sem, e não tu!" ao passo que respondiam por mim "a chance de ele bater é tanto quanto a de tu bater!". Achei estranho meu irmão me defender pela primeira vez na vida, e só agora entendo por que o destino me apresentou tal fenômeno: ironia.

Passei a manhã e a tarde com medo de terem roubado o carro, o qual estacionei na rua durante as palestras. Quando, às 17h, confirmei a presença do carro, pensei realmente que nada iria atrapalhar meu sucesso. Dois minutos depois, subindo a lomba da Dr. Flores, próximo ao McDanado's, ia tranquilo, na mão correta, na velocidade correta e na minha preferência, quando sinto a aproximação aceleradíssima de um motoqueiro na rua transversal, que não tinha a preferencial. Não seguindo esta máxima, desceu aquela rua perpendicular a uns prováveis 80km/h, no centro de Porto Alegre, e eu só tive tempo de acelerar um pouco mais para que ele não matasse minha querida namorada, que sentava ao banco do carona. Ele destruiu a traseira do meu carro, que agora já está semi-destruída, e se ralou todo, coitado. Ofereceu o pagamento, deu o telefone, nome, local de trabalho, assumiu a culpa e obriguei-o a ligar para meu pai no ato. Isso aliviou 94% da minha pena, a qual - sinceramente - ainda não senti.

O outro fato que ocorrera uma semana antes (este, sim, extremamente hardcore) hei de contar-vos num próximo encontro. Até mais, highlanders.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sopa de Luquinhas


Não foi uma chuva - foi o apocalipse. A água que afogou meu algodão nessa terça-feira era suficiente para encher um tanque, ou quem sabe uma piscina! (Lá vem ele de novo com seus exageros). Mas é verdade.

Eu vesti um abrigo, em vez do jeans, pela primeira vez em vários meses. Não fazia idéia do que estava por vir. Como estava atrasado, vesti qualquer coisa, tirei meia-remela, enfiei um tubo de pasta e bochechei; após, acordei a irmã para abrir o portão. Olhei para o relógio: faltavam dois minutos para o jato passar, e eu precisava correr. Até aí, não tinha percebido que o tufão estava armado, tal como o tempo, de fato. Precisei ir até metade do pátio para perceber (e aceitar) que precisava de um guarda-chuva. Então voltei correndo, resbalando na entrada (o que quase me fez acordar) e capturando o objeto preto e barato. Esses dias andei pensando...

Alguém já percebeu o quão vulnerável é um guarda-chuva? É o único artefato do cotidiano que consegue ser uma especiaria - tamanha sua importância- e um lixo-escambo - tamanha sua fragilidade, e tudo ao mesmo tempo. Eu queria poder, um dia, guardar muito dinheiro e comprar UM guarda-chuva ótimo. Mas eu nunca encontrei! Não é questão de dinheiro, é questão de mercado: guarda-chuvas foram feitos para serem péssimos, para nos deixarem na mão quando mais precisamos: naquela terça-feira.

Naquela terça-feira, percebi que ia ficar na mão quando minhas mãos estavam encharcadas; algo estava errado, além do vento quase me levar lomba abaixo. "Meu guarda-chuva se matou... de solidão"...

Meu guarda-chuva se entregou, desfaleceu na minha frente. Tentei ressucitá-lo, quando vi que ele havia se invertido (toda a parte do tecido virara para cima), mas fora tão inútil quanto fazer boca-a-boca num cachorro. Usei-o daquela forma, e já naquela hora estava eu molhado da cintura para cima, como se tivesse caído numa poça ao contrário.

Ao chegar na esquina - local de destino - já diriam que "aquele louco se atirou na piscina", porque minha calça de abrigo - antes preta, agora totalmente DARK - poderia ser torcida facilmente, e foi isso que fiz ao chegar no ônibus.

[OFF]: Lembram daquele indivíduo que sofreu ataque epilético, do qual contei nos posts de julho? Ele morreu! Sim! O problema dele, conforme descobriram mais tarde, era no coração, e não na cabeça, da qual estava se tratando. Diz-se que o tamanho de seu coração era muito superior ao normal, o que o levaria à morte mais cedo ou mais tarde.

[ON?]: O sujeito que diz que 'frio é psicológico' deveria ser depilado na Sibéria. O que eu sentia era uma sensação de morte, parecia que eu estava dentro de um cubo de gelo derretendo-se-me. Molhei toda a poltrona, coitada; e não fora menos que isso que me motivara a ligar para minha colega - e enteada do meu tio - em busca de socorro. Às 6:48 da manhã.

- Amanda, te acordei?
- Ah, sim... mas pode falar...
- Tá, eu sei que vai parecer estranho o que vou te pedir - risinhos tímidos - mas... tem como tu levar um secador de cabelo pra aula hoje?
- Ah, Lucas, eu não vou na aula hoje...
- Não vai? - o sorriso se desfaz num desespero interiorizado.
- Não, não vou... tá chovendo muito, e minha vó não deixou eu ir...
- Ah bom...
- Mas eu peço pra minha amiga levar, ok?
- Tá, pode ser então. Obrigado, até.

Achando que meu carisma finalmente me renderia, tentei não dar bola pelos próximos 90 minutos para a minha calça ardente de umidade e de frio. Será?

A amiga dela me levou nada mais, nada menos do que uma toalhinha de mão. Ao questioná-la por quê, obtive como resposta uma deliciosa obviedade:

- O secador era muito grande.

Nada melhor do que o tempo - o mesmo tempo - para curar nossas pernas aguadas e nossos guarda-chuvas suicidas, que, aliás, ainda dá para o gasto, em se tratando de garoa ou sereno viamonense.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Nunca Deixe Passar da Bunda


Ontem o Marquinhos me pediu para que postasse, dizendo para contar coisas do cotidiano, coisa que ele mais gostava. Eu lhe disse que o problema estava aí; nada demais tinha ocorrido nos últimos dias, nada que pudesse interessar vocês, meus bons amigos e ainda melhores leitores.

E foi hoje, na sexta-feira, que resolvi me soltar (ui), botando uma cueca largadona - até demais - para que meu dia fosse bem largadão. Às seis da manhã, então, saía eu de casa com esta magnífica invenção do homem que, como todas, nos deixa na mão algum dia. Ao chegar na parada de Porto Alegre, porém, já tinha esquecido como era caminhar com aquele tecido escorregadio por entre as nádegas, e posicionei meu então casaco tapando as costas, de modo que não aparecesse nenhuma cavidade anterior. E segui até a aula, passando o tempo todo com aquela preocupação: "estaria descoberto o princípio de meu assento?" ou, em português laico, "alguém tá vendo meu cofrinho?".

Bom, quando esta tortura cultural e estética parecia terminar com o fim da aula, despedi-me de meus colegas ao redor e fui-me ao ponto de volta, a sete minutos dali a pé. Ao meu lado, porém, a infelicidade do destino pôs um conhecido meu que, por acaso, vai até a mesma parada e pega o mesmo fuckin' ônibus. Logo na esquina, senti que a cueca maltratada descia literalmente até a metade das nádegas. E, parte por desleixo, parte porque vinham atrás de mim centenas de alunos do mesmo curso, resolvi não tocar um dedo sequer na maldita, uma vez que a calça jeans tapava "o que precisava ser tapado". Mas, passando a esquina, os movimentos oscilatórios das coxas, além do pêndulo em altíssima frequência, fizeram com que a coisa fosse ficando pior - deixei passar da bunda.

E quando passou da bunda, a muitos e muitos metros de distância da parada, comecei a me desesperar, o que significa que mantive a máxima calma possível. E o cara do meu lado começou a estranhar, porque passei a andar muito devagar e a passos de formiga, evitando um vexame maior. Ainda subiam a rua comigo diversos estudantes que, certamente, apontariam para mim no dia seguinte. Um apelido eu iria ganhar; "bundinha", ou "bundalelê", ou seja lá o que fosse, eu não podia passar por isso, e se alguém aí lembrou de algo bobo, que nos remeta a 2003, não comente, há vários outros posts legais.

Mas conforme ia chegando na outra esquina, a situação passou dos limites. Literalmente, estava "levando nas coxas", e já não podia dar aquelas passadas naturais, tudo ia ficando completamente arriscado; e um outro plano me passou pela cabeça: acelerar o passo. Quanto mais me afastasse daquela gente, menos problema teria em resgatar a cueca decadente e prendê-la bem forte onde quer que fosse. Ao notar minha indisponibilidade física, o sujeito questionou. "Cara, tu tá bem?" e eu não quis entrar no mérito; "Aham, é sono."

Quando cheguei a ver a parada, a uns 50 metros da própria, a cueca já estava quase nos joelhos, não fosse a calça segurá-la. Para a infelicidade, a cueca é gigantesca; e eu andava como um robô, quase que fingindo ser um, para que ninguém tivesse pena de mim; mas graças ao Deus Cuecão, cheguei até a parada. Encostei-me à parede suja e fiquei imóvel por mais 10min até chegar o maldito ônibus. Subi seus degraus com cuidado, paguei ao motorista com muita cautela e sentei-me no último banco possível. "Ah, que alívio!" era o pensamento da hora.

E quando ele arrancou, verifiquei se ninguém estava de pé, e não estava. Tampouco sentara alguém perto de mim. Comecei a abrir o botão, seguido pelo zíper da calça e, desentortando a mim mesmo, consegui tirar a calça até a altura da cueca exatamente na hora em que o ônibus parou na sinaleira da rua seguinte, ou seja, fiquei literalmente peladão.

Os segundos que demorei até resgatar a cueca com as mãos foram suficientes para que algumas pessoas da parada mais próxima me olhassem com espanto e pavor através da janelinha. O pior de tudo é que, após trocar olhares com os telespectadores intolerantes, o ônibus ainda ficou parado por vários segundos. Dentre todos os observadores, uma mochilinha do Unificado me dava um tchau irônico através de seu feixo de metal barato, como quem diz: "agora posta no blog!".

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Não Me Levem a Mal

Diogo: eu consegui. Há quase uma semana que não tomo um copo inteiro de refri. No máximo alguns goles, enquanto não me acostumo totalmente, mas vá lá, eu era viciado, e nunca tinha passado UM DIA SEQUER sem refrigerante desde minha infância mais remota, ou seja, havia uns 15 anos. E já consegui uns 3 dias inteirinhos sem nem um gole! Fui almoçar com o Jonas na quinta passada, e a surpresa dele foi quando chegou à mesa e viu uma garrafa de água sem gás, e um prato com muitas alfaces e um talo de couve-flor.

Recentemente, tive uma grande idéia: depilar as axilas. Não sei por quê. Gosto muito de experiências extravagantes (com exceção das homossexuais), e por isso acabei cedendo à minha curiosidade, que já resultou em peito careca, depilações com cera quente, quadrado de pêlos retirados da perna, pedaço da barba feita com pinça, sobrancelha aparada, pêlos pubianos extremamente polidos e, por fim, as axilas. Sem contar o uso de bases e maquiagens, mas ah, vai que alguém acaba me interpretando mal aqui.

O fato é que, na maioria das vezes, minha namorada está por trás disso tudo. Ou pelo menos no meio, incentivando ou sendo convencida por mim. Desta vez, porém, resolvi fazer diferente: sozinho. Assim, passei uma semana dizendo para ela por telefone: "tenho uma surpresa". Ao passo que, como sempre, ela me questionou "é de comer?". "Não". E aguardou um segundo significado com conotação sexual, velho costume meu, mas não veio: realmente não envolvia a palavra comer.

O tempo passou, e ela foi desistindo aos poucos - braba - de me extrair o que era. Só disse que ela acharia engraçado, ou legal. Tinha sérias esperanças que ela gostasse, no fundo. "É mais higiênico", dizia um amigo de um amigo meu, e eu realmente tive de concordar... mas a coceira e a alergia, puxa vida, não compensa.

O dia tão esperado chegou. Peguei-a pela madrugada em sua casa, já que (olhem isso!) toquei em um aniversário de 15 anos naquele sábado até as 23h. Trouxe-a até minha residência, fomos até meu quarto e... então indaguei-a: "tá na hora. Vou te mostrar a minha surpresa". "Ai meu Deus!", disse em contra-vapor. Não pensei duas vezes: tirei a camisa e levantei meus braços. Ela procurou bem, sem entender... então eu apontei, humildemente, uma das axilas com a mão oposta.

"MEU DEUS, O QUE QUE É ISSO?????"
"O quê? Achei que tu ia gostar!"
"COISA HORRÍVEL! PARECE DE MULHER! NÃO QUERO ISSO!

Desde então, venho coçando minhas axilas, enquanto espero os micropêlos crescerem, como pentelhos, sempre desencravando-os com esmero, e admirando-os em seus tamanhos ímpares muito provavelmente pela última vez na vida.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Perdas, Perdas e... (Ganhos?)


Aprendi com minha namorada (direta ou indiretamente) e com algumas outras filosofias de vida que, por mais que se esteja mergulhado no arroio dilúvio, ao menos se está nadando. E é pensando nisso, já que cansei de abraçar o capeta, é que ando mais tolerante com a vida (ao passo que ela me tolera cada vez menos).

Adquirimos um vídeo-game divertidíssimo. Não é preciso mais, para ser bom, a habilidade em games, mas sim a própria habilidade física ou mental. É quase um ENEM do lazer. Tanto é que meu próprio pai, que bem poderia ser pai do Atari, anda nos vencendo no boliche e no golf virtuais. Em vez de apertar em botões, utiliza-se o controle como o objeto de jogo (como a bola, ou como a raquete, no tênis), e então o controle faz as vezes daquilo. É divertido demais, não fossem as dores causadas pelo exercício, e a preguiça de ter que jogar em pé.

E no primeiro dia em que o vídeo-game chegou (sábado), bastaram algumas horas para que eu, divertindo-me como num verdadeiro estádio, me empolgasse. Não me perguntes como: quebrei o lustre novo da sala. Game Over.

Cheguei a pensar que seria proibido, como nos tempos de criança, de jogar aquilo - mas talvez utilizassem uma camisa de força, devido às circunstâncias. Passei a tentar convencer minha mãe, no entanto, de que o que valeu foi a diversão que senti até aquele momento. Funcionou. (O quê? Sim! De alguma forma, funcionou!)

Acontece que depois de um mês de férias suínas, esse vídeo-game viciante veio aparecer justo no penúltimo dia! "Peraí... vamos voltar à rotina muito mais felizes do que antes." Preparava-me psicologicamente para voltar a acordar às 5:50 todos os dias.

Tudo bem; se eu tivesse acordado na hora certa. O primeiro dia de volta, e "meu despertador não despertou". O que é uma mentira terrível, já que fui eu que não despertei ao ouvi-lo. Acordei uma hora depois do que deveria, já pensando: "o dia de hoje vai dar um bom post". "Isso aí, Lucas. Sempre positivo".

Corri para lavar o rosto e tudo que deveria ser lavado (ui) e enfiei (ui) qualquer roupa (uuui) no corpo (chega). Após, fui verificar os horários do próximo ônibus no computador. Dizia ali que era 7:20. Olhei para o relógio: 7:20.

A única coisa que funciona pontualmente em Viamão é esse ônibus. Esperei vinte minutos, junto de minha cadela drogada, dentro de minha sala, tomando todinho, já quase-puto-da-cara. Faltando cinco, resolvi partir.

Lá fui eu. Havia um problema: minha irmã já tinha ido ao colégio (ainda não sabia como, já que era eu quem deveria acordá-la), e eu não sabia como fazer para fechar o portão. Então tive aquela idéia de que tanto nos orgulhamos às 7:40h da manhã. "Vou abrir todo o portão (elétrico) e, logo após, apertar o botão para fechá-lo. Enquanto ele fecha, corro até lá e ultrapasso-o antes de fechar totalmente." Ótimo plano, Lucas.

Eu só não contava com dois poréns:
1º- o conserto recente do portão, que aumentou sua velocidade consideravelmente;
2º- a minha cadela;

Enquanto corria feito um desesperado, tropeçando duas vezes nesse bicho, que acorda e dorme já disposto a brincar e pular, tive de literalmente me jogar DE LADO contra o buraco que sobrava entre o portão e o muro; se alguém estivesse à rua naquela hora, teria visto uma cena de Hollywood. Não só pelo fato de eu ter quase me suicidado acidentalmente logo após acordar, mas também porque havia uma tempestade de tornados na cidade de Viamão, e ai de quem diga que estou exagerando. Árvores sacudindo, objetos voando, tudo isso e mais ao som da sinfonia eólica, um dos meus maiores temores sonoros, depois do trovão, da explosão e, principalmente, da flatulência. Mas eu sobrevivi até a esquina, e peguei o ônibus lá. "Pelo menos não tá aquele calorão infernal de ontem!", tentei me iludir.

O valor da passagem subiu. De R$ 6,50 para R$ 6,90, agora sim me sinto despedaçado ao voltar para casa, e cada vez mais considero aquele ônibus MEU. Porque já devo ter pago todas aquelas poltronas confortáveis, e vários meses de salário daquele cômico motorista que, não sei por quê, gosta de mim. Mas nem era ele, pelo fato de o horário ter-me sacaneado. Não havia como me conformar diante desse aumento. Calei-me emburrado.

Chegando ao destino, perdi duas aulas, logo de início. "Mas nem eram lá tão importantes". No intervalo, resolvi ir ao banheiro.

* FLASH BACK: Lucas, avó e mãe indo comprar um tênis para este. Na loja, Lucas compara preços, tamanhos e belezas, adquirindo um dos que mais gostara. Até então, muito feliz estivera. *

*FLASH BACK 2: Lucas tentando insistentemente aprender o Moon Walk, desde a morte de Michael Jackson, até então sem sucesso*

O banheiro é num beco do pátio, e até hoje eu sempre reclamava disso. MAS GRAÇAS A DEUS POR TEREM ESCONDIDO, OBRIGADO ARQUITETO, OBRIGADO! Digo isso porque, ao descer as escadas molhadas em direção a ele, descobri um segredo de meu tênis novo: possui um lubrificante especial na sola. Resbalei no penúltimo degrau e caí de bunda numa poça d'água. Olhei para trás instintivamente: vinha um guri que fingiu não ver, e sequer riu. Odeio. Quero mais que ria, para quebrar o gelo; eu sei que ele vai contar para seus amigos depois, e então rirá muito, o triplo do que riria ali. Mas ele não riu. Dentro do banheiro, havia um Mano Yo, que só fez "baaah", que foi muito bem aceito por mim. Só duas pessoas contemplaram a segunda cena cinematográfica da qual fui protagonista no mesmo dia chuvoso. Os número estavam melhorando consideravelmente; se eu continuar assim, um dia terei inúmeros fãs aplaudindo minhas quedas e meus mortais antes de ser esmagado por um portão de ferro. Mas não foi isso que pensei para me conformar da minha péssima compra... "Pelo menos, Moon Walk não vai ser nenhum problema!" E quase soltei um gritinho de alegria. Velha tática de mentir para si mesmo. Sempre funciona, em qualquer idade! Afinal, agora tenho idade suficiente para distribuir a duas, ou até três crianças. Quatro ou cinco, na verdade. Ok, vinte bebês. (ou 240 recém nascidos)

7300 dias. 175.200 horas. 10.512.000 minutos. Nos segundos, a calculadora deu erro. :(

Só faltava, então, uma sacanagem para me conformar. A passagem. Peguei o ônibus de volta correto, graças ao meu receio de perdê-lo também, e encontrei o meu amigo motorista. Perguntei-o sutilmente sobre a passagem.
- Por que ela nunca desce, só sobe? - perguntei sinceramente. Ele riu. Acho que considerou uma brincadeira. - Quando que sobe de novo, agora?
- Ah, agora só ano que vem...
- E por que ela sobe tão rápido? - disse eu, querendo qualquer explicação coerente...
- Ah, tudo né... pneu, gasolina, e o nosso salário, que aumenta...
- AH! O teu salário! Então tá beleza. Valeu!

E passei a roleta.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Visita Desgostosa

O amigo de um amigo meu andava com alguns problemas em uma região muito delicada, motivo pelo qual procurara um proctologista. Peço perdão pela provável falta de riqueza nos detalhes, a qual deve ser sumariamente compreendida.


E ele, receoso, fora até o hospital para que seu problema fosse resolvido. Era a primeira vez que consultava esse médico e - se tudo desse certo - a última. Procurou adiar essa visita por quase um ano, mas as dores que sentia acabaram assumindo um papel rotineiro. E foi.




Palhaço Cu-Doce, artista-plástico e humorista.


Assim que chegara ao hospital, orientado apenas por um papel que dizia as coordenadas e pelo nome do Doutor, procurara o tal Complexo 75 com muita timidez. Entrara pela porta da frente, olhara as placas e nada dizia; pesquisara muito, mas viu-se obrigado a perguntar a alguém logo de cara - o maior receio. Havia um senhor balconista em algum lugar do primeiro andar, e fora intensamente cauteloso:
- Com licença, o senhor sabe onde fica o complexo... - tivera uma idéia boa - o complexo 74?
- 74? Olha, não sei bem... o que é que o senhor procura? - diante das circunstâncias mais temidas, fez-se então de desentendido.
- Eu procuro os complexos acima de 70, sabe me dizer onde fica?
- Ah, deve ser então no terceiro andar à direita.
- Muito obrigado! - e subira faceiro.

Subindo lá, foi até o número 75 e sentou-se, junto de um casal (levando um bebê) e duas senhoras no final da vida. Aguardou, aguardou, aguardou... até resolver que talvez não fosse ali. Saiu então para pesquisar, e para tanto, lera o nome do Doutor pela primeira vez. O que vira o assustara de tal forma, que não menos assustados ficarão: Dr. João Romão. Este era o homem que guardaria o maior segredo deste sujeito. Lera de novo, com a esperança de ser míope. João Romão ainda o olhava profundamente, quase que grifado no pequeno papel e, se houvesse uma foto, certamente teria piscado.

Não era ali: ninguém levaria um bebê ao proctologista em casal! Antes de ler a placa, fora até o corredor de novo e olhara aos dois lados, não localizando nada que o indicasse o sinistro caminho a ser seguido. Porém, havia um balcão. E nele, duas jovens secretárias, bonitas e, naquele momento, muito intimidantes - era tudo que não queria ver. "Não, definitivamente não vou perguntar pra elas", pensou, dirigindo-se ao lado oposto do corredor com apenas duas palavrinhas em mente: João Romão.

O que fazer? Passara pela frente de algumas plaquinhas, nenhuma dizendo Proctologista. A hora da consulta já ia sendo ultrapassada, e pessoas de máscara passavam insistentemente pelo corredor, algumas repetidas... era hora de agir. Procurara por outros funcionários... mas todas as secretárias eram mulheres e jovens. "Grrr que raio de hospital só contrata mulher pra atender?" e, durante o desabafo orgulhoso, vira passar uma senhora de mais idade, de uniforme, aparentemente humilde - a famosa Tia da Limpeza. Nunca ficara tão feliz em ver uma integrante desta gangue que domina todas as instituições do Brasil, e por que não do mundo, sempre com sua humildade, sua graça, sempre discretas e não menos elegantes. Supõe-se que sejam a maior fonte de informação do local onde trabalham. A partir dessa suposição, e iludido pela ideologia que acabara de criar em segundos, foi em direção à tia com muita delicadeza, quase que aos sussurros - ela entenderia e teria piedade.

- Com licença... senhora...
- Oi, meu filho - disse ela em tom baixo, para a sua sorte.
- A senhora sabe onde fica o Dr... o Dr. João Romão...?
- Oi?
- O Dr. João Romão... a senhora sabe onde é?
- João Romão... hum... - com certeza fora só de sacanagem, mas ela fez a pergunta. - Qual a especialidade? - ficara extremamente envergonhado ao ter de responder àquela maldita pergunta que tanto evitara.
- Procto...
- AH, PROCTOLOGISTA! É ALI Ó! - disse ela, gritando pela primeira vez. Lembrou-se nesta hora de que, embora eficientes informantes, as tias ainda são humildes senhoras. Não agradeceu, preocupado com as pessoas que, ao seu redor, o fixavam com pena e muita graça.

Proctologista era ali. Uma placa gigante dizendo: Proctologia, Urologia e Ginecologia. Parece que recém a haviam colocado ali. Se soubesse que era tudo junto, perguntaria logo por urologia - ora, é menos... menos. Então, não havia mais nada a fazer a não ser sentar - com calma - e aguardar. E aguardou. Aguardou por muito tempo - muito tempo mesmo. Tão humilhado se sentia, que pouco se importava em sentar de frente ou de costas para o corredor, e acabara de frente, contemplando todos que por ali passavam - e diretamente o olhavam, com muita pena, ou com muita vergonha mútua. Para lembrá-lo de que aquilo era vergonhoso, passara pelo corredor aquela tia da limpeza, que, simpaticamente, perguntara em voz alta: "ACHOU?", ao passo que respondera que sim com a cabeça, e ela finalmente fora embora, falando consigo "é, João Romão, é..."

A questão é que o sujeito esperara ali por volta de 90 minutos, e um certo doutor chamava vários outros homens antes dele, cuja consulta já estivesse atrasadíssima. Será aquele homem robusto e intimidante o tal João Romão? O que esperava? É óbvio que era. E quando todos os pacientes foram atendidos, o Dr. Romão chegou até ele e, sem frescura alguma, afirmara:
- Espera só um pouquinho que eu acho que não passaram tua ficha pra mim.
- Ok. - e esperara por uns 5 minutos.
- Tu já passou ali no balcão? Tem que passar ali antes pra ser atendido, pra assinar o formulário...
- Ah, não passei...
- Ok, vai ali então e daqui a pouco te chamo.
- Vou. Obrigado. - e foi até onde o médico apontava. E querem saber onde era?

As gurias jovens e sorridentes o aguardavam sabendo de sua condição delicada. Compreensivas, ou não, tanto fazia, desde que tudo passasse logo e fosse para casa sofrer sozinho. Ela disse o preço, pagou. Assinou e fora mandado de volta ao local de espera. Fora triplamente humilhado, e, com mais calma ainda, tornou a sentar no sacrificante banco de espera. Vira, em alguns minutos depois, a moça passando por ele e entrando na salinha do Dr. João Romão, levando consigo uma pastinha com uma folha em cima, onde, em letras CICLÓPICAS, estava o seu primeiro nome. O que fazer, afinal?

A partir de então, assumira uma postura "moderninha", e encara tudo com muita naturalidade. Afinal, ''o que é um peido pra quem...'' Bom...




O resultado da consulta? Ah... nada muito surpreendente.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Capitão Mosca (Episódio 2)

Segundo episódio da série Capitão Mosca, famosa nos cinco continentes e em toda a área da circunferência do planeta terra.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

domingo, 26 de julho de 2009

Gripe do Presunto


Um espirro
já basta para que eu saia de perto de ti. Jovens me amedrontam só por viverem, estando ou não com suas caras abatidas durante a manhã gélida da cidade de Porto Alegre. Sou um pouco hipocondríaco - descoberta recente - e, enquanto não me adequo àquelas máscaras ameaçadoras (que fazem até Jesus te olhar desconfiado), procuro simplesmente evitar pessoas suspeitas: quase todas.




DELICADO, Suíno - Modelo e Ator Pornô

Hoje, estou totalmente convencido de que contraí essa safadeza. Isso - perguntarias em breve - se deve ao seguinte acontecimento:

Estava eu dentro de uma lotação fechada, às 12h, no meio da semana, em direção a Porto Alegre. Logo na saída do condomínio, uma senhora em estado putréfico havia entrado, segurando sua bengala maltratada, e, antes mesmo de pagar, começara a tossir feito uma suína. Sua cara parecia mais defunta do que a de um cadáver fresco, e tinha uns prováveis 50 anos, mas seu estado era caótico, e sua saúde era de enfermo terminal. Assustei-me; como, diabos, irei suportar uma viagem fechada com um cadáver vivo? Quantos tipos de doença poderia pegar, não pensei bem, mas a possibilidade de contrair o H1N1 me proporcionou desespero. Como sempre atraísse tais coisas, a senhora, que tinha diante de si um ônibus vazio para escolher, sentou na coluna do meu lado, e só um minúsculo corredor me separava da gripe do lombo. Em sua terceira tosse, contudo, levantei-me e fui até a extremidade contrária da que ela estava. E fiquei lá, na traseira, até lotar a pequena condução.

Lotara e, por sorte ou por azar, os únicos dois lugares que sobraram estavam em minha frente e ao meu lado direito. Não tardou muito para que subisse um casal. Oh, mas que tristeza! Não havia dois lugares juntos... mas, querido, olha lá do lado daquele moço: tem dois pertinho! Tudo bem, pensei. O superego ainda monta o egoísmo. E, fingindo não se importar, concedi as licenças de modo que o jovem sentasse ao meu lado, e a jovem à minha frente; no entanto, deram-se as mãos do início até o final da viagem. Procurando ignorar, aberto o livro diante de meus olhos, abstive-me por alguns segundos, e o teria feito por mais, não fosse o detestável espirro que o rapaz deixasse escapar. Além de notar as partículas Tipo A que se difundiam por todo o clima asqueroso daquele transporte, a força e o barulho com que aquele corpo cavalístico havia soltado o espirro foram suficientes para, hiperbolicamente falando, "balançar o busão".

Disfarçadamente, devido à delicadesa da situação, cobri minha respiração com o casaco que vestia, até não aguentar mais tamanho auto-cuidado. Ao desproteger-me, e sem ter para onde fugir, senti-me vulnerável a quaisquer porcos que voassem ali dentro e já me sentia doente lá mesmo. Entretanto, 'a desgraça nunca vem sozinha', e o sujeito passou a ter uma crise de espirros avassaladora. E a cada espirro, menos esperança eu tinha de sobreviver àquele incidente terrível.

Depois de me libertar, pela primeira vez tomei o ar poluído de POA com muito prazer, quase como sinônimo de saúde e de liberdade. No longo caminho que percorro a pé do viaduto à Alberto Bins, dei de cara com uma senhora que vinha na direção contrária, utilizando aquelas máscaras aterrorizantes, e isso me fez sair da calçada tênue e delgada para evitar que trocássemos o mínimo possível de ar. Pisei por alguns poucos segundos no meio da rua, até que ela passasse, mas esse minúsculo tempo que utilizei para minha saúde, ironicamente, quase me a tomou por completo, fato que se provou no mesmo instante que ouvi um senhor (que vinha atrás da senhora gripada) aos berros tentando me avisar o seguinte:

- CUIDADO COM O ÔNIBUS GURI!

Pulei para dentro da calçada na mesma hora em que uma lotação atropelava com fúria o espaço de ar em que eu me encontrava. Ainda na calçada, tive tempo de passar exatamente ao lado da enferma senhora, que por sinal raspara seu braço doentio no meu.

*Lição do dia: "Antes pegar o suíno junto, do que virar um presunto"



Abaixo, "Os Desabafos de um Suíno", ganhador
de 2 Oscar e 1 Globo de Ouro.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Capitão Mosca (Episódio 1)

Tá aí uma nova série de minha autoria, espero que gostem, pois foi gravada com muito esmero.




quarta-feira, 22 de julho de 2009

Viagem Acidental

O objetivo era claro:
- Lucas, vai buscar teu irmão no aeroporto, já são quatro horas, e ele desembarca às cinco e meia!
- Já vamos, mãe - disse eu por mim e pela minha querida acompanhante nos programas-de-índio (e namorada nas horas vagas).
Preparamos as poucas coisas a serem levadas por mim: a carteira de motorista. Ela, uma bolsa com objetos inimagináveis, contendo inclusive uma câmera fotográfica. Fomos ao carro, e não demorou para que a tal câmera fosse retirada do conforto do ventre bolsal.

Logo na saída, quis dar uma de sabidão e disse-lhe que iria pela Freeway, "que é infinitamente mais perto". Estava claramente contando vantagem, já que omiti o fato de ter OUVIDO esse dado distancial, e tampouco lhe contei que havia feito o dito caminho na manhã anterior, seguindo meu pai em outro carro. Assumi, pois, a responsabilidade de levá-la comigo até a Freeway, em vez de ir pela Ipiranga, sem sequer saber onde entrar direito, nem para que lado ir. Meu senso de direção sempre foi... como se diz... muito ruim. Mas a despeito de tudo isso, minha fé era grande, e talvez possa ilustrar isso bem com uma das primeiras fotos reais deste blog, logo na saída de casa, em que a carona ia despreocupada, e o motorista, apostando em si.

Lá fomos nós. Pegamos a esquerda do condomínio: caminho muito vasto e rumo ao desconhecido. Como fizera na véspera, não me preocupava muito. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, chegaria até alguma entrada e, após alguns minutinhos na Freeway, chegaria até o pedágio, e de lá seria "um pulo". "Um pulo"? "Um pulo" no espaço, talvez.

E depois de sair da RS-118, tendo certeza de que chegara à Freeway (mas aquela certeza cagada, se é que me entendem), entrei nela à direita: opção sem fundamento algum. E fui em busca do pedágio. Ainda na entrada, lembro de brincar, comemorando muito por estar na Freeway, ao ver uma placa da mesma. E a Paola despreocupada, tirando fotos no retrovisor, dizendo-se inovadora.

O problema é que o pedágio não chegava. E não é assim, "oh, mas que demora!". Eu andava a 120km/h, sendo constantemente xingado pela tal, mas realmente estava longe demais e não achava o dito pedágio. É preciso deixar claro que Viamão fica por volta do Km 78 da Freeway. Estávamos no Km 60, já, e nada acontecia. Dirás: "ora, só 18km e reclama!". Pois é, não reclamara até aí.

Acontece que eu não parei. Não queria acreditar que o pedágio pudesse ser tão longe assim; então comecei a correr. Dirás: "ora, mas 120km/h já era correr!". Pois é, mas passei a CORRER. cheguei aos 140, acabei em 160km/h, num risco de irresponsabilidade que me fez prestar mais atenção na estrada do que na própria respiração. E andamos por muito, mas muito mais tempo, e nada. Comecei a desconfiar de que estava errada a direção. Olhei para a quilometragem, únicas placas daquela maldita rodovia. Km 40 indicava que eu estava muito mais distante do meu destino do que eu pensava. Era hora de parar. Sob risos da Paola, paramos perto do primeiro SOS que vimos após tal quilômetro, idéia dela, já que jamais me questionara para quê serviria aquelas caixas azuis no meio da estrada. Infelizmente, concordamos depois, ela não tirou foto disso.



Nos dizeres do meio: Porto Alegre - 71km


Olhei bem para a caixa, que continha apenas uma placa metálica com um botão e uns riscos de onde saía o som. Senti-me uma criança decidindo se apertava ou não aquele maldito botão. Apertei antes de preparar o que ia falar.

- Serviço de Ajuda à Rodovia, boa tarde?
- Boa tarde.
- O senhor precisa falar mais alto, senhor.
- Boa tarde!
- Senhor, não podemos te ouvir. - nisso, literalmente colei meu rosto naquela placa gelada e gritei:
- BOA TARDE! EU VIM DE VIAMÃO, ESTOU NO MOMENTO NO KM 39, QUERO IR ATÉ O AEROPORTO, COMO FAÇO?
- O senhor está perdido? - típica pergunta-sacanagem. Era evidente que eu estava perdido - para não dizer fudido - e se eu não estivesse, não ligaria :(
- SIM, EU VIM DE VIAMÃO... COMO FAÇO PRA IR AO AEROPORTO?
- Meu senhor, o aeroporto é no KM 98.



(Foi então que olhei para ele bem assim -> )


DRAMÁTICO, Esquilo.
Ator internacional
- E o senhor está na direção errada.
- (caralho...) E COMO EU FAÇO PRA RETORNAR?
- O senhor tem que pegar o retorno no Km 25.
- MUITO OBRIGADO. - saí correndo, completamente envergonhado e com o orgulho, anteriormente descrito, totalmente destruído.

Entrei no carro e quase me neguei a contar. Dei a partida e... contei, porque sou um guri, e ela, uma guria. Eis que, alguns minutos depois, no Km 33, tirou uma foto, afim de comprovar a maldita jornada acidental.

Gente, eu queria ir ao aeroporto, Zona Norte de Porto Alegre. Fui parar na Zona Norte do Estado. Próximo, muito próximo das praias, do litoral. E tudo isso por conta de um orgulho masculino frágil e errante, que me custou um possível problema e preocupação: já eram cinco e dez: tinha 20 minutos para VOAR do Km 25 até o Km 98 sem ter de ouvir as mesmas coisas de sempre, e de toda a família. "- Apertem os cintos", disse para ela e para mim mesmo, velho
costume meu. Lá fomos nós, a 160km/h. Façam as contas. Com alguns deslizes no meio do caminho, como a polícia rodoviária atacando um outro carro (o que me fez gelar até o último dos seis dedos que tenho nos pés) (ok, é mentira a parte dos dedos) (digo, dos SEIS dedos), mas por volta de meia hora conseguimos chegar ao Km 98, quando minha mãe ligou.







Nos dizeres: Sto. Antônio,
Taquara, Gramado.




Eu, guri de apartamento, não sei mentir. Ela, fêmea, o faz com destreza. É por isso que atendeu o telefone, enquanto eu murmurava comigo mesmo: "tá, vamos falar a verd..."

- Oi, Teka! Sim, já estamos chegando! Isso! (risadinhas) Ta bom... beijo, tchau!
- Como tu diz que já tamos chegando? Recém entramos na parada!
- Ah, já tamos chegando, queria que eu dissesse o quê? (corrija-me se inventar).

Pela graça do destino, acertei de primeira todos os caminhos seguintes, incluindo a lomba grande e curva, parte que mais me amedrontou em toda a viagem. Chegamos 10 ou 15 minutos atrasados, e ainda tive de discutir com ela sobre subir ou não subir a lomba do embarque. Ganhei, já que estava dirigindo. Entrei então em um caminho que julgava o correto, mas para a minha surpresa, só havia carros iguais ali.

Outrossim, fora aí que ouvira batidas estrondosas no vidro do carro.

- LUCAS! AQUI É SÓ PRA TÁXI! - gritava meu irmão, pouco antes de entrar no carro.




Ao lado, provas concretas da crueldade gratuita feminina, coberta de incompreensão
e de sadismo, típicos da espécie.