quinta-feira, 29 de abril de 2010

Aventuras no Porão

Recentemente fui num ambiente alternativo, por aí, e encontrei uma moça um pouco... alterada, sentada em um sofá, quase desmaiada. Um sujeito ia pegando sua bolsa quando eu disse que a conhecia. Tentei acordá-la, levei-a pela mão até o banheiro feminino; porém, na porta há uma bancada, e por opção dela, ficamos sentados por ali. Foi quando perguntei seu nome, mas ela não conseguiu dizer nada a não ser "Cuida pra mim...". Peguei a bolsa que me foi entregue e escondi atrás de nós para que ninguém pensasse bobagem. Naquele momento eu percebi que tinha me metido em uma enrascada, mas era tarde demais: já não era minha escolha.
Ela botou a cabeça entre os joelhos e eu a aconselhei a vomitar. No entanto, recebia "não" como resposta (com o dedo, é claro). Foi quando resolvi abrir a bolsa e descobrir seu nome. Abri cegamente a carteira, sem interesse em nada. Verifiquei que havia dinheiro (o sujeito não havia roubado nada a princípio). Peguei então o primeiro cartão de crédito e vi que era nominal a ela, cuja alcunha atribuída será "R".Guardei tudo e comecei a tentar acordá-la. Em vão. Por vários minutos proferi seu nome.
Ela continuava desacordada, e então jogou-se contra meu colo. Deitou a cabeça nas minhas pernas e dormiu por muito tempo, como uma criança.

Repentinamente, começou a acariciar a parte dorsal da minha perna. Entendi como um gesto de carinho e passei a acariciar seus cabelos. Esperei uns 15 minutos.  Comecei a chamá-la de novo, e nada. Ela então tornou à posição inicial (cabeça entre os joelhos) e eu falei "R., acho que tu precisa vomitar..."  segurei o cabelo dela para trás, afastei suas pernas e ela vomitou toda a bebida, e só. Fiquei muito tempo esperando o que fazer, até que uma amiga dela chegou. Obviamente, começou a fazer perguntas; eu disse que a achei naquele estado e que estava cuidando dela e da bolsa. A R. voltou a deitar no meu colo, enquanto a amiga pegou a bolsa e ficou meio preocupada; disse-lhe que não sairia de lá enquanto ela não estivesse bem. Até então, não sabia se iria me arrepender; mas o que foi dito, foi dito.

Ela perguntou se eu não sairia mesmo, e eu confirmei. Não podia deixá-la lá, de fato. E a guria voltou para a festa. Nessa hora comecei a tentar novo contato com a moça. A R. conseguiu falar só uma frase, mas que valeu por todas que ela não falara dantes: "Obrigada por cuidar de mim". Eu sorri e disse-lhe que não precisava agradecer. Ela voltou a deitar no meu colo e ficou assim por um bom tempo. E eu já estava com muita vontade de ir ao banheiro após tantas cervejas, mas é claro que não fui. Após uns 15 minutos somente, a amiga dela voltou para ver se eu estava ainda cuidando dela, e de fato estava.  Ela tentou conversar com a R., e ela só respondia coisas básicas, como sinais e murmúrios. Então pedi para que a loira ficasse com ela enquanto eu ia ao banheiro, logo ao lado. Combinado, fui e voltei muito rapidamente. A R. ainda estava desacordada, mas sentada. Então, começou a chamar pela M., que era a tal amiga loira. Pediu a ela guaraná.  A M. ia buscando, mas falei que ficasse ali; que eu iria.
Fui na fila dos tickets, falei que era urgente, contudo o segurança não colaborou. Não obstante, voltei à fila e, após alguns minutos, comprei um ticket. Depois entrei em outra fila para pegar o guaraná. Botei toda a lata em um copo e corri até perto do banheiro, onde encontrei ambas na mesma situação. Ajoelhei na frente da R. e falei "eu trouxe teu guaraná, agora tu precisa levantar a cabeça!", e ela dizia 'não'.  Eu forcei levemente com a mão na sua testa; no entanto, ela fazia força contrária. Eu falei "tu não vai conseguir tomar assim... levanta um pouquinho só..." Foi quando ela disse a primeira frase longa até então: 
"Se eu levantar, vou vomitar de novo"

Eu entendi que era sério e segurei o copo para que ela tomasse o guaraná. Ela segurou um pouco mais acima e começou a apertar para que ele subisse, como um bebê faz com a mamadeira. E ainda de olhos fechados. Eu a ajudei nisso; assim, tomou dois goles minúsculos e não quis mais; entretanto, contive-me diante do disperdício. Deixei o copo de lado e comecei a puxar assunto com ela, que não conseguiu responder. Comecei a interrogar a amiga.

- Quantos anos ela tem? O que ela faz?
- 22 - e disse o curso que R. fazia.
- Ela tem depressão?
- Não sei, mas nas últimas semanas ela andava bem triste...
- Tu conhece ela de onde?
- Fomos colegas de escola...

Sentei ao lado da R. novamente, e a amiga do outro lado dela. Ela deitou no meu colo de novo, desta vez fazendo muitas carícias. Entendi que ela era carinhosa e comecei a acariciar seu rosto, enquanto a M. a perguntava se queria ir para casa, ou para a casa da amiga mesmo, tendo ela dito que não com gestos. Ela abriu os olhos algumas vezes e olhou para mim. Eu vi que ela tinha belos olhos verde-água. Na verdade, nem tinha reparado sua fisionomia até então, que me pareceu bem bonita.

Quando segurei sua mão, começou a dar sinais de vida. Como? Bem, beijando meu dedo. Foi uma sensação bem interessante, apesar de alternativa. Então comecei a afastar o dedo dela, e propus algo inteligente; falei para ela que meu amigo (grande Marcelinho!) não tinha bebido e estava de carro. Poderíamos levá-las ambas para suas casas, e antes passarmos no Mc Donald's. Ela aceitou com os olhos na mesma hora, mas perguntou para a R. se ela queria o Mc.
Ela disse que sim no ouvido dela. Falei que seria ótimo, que ela precisava comer. Procurei convencê-la a me acompanhar até a rua. Ela disse que não iria conseguir. Eu disse que iria, mas ela era teimosa, e novamente começou a "fazer manha", como uma criança. "Eu não vou conseguir caminhar, eu tô toda mole!" Meu instinto masculino fez-me oferecer para levá-la. Ainda assim, não aceitou. Não sei se isso foi bom ou ruim.

Esperamos por mais uns 10 min, ela deitada em mim, até que resolvesse caminhar até a saída. O Marcelo junto, à essa hora. Ela foi andando. E eu atrás, cuidando para que ela não morresse. Fomos até a rua; lá ela acordou um pouco mais. Percebi que era bem, BEM mais alta que eu. No entanto, isso não parecia um problema para ela, que me abraçou e tentou me beijar.

Eu me senti um padre quando virei o rosto.

Começou a fazer chantagem emocional.  "Por quê tu não me quer?", e coisas do gênero.
E eu falei "tu não tá em condições de escolher nada..."
"Mas eu quero."
Fiquei quieto.
Ela procurava meu rosto e eu contornava de todas as formas...
"Eu não costumo fazer isso, mas não vai dar..."
"Por quê? Por que tu tá fazendo isso?
Pensei em algo bom e rápido, e só surgiu:
- Porque tu é especial.
- Especial? Como tu sabe?
- Eu cuidei de ti por quase 3 horas, te vi do coma à consciência. Acho que já te conheci o suficiente pra saber se tu é especial.
Na mosca. Como diria o Matheus, "pretending to care" é sempre válido. O que eu não sabia até então é que, de fato, ela era especial. Deitou a cabeça no meu ombro direito e falou "que vergonha". Eu falei que não precisava ter vergonha, porque já passei por situações parecidas. Ela pediu desculpas por ter estragado minha festa. Olhei nos olhos aguados e falei "tu sabe que não estragou nada", e nessa hora ela... bem, digamos que ela tenha conseguido.

O Marcelo tinha ido buscar o carro, que estava bem longe. Eu queria ter ido junto, mas não podíamos deixar as gurias ali. Tampouco estava a R. em condições de caminhar, porque nós, malandros, deixamos o carro a umas 10 quadras de lá. 
Eu a orientei a pararmos, pois suas amigas estariam olhando. No entanto, disse que não se importava. Pela primeira vez, perguntou meu nome, mas eu não disse. Deveria adivinhar. E ela pensou, mas não conseguiu cogitar nenhum. Disse que a primeira letra era L, e então o Marcelo chegou.
Eu teria ido atrás com elas, mas uma terceira guria surgiu - ia dormir na casa da tal amiga M.
Fui na frente, e a M. disse (e isso me assustou) que queria ficar primeiro em casa, e depois sim levaríamos a R. no Mc. Ela deixou a amiga com dois homens estranhos; a amiga que há meia hora atrás estava desacordada. Acho que me fiz bem confiável.

Deixamos a M. e a amiga estranha na casa da primeira. Bastou elas descerem para que a R., lá do banco de trás, surtasse.

Começou silenciosamente, pelo lado da porta, a acariciar meu abdome. Eu fiquei um pouco constrangido, pois ela ainda estava meio 'alta' e o Marcelo estava dirigindo ao meu lado... mas ele aparentemente não percebeu, ou não se importou. Ela então começou a (assustadoramente, ou não) mudar a direção da carícia, a qual puxei para cima, contra meus instintos e vontades. Ela ainda resistiu um pouco.
Mas eu fui mais forte, naturalmente.  

No meu ímpeto egocêntrico, pensei: "que outro sujeito agiria como eu agora, caralho?"

Enfim, ela se recolheu e deitou no banco, e dormiu como um anjo. Fomos até o McDonald's. No drive throw, demoramos horas para sermos atendidos. Ela dormiu durante todo esse trajeto. Quando finalmente fomos, pedi dois #4, um com guaraná sem gelo. O Marcelo fez o pedido dele. Então, estacionamos perto e eu fui para o banco de trás acordar a "donzela".
Ela acordou e comeu o mais lentamente possível.  Ainda sujou os cabelos, os quais limpei com um guardanapo. Disse que sempre fazia isso, já rindo. Percebi que estava melhorando. Ela novamente perguntou com um tom infantil. "Tem refri?", e eu respondi "claro, tem o teu guaraná sem gelo, mocinha.", dando o guaraná, que ela tomou. Quando eu acabei meu hamburguer, ela não estava nem na metade do dela.

Esperamos a moça terminar tudo e perguntamos onde era o endereço.  Ela nos guiou. Eu perguntei se o Marcelo queria que eu fosse para frente, mas ele disse que não era preciso. Ela deitou no meu colo.
Ficou me olhando sensualmentepor muito tempo, e eu totalmente sem saber como agir, em uma antítese claramente barroca: prazeres da alma ou do corpo? Eu olhava para os lados, desviando do verde-água hipnotizador. Só então peguei o telefone e liguei para o Paulo, pois lembrei que ele só tinha dois reais na carteira e devia estar na festa ainda. No entanto, deveria ter lembrado que ele age como um gato (sempre dá um jeito de ir para casa). Ele não atendeu. 

O clima começou a 'mudar' e eu falei que ela não deveria tomar nenhuma atitude; talvez outro dia.
Ela disse que queria (teimosia feminina), e eu comecei a me afastar. Ela fez aquilo com meu dedo de novo, e eu confesso que me arrepiou, mas precisava ser responsável pelos nossos atos, e até agora tinha controlado todos os meus instintos, até mesmo os mais fortes. Mas algo além estava por vir. Concluí que era o perfume afrodizíaco (falo dele num post futuro). De qualquer forma, não estragarei o relato com insanidades realistas, afinal, as pessoas não lêem até aqui para que alguém lhe jogue um balde de água fria. 

Diante de algumas atitudes, eu disse, entre sorrisos constrangidos, que ela estava louca. Falei que ela não devia fazer aquilo, que a gente podia conversar mais tarde. Caramba, eu fui um verdadeiro bispo. Ela só dizia "eu te quero, eu te quero" e eu me assustei, olhei para frente, e o Marcelo fingia não ouvir nada. Isto tudo durante o trajeto de sua casa, que era longe. Eu desviei o olhar, mas sabia que ela ainda estava me olhando. Baixei os olhos e (surpresa!) ela de fato me encarava. Perguntei "o que foi, moça?", já temendo a resposta. Ela me responde "o que foi? Tu sabe muito bem o que foi..." e teve mais um surto psicológico, tendo eu a impedido. Por sorte chegávamos perto, e o Marcelo começou a pedir mais informações a ela. Eu a convenci a sentar. Ela deu as informações e me pediu contato. Achei justo. Dei-a meu número e MSN, mas alertei: "tu não vai lembrar amanhã." Ela anotou no celular dizendo as assustadoras palavras: "Paga pra ver."
Então ela proferiu o termo mais cinamatográfico que já ouvi na minha vida.

"Eu ainda não sei o teu nome.". 
Eu falei de novo que começava com L. Ela falou "Leandro? Luciano?"
Não.
"Eu não sei!!!"
"A segunda letra é U."
"Lúcio?"
Não.
"Eu não faço idéia, podem ser tantos..."
"A última é S. A penúltima é A e a que falta é C."
"Lucas?
"prazer. "
"Achei que fosse."
Nessa hora, notei que ela ainda não estava totalmente sã.
Ela me informou que iria ligar durante a semana. Porque no final de semana os pais dela voltavam para casa, e ela passava ocupada. Além disso, falou algo sobre provas, mas não dei muita atenção. E assim a deixamos em casa.

Quando chegamos na Carlos Gomes novamente, o meu sorriso era de alívio: se há um paraíso, lá estarei eu.


terça-feira, 20 de abril de 2010

Um Domingo de Cinema

Na terça-feira retrasada (dia 6/4) conheci um americano (Mr. Donald, ou "Don") perdido nos corredores da SMTUR. Ele era idêntico ao John Locke, do Lost - este senhor com cara de sábio na frente de um marzinho. Não só a fisionomia, mas as roupas e até a voz; tenho dúvidas de que não conheci de fato o Locke em pessoa.
(Notem a semelhança na foto ao lado: eu, Don e Marcelo) 
Orientei ele quanto aos passeios do ônibus, e o vi por mais três vezes no mesmo dia. Conversamos bastante. Ele é de L.A. e acabamos trocando emails, nos quais me prontifiquei a ajudá-lo com quaisquer dúvidas ou informações necessárias na grande cidade. Não satisfeito, convidei-o para provar o legítimo churrasco gaúcho lá em casa, ocasião na qual foram muitas pessoas só para conhecê-lo.
Após as apresentações, servi de tradutor do índio velho pelo dia todo. Provou a carne gaudéria, nunca tinha visto aipim e tampouco farofa. Jurou gostar de tudo, inclusive da ovelha - da qual não era fã antes.
Alguns minutos depois do almoço, jogamos bolixe (eu, o americano e meus queridos amigos, Marcelo e Liliane). Claro que pelo vídeo-game. A despeito de nunca ter visto um wii na frente, o cara jogou bem, inclusive fazendo poses típicas do esporte - a Liliane acredita que ele tenha jogado bolixe regularmente num passado distante, com o que concordo. A propósito, a própria também estava estreando nesta modalidade virtual e saiu-se tão bem ou até melhor que o gringo. Durante o jogo, um avião passou bem próximo da nossa casa; momento em que não pude deixar de sacaneá-lo. Sabedor de seu passado militar, logo o deixei a par do que estaria acontecendo: "Eu não te contei que estamos em guerra com a Argentina?".
Para quê? O cara ficou BRANCO, mas BRANCO. Olhou no fundo dos meus olhos com uma expressão desesperada e pronunciou as palavras trêmulas: "You're kidding me."
Eu comecei a gargalhar, contei para todos da sala e fizemos questão de recordar disso várias vezes durante o dia. Algum tempo depois, ou antes, não lembro, estávamos todos sentados na sala e eu resolvi mostrar ao pessoal um episódio de Lost, no qual aparecia o tal John Locke. Todos - inclusive o próprio Don - riram muito. Porém, jamais faltou-se com o respeito, o que fora reconhecido de imediato pelo senhor de 69 anos com aparência de cinquentinha.

O fato é que nos divertimos a lot.

Após, levamos (os mesmo citados) o senhor yankee até a cachoeira de Morungava - aquelas das quais falei no post do Palavra da Vida. O cara pirou. Acho que o apelido "John Locke" nunca soou tão bem, devido às roupas neutras e sua adaptação imediata ao meio selvagem. Só não caçou um porco do mato porque não tinha porcos do mato em Morungava.

Após tirarmos várias fotografias, que postarei aqui no futuro (assim que esse salafrário me enviar), voltamos para casa, conversamos um pouco com os que restavam lá, apresentei-o à minha avó (que estava muito nervosa para conhecê-lo) e então levamos para conhecer o tal "Rodízio de Pizzas" que existe no Brazil, e ele se lambuzou na Fragatta. Deixamos o sujeito no seu Hostel, no qual teve o celular roubado.

Dias depois (quarta passada) eu, a Liliane e o Don almoçamos num restaurante magnífico, do qual ele virou fã. Começou a me chamar de Leonardo, por causa do "Leonardo Di Caprio" (que aos ouvidos dele soa como "Lucas Di Marco"; eu sei que não tem nada a ver, mas vai entender esses californianos reformados...). Ele também passou a se auto-denominar John "C" Locke, apesar de nunca ter assistido a Lost e nem ter ouvido falar antes de eu lhe apresentar. Questionado sobre o porquê do "C" no meio do apelido, não soube responder, dizendo que simplesmente achou que soava bem. A partir daí, achei melhor suspender o vinho.

Este sujeito bacana não é um americano típico, como bem sabemos eu e a Liliane. Ele não come fastfood, não toma coca-cola, adora uma verdura e quase não vê televisão. Além do mais, tem idéias anti-governamentais e aposta numa conspiração dos EUA nos ataques terroristas de 11/9. Ou seja, o cara é quase um canadense. 

Atualmente, encontra-se no Uruguai, enquanto manda lembranças frequentes para mim e para sua namorada nigeriana de 26 anos, que o espera nos EUA. Prometeu-nos conforto e hospedagem quando bem entendermos, além de um passeio exclusivo pela grande Holliwood.

Grande, grande Don.


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Assalto Emotivo

Esperei passar bastante do dia primeiro de abril para que me fizesse convincente, e acabei esperando demais. Acho que estou quase 80% recuperado e já posso postar sobre isso.
Fui doar sangue na segunda-feira, e, após, ganhei o dia de folga. Ainda meio tonto, resolvi pegar o ônibus no local onde considerava mais seguro: na esquina da Salgado Filho com a João Pessoa. Antes, resolvi checar a beleza ímpar da redenção.

"Tão perto de nós e tão longe de nossos olhos", lembro-me de ter pensado ao ver o laguinho brilhando entre as árvores. Atrás de mim, que estava parado ao lado de uma árvore, vinha um jovem negro vestido normalmente. Não desconfiei de nada. Porém, devido à vulnerabilidade de minha pessoa àquela situação, resolvi voltar à avenida antes que alguém me assaltasse. Neste momento, este sujeito começou a me chamar. Minha arma de choque estava no bolso; no entanto, optei por não atender ao chamado. Logo cheguei à João Pessoa de novo e me vi naquele velho dilema: subir o viaduto ou passar por baixo.

Observei por detrás de mim e ninguém suspeito havia. Apenas um cara meio normal e uma senhora. Subi o viaduto às quatro horas da tarde.

No meio do viaduto, o "cara meio normal", de uns 30 anos, boné para trás, aproximou-se de mim pedindo uma informação com sotaque nordestino. Nem desconfiei, mas, ainda assim, utilizei de recursos para confirmar.
- Boa tarde, pode me dar uma informação?
- Sim?
- Onde fica a Salgado Filho?
- A Salgado Filho... - disse ganhando tempo, observando suas roupas e sua expressão. - É reto aqui, na nossa direção. O senhor só precisa seguir andando e vai dar lá.

Ele ficou em silêncio andando ao meu lado. Nesta hora notei que havia algo errado.
- O senhor é de onde? - disse, tentando ganhar tempo até o fim do viaduto, apesar de saber que não daria. Ele ficou em silêncio. Após uns 5 segundos, resolvi repetir a pergunta.
- Sou da Bahia.
- E mora há quanto tempo aqui? - ele pensou antes de responder novamente. Vê-se que não estava preparado.
- Há um tempinho, vim por causa de uns problemas aí. - fiquei em silêncio. Não havia me convencido. Passei a andar a passos largos.
- Tá quente hoje né? - disse o homem. Foi neste exato momento que não tinha dúvidas do que iria acontecer. Se ele fosse baiano, estaria com frio, e não com calor.
- Tu não é da Bahia, né?
- Não, rapaz. E o seguinte - disse abrindo uma pochete e puxando um revólver -, se tu correr tu vai tomar.

Como eu já estava pronto, e estávamos na metade do viaduto, o choque durou menos de dois segundos. Fiz um sinal com a cabeça e ele guardou a arma. Comecei a tentar usar de psicologia e fator surpresa, minhas únicas armas além da de choque, que, convenhamos, não era aconselhável usar neste momento. Olhei nos olhos do assaltante e ri. Falei que sabia o que ia acontecer, e perguntei o que ele queria.
- Dinheiro.
Puxei do bolso esquerdo (o mesmo da arma de choque, que o infeliz não notou!) uma nota de R$ 20,00. Por sorte minha carteira estava totalmente rasgada, tendo-a deixado dentro da mochila, que estava nas minhas costas.
- Só tem isso?
- Eu devo ter alguns trocados - disse puxando uma nota de R$ 2,00 e uma moeda de R$ 1,00 - mas eu tenho que pegar ônibus.
- Relógio...
- Pode pegar, é 20 pila...
- Não dá nada. Celular?

Meu celular tinha menos de um mês, e foi o primeiro celular decente que eu comprei. Ainda não o paguei totalmente. Foi por este motivo que receei, e pensei em alguma maneira de mudar o foco. Olhando para a frente, e dando alguns passos adiante, recitei as palavras num tom doce de quem não estava preocupado.

- Essa vida dá dinheiro? - ele pensou uns segundos e respondeu.
- Dá, dá dinheiro sim, meu.
- Acho que vou te imitar então...
- É, mas eu vou te revistar, e se eu achar um celular vou te apagar.
- Não precisa perder tempo - disse estendendo a mão com o celular. Foi a única parte que me causou um certo frio, menos pela ameaça do que pela despedida do celular. A partir daí, comecei a fazer pressão psicológica.
- Cara, tu vai mesmo levar meu celular? Levei quatro meses trabalhando pra conseguir comprar (mentira), eu sou pobre, de Viamão...
- Tu é pobre?
- Sim, cara, eu sou de Viamão...
- Bah, eu não gosto de fazer isso...
- Eu sei que não, tu é um cara bom, eu notei isso.
- Sim, eu sou bom! Se eu vejo mendigo na rua eu dou dinheiro...
- Então cara, pra que levar meu celular? O relógio e 20 reais já não vale?
- Tu não tem nada de valor pra me dar no lugar do celular?
- De valor? - disse rindo - eu sou de Viamão, já disse... - adoro repetir isso.
- E essa corrente aí, é de prata? - disse apontando para a minha corrente de prata.
- Prata? Tá brincando, né? Se fosse prata não taria à vista...
- Então vamo ali no banco e tu saca um dinheiro pra mim, e devolvo o celular...
- Cara, eu não trouxe nem carteira, pode ver que to com a identidade no bolso (de fato estava, e mostrei).
- Ah, nem carteira? Então assim, vou deixar teu celular ali naquela lixeira (havia uma lixeira no final do viaduto, a uns bons 30m), tu espera um pouco e vai lá pegar, tá?

Eu sabia que nunca mais veria meu celular.

- Tá, valeu cara.
- Então tá, espera aí. - disse estendendo-me a mão. Apertei com o sangue frio. Ele então me abraçou estranhamente.

Como esperado, não botou na lixeira. Pegou o primeiro ônibus que viu na parada e foi-se embora.
Com meus R$ 4,00 (achei mais um depois), fui pegar um Tarumã para casa com minha arminha no bolso, pensando em mil maneiras diferentes de esfaqueá-lo. Meus batimentos estavam tão acelerados quanto aos de um defunto.

Antes de embarcar, liguei para a mamãe. De um orelhão.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Dois Poeminhas do Barulho

Aos leitores normais, peço que pulem este post, já que eu mesmo o teria feito. Só que num ímpeto inspirante, pus-me a compor um poema concreto e, sem querer, saiu-me um soneto de brinde. Tudo isso na viagem de vinda, hoje, às 7h da manhã. No lugar de postar duas vezes - aumentando-vos a tortura - agrupei-os em um post somente, para que logo estejam esquecidos no meio da minha rotineira mania de contar-lhes cada passo e tropeço que dou. Eis-los, pois.

Adepto ao Concretismo II 
Lucas Di Marco


O Próximo rei do Casaquistão
Promete alegria à Casa que estão
A próxima casa que
Promete uma cazaque
Próxima cazac e
Proxi cazac
Prozac


Soneto do Conselho 
Lucas Di Marco

Em breve partirei, não há escolha
Coberto de razão e sem orgulho,
Em um mês vindouro, talvez julho,
A rezar impressões em uma folha.

Posto tal soneto - à mão composto -
Sem mais interesse em utopias,
Já que me bastava se me lias
E não me bastava o próprio gosto.

Pois, busca nas letras alcançar
Delírios que o remédio já curou
Naqueles que entregaram a própria sorte;

Reflete, e se o desejo é matar,
Mata, dorme, goza e ri - acabou:
Essa vida só nos leva à morte.