sexta-feira, 11 de maio de 2012

Volta Amigo


A sábia faxineira, que era a única que via,
Sutilmente já varria toda aquela poeira
Levava a semana inteira pra deixar tudo brilhando
E os patrões vinham em bando, a sujar tudo de novo
Um dia eles se foram, pois já bem que era hora
O que será dela agora? Seus esforços se perderam;
Pois não cultivou a ira de não mais seguir em frente,
Varreu pra debaixo do tapete e a sujeira ressurgira.

Quando um gênio se esconde, o que resta é a lâmpada
Mas a lâmpada sozinha não faz luz, não faz por onde
Volta gênio, falta ajuda, se outrora era o perigo
O silêncio agora é outro e ninguém sabe o motivo
Continua, continua, seus irmãos vão lhe propor
Deixar o amor de lado será a maior prova de amor
Continua, continua, a voz jamais se aposenta
Só envelhece quem tenta, e já nem venta lá na rua

Ele não pode mais falar mal de seus pais, como já o fez um dia
Quando não lhe permitia brincar na frente de casa
Ele não pode mais falar mal de seus pais, porque é tudo diferente
Mas embora ele aguente, sabe que há fogo na brasa

Quando ele dizia, todo mundo lhe escutava
Se ninguém lhe entendia, pouca gente lhe olvidava
E tanto fogo ele ateou, que a cheleira encandeceu
Essa chama já morreu, embora a água ainda ferva
Mas ninguém a observa, pois quem entra na cozinha
Ou tem fama de rainha, ou a fome lhe abateu.

Se antigamente urrava, ele já não abre o bico, mas ainda há desgraça, volta gênio, volta amigo!
Tudo agora é tão pobre, e ele agora é tão rico, mas a causa ainda é nobre, volta gênio, volta amigo!
Antes ninguém lhe pedia, mas agora eu lhe suplico, onde está a sua magia?  Volta gênio, volta amigo!
Sabe melhor do que eu, por isso espantado eu fico, onde você se meteu?  Volta gênio, volta amigo!
A batalha continua, sob a lona de um circo, mas não há ninguém na rua, volta gênio, volta amigo!
Pois hoje eu me machuco, sendo mágico ou girico, chacoalhando essa chicória,  volta gênio, volta amigo!

Lucas Di Marco

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

As Aventuras Fisiológicas de Clevers Sinapse


Cap. I - Adeus, Dr. Hipocampo

E no meio do asfalto, sob a luz ofuscante do farol de seu carro, o corpo agonizante de Charles Hipocampo esparramava-se sobre uma poça de sangue diluído pela água da chuva. Trêmulo, o detetive Clevers Sinapse – seu maior discípulo – aproximou-se devagar, muito confuso. O Dr. Hipocampo o mirou com dificuldade.
- Dr. Charles... o que fizeram com você?
- Neu...
- Como? Dr. Charles, aguenta firme, eu vou buscar ajuda!
- Fis...
- Você quer dizer alguma coisa! O que você quer dizer, Charles? – disse agoniado o detetive Clevers. O tempo parou naquele instante.
- Neuro... Neurofísio!
Essa foi a última palavra de Charles Hipocampo.

Clevers vivia uma vida agitada na cidade de Happy Port. Como todo neurodetetive, sua busca inconstante pela verdade tornava a vida dos criminosos científicos muito mais perigosa. Desde cedo, almejava conhecer pessoalmente seu mestre, o doutor Charles Hipocampo, conhecido como “O Deus da Memória”, com quem se correspondia desde criança. Muito embora, jamais imaginou que seu primeiro encontro com seu ídolo seria também o último, à beira da famigerada morte. Clevers, no ato, mordia o músculo orbicular da boca, jurando vingança eterna e somática aos assassinos de seu amado mestre. E esta deveria iniciar-se naquele mesmo momento.
Ao telefone, ainda muito alterado, comunicou-se com seu aprendiz, o jovem Dave Leminisco.
                - Dave, não há tempo para perguntas. Pegue o carro e me encontre na Via Trigeminal da Dor.
                - Sim senhor.
                Levaram apenas dez minutos até que Dave Leminisco alcançasse-o. Desceu do carro e foi ter com seu mestre. Clevers estava sentado no cordão da calçada, com as mãos na cabeça.
                - Clevers, o que... o que aconteceu?
- Charles Hipocampo... – recuperou o fôlego – está morto.
- Impossível... quem...? Deus, não pode ser… Yuri Alzheimer?!
- Não há tempo a perder, Dave. Vamos, temos muito a raciocinar.


Cap. II - A Grande Dor de Clevers e Dave

- Se fosse possível aliviar a dor que sinto agora, Dave, através de estímulos simultâneos aos mecanorreceptores de baixo limiar da pele...
- Os das fibras A-Beta? E por que não faz isso, Clevers?
- Porque a dor que eu sinto não é na pele, Dave! É no coração!
- Deus! Ataque cardíaco?
- Não, seu insolente! Estou falando no sentido figurado. Meu sistema límbico... ele foi alterado com a morte do mestre Hipocampo. Provavelmente meu giro do cíngulo...
- É possível, Clevers. Sinto muito, também... mas é preciso ser forte. Vamos conseguir achar os neuroculpados, tenho certeza.
- Sem mais, Dave. – Clevers adorava cortar Dave, principalmente quando este já havia terminado seu raciocínio.
Quanto à dor, ambos sabiam muito bem que o corno dorsal da medula contém neurônios que podem ser excitados tanto por axônios sensoriais (bem espessos), quanto por axônios da dor não-mielinizados. E isso era um ponto positivo para eles em relação aos seus inimigos, que possivelmente não sabiam disso, ou ignoravam. O fato é que, de forma a aliviar a dor, um interneurônio excitado pelo axônio sensorial grande e inibido pelo axônio da dor acabava por inibir o neurônio de projeção – raciocínio este de grande dificuldade para cães, ratos albinos e tomates pensantes. Em outras palavras, passar a mão onde dói pode ser de bom grado para diminuí-la. Um fresco, certa vez, chamou isso de “Teoria do Portão da Dor”, e logo após teve uma dor de barriga fulminante que o levou à morte.
Clevers sempre contava um caso a quem estivesse disposto a discutir o assunto; era sobre um jovem quem, por ser muito estressado, após uma grade emoção, teve sua dor suprimida com eficiência, através da substância cinzenta pariaquedutal (PAG para os preguiçosos) e paraventricular. Essa substância, quando estimulada, prduzia analgesia profunda. A conclusão de Clevers era que o neurônio PAG, localizado no mesencéfalo, direcionava sua informação para um neurônio do núcleo da rafe, no bulbo, que por sua vez conduzia a um neurônio do corno dorsal da medula espinhal (mesencéfalo>bulbo>medula). Certa vez, ao terminar de contar isso a uns amigos em um restaurante, um jovem na mesa ao lado que sofria de dor de dente esfaqueou sua própria namorada, tendo assim uma emoção muito forte que finalmente trouxe alívio aos seus dentes, e também sua prisão.
Também relembrava, às vezes, as três bebidas que provara certa vez no Caribe, chamadas “Endorfina”, “Encefalina” e “Dinorfina”. Reza a lenda caribenha que as bebidas foram assim nominadas porque curam a dor, analogamente às substâncias endógenas de mesmo nome (os opióides endógenos), capazes de unirem-se aos mesmos receptores que a morfina. Suprimindo a liberação de glutamato por terminais pré-sinápticos enquanto inibem neurônios pela hiperpolarização de suas membranas pós-sinápticas, tais substâncias, tanto quanto as bebidas de mesmo nome, dão o maior barato. Alguns povos dizem que a Naloxona é uma substância que bloqueia os receptores opióides, e desde então, as esposas dos nativos são assim apelidadas por lá. A diferença é que, enquanto as substâncias curam dores físicas, as bebidas curam dores psicológicas. E causam dores de cabeça no dia seguinte, mas isso é omitido pela lenda.
A dor de Clevers não era nenhuma dessas, todavia. Nem mesmo duas doses de cada uma das três bebidas caribenhas curariam a dor da perda de um ídolo que modelou sua vida. Dave, por outro lado, não sentia nada nem parecido; na realidade, sequer sabia quem era de fato o Doutor Hipocampo. Tudo que ele queria era sangue, ou seja, capturar os assassinos junto de seu mestre, o Detetive Clevers Sinapse, o qual conheceu no Quartel Encefálico, há vários anos atrás. No entanto, a única dor que o insensível Dave Leminisco sentia no momento era a dor referida, causada por alguma dor visceral que, por causa da convergência de aferências nociceptivas viscerais sobre neurônios de segunda ordem de aferências cutâneas, lhe davam uma terrível dor no traseiro. Segundo sabia, os axônios nociceptores viscerais estavam entrando na medula espinhal pelo mesmo trajeto que os cutâneos, causando uma falsa dor na pele. Quando se deu conta que estava pensando nisso, já estavam chegando ao Musoio – o Museu do Olho.