sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Carta Ao Meu Tataraneto


Em que pesem as mudanças em meu perfil do Orkut, não pretendo perder este texto, que possui um certo valor aos meus olhos. Quem já leu, peço desculpas pela decepção, e já aproveito para explicar o porquê de eu estar tão ausente por aqui: em alguns dias, a cobra vai fumar.
Então, lá vai. Abraços!
"Meu jovem garoto, eu estou perto dos meus 20 anos de idade agora. E já consigo imaginar como serão os teus. Eu nasci em uma época em que tudo mudou. Pergunto-me se sequer conseguirás me compreender, mas já adianto que, hoje mesmo, poucos podem, e portanto um pouco de esforço e de atenção já bastam.
Eu sou da época em que a AIDS não tinha cura. Ainda não tem. As pessoas usam preservativos (objetos nas genitálias) para evitar a contração de doenças venéreas. O que te parece? E enquanto o governo libera coquetéis para retardar a morte, alguém (que tu já deves saber) ainda omite as soluções para tal epidemia. Por quê? Controle demográfico? Interesses financeiros? Responde-me tu, guri!
Na minha época, a revolução eletrônica explodiu. Televisões, que há anos já tinham ganhado cores, agora as têm muito mais, e em formatos compridos, imitando o velho cinema que nem deves mais conhecer. Pesquisa no Google, se ainda existir. Nessa época, ainda utilizamos computadores quadrados em forma de televisão. Eles parecem muito potentes, mas nunca o são como queremos, e certamente vão-te parecer tão ultrapassados como uma vitrola hoje me parece. Vitrola? Ah, nem sei te explicar o que é.
Eu nasci poucos anos antes da internet virar popular. Aos meus oito anos, lembro-me do meu primeiro acesso, num computador velhíssimo, e em uma velocidade que hoje me faria chorar de desespero. Como tu a verias? Para acessar a página inicial do Pokémon (um velho desenho animado oriental), eu levava quase 30 minutos e não desistia. Hoje, para ver um vídeo no Youtube (website para tal função), levo 5 minutos e reclamo, coberto de indignação. Será mesmo que um dia esperarás para acessar algo? Se é que existirá internet...
Pergunto-me hoje o que eram das pessoas antes do computador. Refiro-me a bem antes; se um dia elas imaginariam que uma caixa quadrada interligaria o mundo inteiro com um clique e alguns minutos de espera, e ainda suportasse jogos que copiassem a realidade. Meu amigo, eu não consigo imaginar o que é que tens em tua residência. Que tipo de objeto superou o Ipod, o celular, o notebook e o MP3 player, mas, analisando o passado, imagino que pensarás o mesmo que eu penso hoje: "como eles viviam sem isso?". Eu não tenho lá tanta experiência para te passar, meu descendente, mas sei já de uma coisa: nunca se sente falta do que não se conhece.
Eu lembro que, quando nasci, conheci os discos de LP e os achei ultrapassados. Na minha época inventou-se o disquete portátil, compacto, em que cabiam a enorme quantidade de 2mB. Hoje, rio disso, pois logo após surgiu o CD (objeto plano e redondo) em que, tanto na música quanto na informática, assumiu a postura de portador de dados em maiores quantidades. Hoje, rio também do CD. É que inventaram um tal DVD, muito parecido com o antigo CD, mas simplesmente muitas vezes mais competente. Quando pensei que íamos estagnar, surgiram os PenDrives, e eu calei-me com muita curiosidade. O que é que vem pela frente, amigão?
Bom, tenho muito mais para te dizer, mas como disse, tenho apenas 20 anos e, no pico de minha juventude, vejo-me com inúmeras coisas para fazer, algumas interessantes, outras não, mas ainda assim são coisas a serem feitas. Peço-te que me aguardes, hei de te contar mais sobre meu mundo, mas não espero que te surpreendas tanto quanto eu me surpreenderia a conhecer o teu. Acima de tudo, porém, espero que eu possa te entregar esta carta em mãos.
Um grande abraço, Lucas Di Marco (20/06/2009)"


terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Raça Metálica

Ontem eu fui (sozinho) a um show de metal melódico. (E daí?) Constatei algumas coisas.

Primeiro, percebi que metal é algo extremamente infantil (e portanto muito divertido). A gente sente uma mescla de poder com identidade, não sei explicar. Mas definitivamente estou ficando velho, ou não nasci para ser metaleiro mesmo.

Para começar, cheguei à fila duas horas antes com um único propósito em mente: assistir o tecladista tocar Stratosphere. Eu era o único de camisa bordô e calça jeans clarinha perante a uma multidão preta e cabeluda. Gordos tetudos, metrossexuais, mulheres bagaceiras (em geral obesas) e fumantes por todas as partes, gritando como macacos, uns fumando e bebendo, outros extremamente nerds, mas todos com o mesmo ar infantil nos rostos, inclusive os (bem) mais velhos.

(À direita, o vocalista Timo Kotipelto, crente em sua origem, Príncipe Nórdico Medieval e trajado de Cavaleiro Angelical do Apocalipse.)

Fiz dois amigos em questão de segundos. Um era um sujeito de Neu Hamburg que também foi sozinho com o único propósito de assistir ao show. Bastou que eu comentasse com ele sobre o horário para que ouvisse sua voz até a entrada do show. Logo formou-se um bolo de metaleiros estranhos por volta de nós, cada qual com seu diferencial de estranheza (físico, psicológico, psiquiátrico, psicodélico e psicopático), e todos só sabiam falar de um assunto: metal. Assustaram-se alguns quando, em meio a um acesso de insanidade de minha parte, resolvi agir naturalmente e perguntar a um sujeito de onde ele vinha, devido a seu sotaque estranhíssimo. Logo, todos perceberam o quão "anti-metálico" eu era e se afastaram aos poucos. Fiquei então conversando com este paraense, sujeito "gente boa da porra", segundo o próprio. É um oficial da aeronáutica lá, e me passou perversas recomendações sobre o lugar, o que só pude acreditar quando ele confessou estar com frio, e que estava pensando em pegar um moletom. Eu estava prestes a tirar a camisa perante aquele calor infernal da Cidade-Baixa. "Lá é um calor infernal, pô, lá é seco e faz 40º no inverno, tá doido, pô!". Falou que lá o funk tem pouca expressão; em compensação, o brega assume como líder nas paradas baládicas. Fato que o faz querer migrar para cá.

Ao entrar, RElembrei que, embora ache o Heavy Metal divertido, detesto a raça metaleira. Digo isso porque de fato é uma raça: todos procuram ser iguais, vestir-se iguais, usar e falar as mesmas coisas, ter o mesmo tipo de cabelo, as mesmas atitudes... e por que não é uma fantasia? Porque a maioria é assim em tempo integral, mesmo...

O engraçado é que grande parte daqueles rostos já me eram conhecidos, devido ao show do Iron Maiden, há quase dois anos atrás. E olha que não sou de guardar rostos. Havia um cabeludo (ok...) loiro, liso, alto, meio gordo, meio musculoso e com uma cara de travesti limpo. Ele desfilava pela fila como se fosse o rei do metal, como se fosse o membro da banda. Tudo isso, para eles, parece ser muito bonito, gerador de orgulho. Mas para mim parece piada. Eu queria que eles pudessem se ver por um instante do jeito que eu os via... trajados de besouro.

Não fosse suficiente (eu não sou moralista, e nem poderia ser, se é que me conhecem os gostos mais GLAM's que há anos me acompanham), eles ainda são extremamente deficientes em caráter. Eu não sei por quê, mas todos eles queriam parecer maus. Maus, maldade por maldade, sem fundamento algum. Tratam-se como vikings, odeiam-se mutuamente desde o primeiro olhar até a primeira palavra - então passam a ser "blood brothers" e falam de metal até algum fator externo cortá-los. Foi assim que me fui recepcionado ao alcançar o meu lugar na terceira fileira próximo ao palco, muito perto do tecladista o qual desejava ver. E vi. Eu teria ficado ainda mais à frente, mas assim que cheguei na segunda fileira, mais à direita, um casal cutucou minhas costas e a "moça", trajada de prostituta nórdica, falou com voz de defunto: "ei, esse lugar era nosso", ao passo que eu respondi, com uma reverência bíblica com as mãos: "por favor!". Não extraí sorrisos; primeiro, porque notaram minha ironia (eles já esperam, de início, algo ruim de todo mundo), e segundo porque eles não sorriem jamais, a menos que estejam diante de uma vodka e de um cd do Sepultura. Foi quando resolvi ir para a tal terceira fileira, bem mais à esquerda, próximo ao tal tecladista louco.

Lá, no entanto, todos os olhares ao meu redor, fossem para mim ou não, significavam ódio e avisos de combate. Era como uma guerra fria, uma paz armada, sei lá. Ao meu lado havia um graveto, um sujeito alto e magricela, com cabelos cacheados e (inevitavelmente) cheirando a cabelo de mulher. Assim que um cara (que estava na minha frente) saíra para o lado, eu avancei quase que instintivamente, e esse graveto ao meu lado botou a mão para que eu não ocupasse o lugar daquele, que voltou logo. Senti um ódio tão profundo que até compreendi Varg Vikernes (que, aliás, foi solto. Cuidem-se, cristãos).

O show foi maravilhoso. Não compreendia por que todas as palavras que os finlandeses falavam em português eram palavrões. Aliás, percebi o quão diferente de todos eles eu era, porque toda a platéia (antes do show) ficava gritando a uma só voz "PORRA! PORRA! PORRA!". Não bastasse, o baixista (muito semelhante no jeito, nas roupas e até fisicamente a um amigo nosso, conforme podem perceber na foto à direita) tocou, uma hora, um tipo de bossa nova, com uma paradinha boba no meio, quando ele gritava "EI, PORRA!". Fez isso repetidas vezes, e em todas foi acompanhado de todos nós (inclusive de mim, que nem sabia por que fazia aquilo, mas achei tão engraçado...). Hoje pela tarde, resolvi pesquisar o nome dele. Para a minha surpresa, o sujeito se chama Lauri Porra, e é finlandês nato. Pelo jeito, aprendeu algo àquela noite.

E para não dizerem que metal é coisa de cabeludo vagabundo, tivemos aulas de cultura nórdica passadas direto de nosso ídolo-mor. No fim do show, aprendemos a contar até quatro em finlandês.

Já esqueci, porém.

(PS: Eles não tocaram Stratosphere)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Indesejada Entre As Gentes


Ontem foi aniversário de morte de meu avô, e, também ontem, faleceu meu primo, vencido pela leucemia, com a qual lutava há meses - um sujeito de 30 e poucos anos, alegríssimo e que recém havia realizado seu sonho - a paternidade.

Também ontem - e nessa hora deve-se perceber que a desgraça jamais se anuncia sozinha - quase que eu (eu, quem vos escreve) parti desta para uma melhor. E antes que meu amado Didizão venha buscar, nessa afirmação, confirmações para seu argumento (no qual eu abuso de hiperbolismo para obter um bom texto, o que não discordo), já lhe adianto, irmãozinho: eu realmente a vi de perto!

Eu vi a indesejada de perto, mas de tão perto que eu poderia tê-la tocado, e me admira ela não mo ter feito antes. O que aconteceu foi o seguite:

Eu tenho um complexo com um certo professor, cujo nome já esbanja superioridade: Ferrari. Ele é o tipo do sujeito que entende muito de química, mas não sabe transpassar nem um terço. O defeito dele, segundo minha visão de estudante, é que nos trata como se fôssemos universitários, como se já soubéssemos exatamente o que ele sabe, mas havíamos nos esquecido no dia anterior. E por conta disso, não posso deixar de enchê-lo o saco no fim da aula.
Ele já me conhece - embora jamais tenha olhado nos olhos de ninguém -, mas pelo tom da minha voz, já percebe que se trata 'daquele que sempre pergunta no fim da aula'. O meu sonho era que ele, após o término da aula, no corredor, parasse de caminhar, virasse para mim, mesmo que de pé, e me ouvisse - e me respondesse com calma. Mas esse sonho é infundado. Ferrari jamais perde tempo.

Se eu ficasse parado, não teria minha dúvida respondida. Digo isso porque ele termina a aula, despede-se e sai andando, seja para onde for. Hoje, seria para o prédio da outra rua, sede segunda do curso no centro. Eu lhe perguntei sobre pressão osmótica ainda dentro da sala, ao passo que ele fora me respondendo no corredor, depois descendo as longas escadas até o pátio, depois descendo as escadas em direção à saída do curso, e depois na calçada da rua, até que chegamos na esquina, e ele ainda falava, enquanto eu procurava prestar o máximo de atenção naquelas palavras soltas ao vento da Alberto Bins.


E foi nessa esquina (Alberto Bins X Senhor dos Passos) que eu presenciei a face daquela que as gentes não desejam. A calçada dessa esquina, pela qual o Ferrugem subia (dobrando 90º), era estreita, e já desciam pessoas pelo canto esquerdo dela. Ele continuava falando depressa, tomando a parte da direita da calçada. Uma lixeira impediu com que eu seguisse atrás dele, fato que certamente me tomaria vários segundos de explicação daquele químico infame, então resolvi encurtar o caminho, contornando a lixeira pela direita, tomando o meio da rua por alguns segundos. Assim que me encontrei ao lado direito da lixeira, ou seja, no canto esquerdo do meio da rua, senti um machado descendo na minha nuca, sussurrando: "vem, tropeiro, vem!". Um ônibus descera a Senhor dos Passos a 60km/h, passando a uns 10cm do meu corpo.

Após a buzinada - e os gritos apavorados de quem viu -, saltei para a calçada, em cima da lixeira mesmo, como se adiantasse fazê-lo a essas alturas. Senti como se tivesse de fato morrido: o frio nas vísceras, o ventre vazio, a cabeça leve, as mãos trêmulas. Pensei somente na seguinte frase, com o sotaque do meu amigo Barradas: "Eu quase morri, cara...!"

Naturalmente, tomei a esquerda do meu professor, ainda fora de mim. Foi quando ouvi as primeiras palavras depois de meus desvareio: "entendeu?" - e pela primeira vez (que me lembre) ele parou e se dirigiu a mim, olhando nos olhos e sorrindo sem mostrar os dentes. Eu fiz que "sim" com a cabeça e voltei sem agradecer.

O desgraçado sequer percebeu.