sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Você Come o que Você É

Minha alimentação tem sido algo totalmente irregular nas últimas semanas, devido a quaisquer desafetos internos. Isso me vem levando a fome por completo durante o dia, devolvendo-ma pela madrugada, caso não durma antes.
Nas ocasiões em que não tive tal sorte, acabei por aprender a cozinhar; sim! Aprendi a fazer coisas sozinho, e dei nomes a elas, como A Galinha Shoyada e O Bife-Bafo Viamonense, sempre fazendo alusões aos ingredientes ou aos efeitos causados por estes. É claro que toda essa criatividade não poderia ter-se passado em outra hora senão entre a meia-noite e as duas da madrugada, o que me levou a nomear também a nova prática culinária, apelidada de Culinoite.

E qual não foi a surpresa quando, agora há pouco, a fome bateu. Não pensei duas vezes: abri a geladeira e busquei por nutrientes. Achei batatas pré-prontas e levei muito tempo pra prepará-las mesmo assim. Chamei-as de Bata Ta Demorando. Além disso, ouvi, ao anoitecer, alguém elogiando o feijão; pensei que seria uma boa hora para reutilizá-lo. Foi então que verifiquei a segunda prateleira, e lá estavam: um pote pequeno e insignificante de plástico, contendo uma quantidade ínfima de feijão, e, ao lado dele, um pote de vidro avantajado, onde geralmente se costuma guardar o feijão de fato. É óbvio que escolhi este último.

Ao levá-lo, no entanto, até o micro-ondas, notei algo de diferente através do vidro escuro. Abrindo-o, verifiquei que havia um bife pronto em cima do feijão. Além disso, notei alguns pedaços de presunto espalhados desuniformemente. Foi quando me lembrei daquela vozinha pré-adolescente vinda, mais cedo, do quarto ao lado: "o feijão hoje ficou muito bom!". Olhei para o pote e sorri; "é claro! Eis o segredinho que o deixou gostoso!"

Aqueci-o e voltei a atenção novamente às batatas. Depois de muito tempo, utilizei o mesmo óleo para preparar o Bife-Bafo Viamonense, com bastante alho. Tudo pronto, enchi o meu prato de feijão.

Como é bom comer sozinho e de madrugada; todo homem tem um caminhoneiro dentro de si - basta estar só e inspirado. Quando o feijão sobrepôs-se ao arroz, pus-me a separar os pedaços de bife e de presunto que encontrava, como quem separa a folhinha de louro ou o bacon cozido - afinal, pensei, "são só temperos, ainda que alternativos."

Comi tudo, e concordei com a minha irmã; o feijão estava com um sabor forte e único, mesmo requentado. Os pedaços de coisa dentro dele somente deram um "gostinho a mais". Ora, alguém precisava sugerir à Cleci que repetisse a receita no dia seguinte, em vez de dar tudo para os cachorros, como de cost...

Sim; foi neste exato momento que notei estar comendo a comida dos cachorros de amanhã. Isso significa que, no mínimo, aquele feijão não era o novo, e sim o de anteontem, e a ele estavam agregados todos os restos da casa, inclusive os da empregada. Provavelmente o feijão elogiado esteja no pote pequeno, feliz e intacto. Fiquei perguntando-me de quem era aquele bife enormemente mastigado, com certa repulsa, confesso; até que uma idéia totalmente ilustre surgiu à minha cabeça.

Que não há diferença entre mim e o cachorro. Se ele come a minha comida, por que não posso comer a dele? Os mesmos nutrientes, as mesmas consistências e o principal: o mesmo sabor.
Diante do exposto, coloquei-me no mastro do navio, e mais uma vez o instinto humano falou mais forte:

"Quem saiu perdendo foi o cão, e não eu!"


Apelidei o prato de Feicão. E por muito pouco, não repeti.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Que Realmente Ocorreu

...na manhã de 21 de outubro de 2010 - semana passada, mesmo.
Conversando com os amigos do mestre Alberto Pastelina ontem à noite, um deles me contou com detalhes o que ocorrera na Suécia com o jovem brasileiro acusado de múltiplos assassinatos aleatórios.
O tal é filho de um amigo desses senhores, o que tornou o assunto um verdadeiro tabu. Foram cautelosos tanto na hora de contar-me, quanto na hora de servir o whiskey. Ora, quanta frescura. (Espero que eles não leiam isso).
O fato é que, segundo eles, o rapaz teria feito contato telefônico com o seu pai antes de ser localizado em uma das maiores metrópoles suecas, no meio daquele dia. Explicou tudo que tinha acontecido e pediu perdão por ser diferente. Segue a seguir, dando seguimento à sequência do texto, o que vos apresentarei abaixo. Caso sejas sensível, moralista ou composto de cera, não leias.

Conforme relatou o pai do maníaco aos amigos, o jovem tinha tendências suicidas antes mesmo de sair do Brasil. Após algumas terapias fracassadas, decidiu-se que o melhor seria viajar. Primeiramente, passou dois meses na França, mais três na Alemanha e, só então, mudou-se para a Suécia, mais especificamente para Gotemburgo. Lá, fixou-se na casa de um estudante dinamarquês, tendo ambos estudado em Chalmers.
Semanalmente, comunicava-se com o pai através de e-mails e, raramente, de alguns telefonemas. Nestes últimos e-mails, que circulam ilegalmente pela rede, pôde-se notar que seu grau de depressão estava acentuado. Dizia que a Suécia era gélida em inúmeros sentidos, tendo-a comparado diversas vezes o inverno com o "inferno". Não se sociabilizava muito, segundo o penúltimo email, e basicamente tinha por amigo o colega de quarto (o da foto, tirada no início do ano pelo próprio colega brasileiro nas redondezas do lago Delsjon). O sujeito era adepto do black metal, corrente de rock pesado com tendências obscuras e por vezes agressivas.

Após ter influenciado o brasileiro, que já sofria de distúrbios emocionais, ambos planejaram um homicídio mútuo, ritual no qual um mataria o outro ao mesmo tempo. Deixaram a idéia em pauta por meses.
Até que, há algumas semanas, foi retomada a idéia e marcada uma data. O último e-mail mandado pelo jovem ao pai teria os seguintes dizeres: "sei que você não se orgulha de mim hoje, mas talvez se orgulhe amanhã", o que não fora compreendido pelo progenitor.
Na noite de quarta-feira, dia 20, o jovem dinamarquês adquiriu duas armas idênticas, modelo Carl Gustav m3, as quais seriam usadas no ritual. Aguardaram o pôr-do-sol daquele mesmo dia e, conforme combinado, subiram até o sótão e sentaram frente-a-frente no chão, com as armas apontadas um para o outro. O plano era contarem até cinco e atirarem ao mesmo tempo, um contra a cabeça do outro. Porém, não foi o que aconteceu.
Receoso, o brasileiro contou ter disparado assim que o número um foi contado. Após matar o amigo, tendo permanecido vivo, passou horas por volta do corpo sem saber o que fazer. Após, assistiu um programa na televisão, pelo canal sueco TV4. Apesar de não ter referido qual programa era, sabe-se que envolvia conceitos bélicos e "injustos", conforme declarou o rapaz por telefonema. Como às 23h não havia ainda decidido o que fazer, resolveu sair às ruas com a roupa do corpo - e com a arma. Aguardou em frente à igreja Tyska Kyrkan, fundada por alemães, até que o sol nascesse. Feito isso, atravessou a praça Gustav Adolfs Torg (o centro político e administrativo da cidade) e chegou a uma escola secundária, Arbetarrörelsens Folkhögskola, tendo invadido o local às 10h da manhã de quinta-feira, dia 21, horário local.

Diz-se que, logo ao entrar, atirou sem piedade em cinco crianças que corriam em sua frente. Uma delas, tendo permanecido viva, procurou socorro na sala da coordenação geral, aonde chegou o jovem brasileiro logo após, terminando o serviço com a criança e com três funcionários do local. O caos correu solto a partir de então, e todos que puderam correram para fora da escola. Infelizmente, não tiveram a mesma sorte uma turma isolada que assistia a uma aula especial no fundo de um corredor do quarto andar. Chegando no local, que só possui uma porta, o brasileiro agiu com requintes de crueldade ao mandar um jovem estudante escolher qual entre três colegas deveria morrer. Não sendo capaz de escolher, o rapaz matou os três, e mandou o mesmo jovem escolher entre mais três. Mais uma vez não fora capaz de escolher, e a chacina se repetiu. Na terceira vez, o jovem escolheu uma menina do trio proposto pelo maníaco, que matou os outros dois, tento poupado a vida da menina. Após esse fato, dois alunos se atiraram da janela, tendo morrido pelo impacto com o chão. Os doze jovens restantes e a mestre foram torturados emocionalmente por mais de trinta minutos, quando a polícia conseguiu contato com o criminoso. Convencido de que iria para a cadeia, o jovem chegou a atirar contra um policial, que se feriu gravemente no rosto. Ainda chegou a atirar contra dois alunos e contra a professora, que estão internados em estado grave no hospital Östra sjukhuset. Com a última bala, suicidou-se em frente os jovens restantes.

Fatos como este são muito comuns nos países desenvolvidos e cada vez mais frequentes em metrópoles europeias e americanas. No entanto, registrou-se pela primeira vez uma chacina psicopática cometida por um brasileiro no continente.

Sinal de que estamos evoluindo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

The Stalker (#3)

Disse um chinês num passado longínquo: "Lamentar o que não temos é desperdiçar o que possuímos".

Alertou também, o chinês, que se não leste as partes um e dois e por algum motivo desejas seguir, é recomendável que as busques nas postagens abaixo.


Parte 14: Para que um grande desejo se realize, é preciso ter um grande desejo

Hiperbólico? Reafirmo.
Não obstante, trata-se de um fato, e não de um argumento. Tanto ocorreu desde o último relato, que sequer recordo a ordem de los hechos; hei de organizá-los, pois, à minha maneira.


Parte 15: Nadie es imposible 

Nosso hermano Jorge Luís Borges já assim dizia: que ninguém é impossível. Até mesmo aqueles cuja árvore milagrosa é plantada no cume de uma montanha flutuante poderão, um dia, alcançar seus frutos. É o que me motivou nesses últimos dias. Há duas ou três semanas, creio, tivemos um singelo diálogo de três minutos - três séculos em meus olhos - no qual a avisei de uma futura aula extra. O sorriso recebido em troca desarmaria a Invencível Armada espanhola. Meu Deus, se eu lhe cresse, a ti abençoaria por tão bela arte ter-me criado. Digo "a mim", porque nadie es imposible, e já estou convencido de que o êxito é fruto do desejo, e basta.
Na ocasião, olhei em seus olhos - bicolores - mas não tive coragem de confirmar o fenômeno de perto. Quando os olhares se cruzam, sente-se a chama flamejante do "mistério inexplicável", o qual me nego a proferir para não corar. Em um paralelo racional, meu sistema simpático ativou-se diante de sua simpatia. Ah! Aguardei ansioso por um agradecimento especial por orkut. O que naturalmente não aconteceu.


Parte 16: Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a uma gentileza

Adaptada de um mestre psicopata, a frase remete-me ao dia em que estávamos na aula de história, cujo professor concentra uma entropia acima do comum. Por conseguinte, abusa das baixas temperaturas do ar condicionado. Conscientemente ou não, sentou-se à minha frente; vi-a tremer - quão bonito é o frio em sua pele! - e segurei-me para não oferecer o casaco. Voltando para casa, tomei um Nescau a mais para criar coragem: mandei-a um depoimento. Disse que lhe notei o frio - em eufêmicas palavras, por óbvio. Respondeu-me logo tão simpaticamente que desta vez fui o que tremeu. Repliquei: lhe ofereceria meu casaco, mas não saberia sua reação.
A despeito de não obter resposta desta vez, ambos os depoimentos foram mantidos intactos em seu perfil por 96 horas.


Parte 17: A primeira grande desilusão, tão dolorosa quanto resquícios flamejantes de um projétil metálico deformado


E após tal investida - que considerei a primeira relevante - senti a doce ilusão da esperança crescente, de forma semelhante à minguante pálida de nossas madrugadas, que, apesar de encher-se por completo, não tarda a regredir novamente. Não a vi por um bom tempo, o que não é novidade. Quando, porém, tive tal sorte, vi-a acompanhada. "Ora", perguntarás, "como não soubera de tal condição! Que lhe passou?"
É que foi a primeira vez, caro amigo, que a vi retribuindo, ainda que de leve, alguns gestos de afeto.


Parte 18: O inevitável sopro noturno de inspiração, gerador de obras inúteis e inexpressivas


Daí, procurei certa vez descansar. No entanto, algo me excitou deveras: uma melodia surgia em minha mente, sob a imagem de sua face. Era óbvio para mim que o sopro noturno de inspiração me viera visitar. Sentei à cama, puxei o piano elétrico pelas bordas and I played it by heart. Não fui eu quem a criara; pelo contrário. Basicamente renasço quando as pontas de meus gélidos dedos expressam, sem uma palavra, aquilo que meus lábios mórbidos e atravancados não conseguem proferir. Mais três pessoas ouviram a melodia quase completa, cujo nome não lhes será nenhuma surpresa. Algum palpite?
Ah! Desconsidera a conjunção vulgar que utilizei para abrir este capítulo.




Parte 19: Momentos especiais de uma história especial


Mas apesar das desilusões, houve também momentos especiais, nos quais pude me certificar de que o jogo de fato está em andamento. Não, jogo não; o "concerto" soa melhor.
Lembra-me a aula de literatura, há umas duas semanas, à qual foi acompanhada do afortunado rival. Não é comum tal conjunção; no entanto, creio que é a arma que este tem contra a incerteza da investida cega de um outro semelhante. Que não me vai atacar, é fato: poria tudo a perder, qualquer que fosse o resultado, além de estar reafirmando o perigo que, até então, é tão sutil quanto fora a Guerra Fria aos olhares soviéticos. Mas voltando ao assunto axial, nesta aula literária sentei-me no canto esquerdo da enorme sala, protegido por uma muralha feminina ao redor - em especial uma peculiar jovenzinha do interior gaúcho que me persegue declaradamente. Ela e o sujeito chegaram bem atrasados, sentando no canto inverso da sala, também rodeado de pessoas. Havia um ínfimo ângulo ligando nossos olhos através de uma distância razoável. Ademais, para que nos víssemos seria preciso desviar o olhar da aula em si em um ângulo de, no mínimo, 80º. Não se satisfazendo, ainda teríamos ambos de cuidar o asqueroso olhar rival, um para evitar conflito, e a outra para evitar... conflito também. Confesso ter sido uma surpresa agradável quando, em um determinado momento da aula, nossos campos visuais se cruzaram em uma linha paralela, diretamente, e o que de mais improvável havia de acontecer, de fato ocorreu. Gelei; mas satisfiz-me.
Em outras ocasiões, notei que procurava sentar sempre ao meu redor. Volto a dizer - não duvido da inconsciência, porém há uma chance, e quaisquer possibilidades de cura abrem um horizonte infinito a um enfermo.




Parte 20: a tática indiscreta do duelo de belezas e, por que não, de vaidades


Não fora de todo proposital, mas confesso que rendeu bons frutos. Minha belíssima amiga T. acompanhou-me em uma tarde de quarta-feira, entre as aulas. Sentamos em um dos bancos da varanda do curso. Não me era surpresa que a veríamos em breve, e de fato passou por nós. Senti diretamente seu olhar de incoerência. Não digo que lhe despertou qualquer sentimento eufórico; no entanto, a incerteza de seu olhar a fez sentar num banco muito próximo, de frente a nós, junto de uma amiga. Não fora uma só vez que trocamos os mesmos raios visuais; aliás, cheguei a contar alguns segundos em uma destas ocasiões.


Parte 21: não desejo falar de hoje

Porque não ainda me certifico do que de fato sucedeu. Ando visivelmente tocado pela situação, e é de tamanha intensidade, que até mesmo quem não suspeitava, agora é dono de maquinações maléficas. Não lhes tiro a razão: está escrito em meus olhos. Eis o grande defeito do vaso transparente: pode-se enxergar através dele. Dirás: "ora, mas que grande redundância!", do que, aliás, discordarei com muito rigor.

Tem sido difícil lidar com isso como quem lida com um cadáver sob o formol. Observá-los, analisá-la, evitar o contato apesar do imenso desejo... ontem mesmo, nas primeiras horas da madrugada, voltávamos eu e Jonas da noite porto-alegrense, quando me deparei com uma mudança drástica em seu perfil. Seu e-mail, que antes nos era oculto, fora revelado; um texto indecifrável fora adicionado; a frase de liberdade foi reconstituída.
Consultei o Jonas, que, a essas alturas, divertia-se jogando WII sozinho, às 6h da manhã, na minha sala de estar (jamais questione costumes germânicos). Ele me mandou adicioná-la. Eu refleti por tantos minutos que sequer lembro de quando tomei a corajosa decisão. O fato é que a tenho, pois, teoricamente, nos meus contatos de MSN. O problema é como agir quando tal diálogo for inevitável. Diante desses fatos, encerro o terceiro volume com as sábias palavras de meu amigo Marcos, que descobriu-se talentoso em comparações insólitas:
"Marcos diz: quest difícil essa, cara..."