quinta-feira, 25 de junho de 2009

China em 20 Minutos

Hoje aconteceram duas coisas MUITO estranhas. Só contarei a primeira, poupando a próxima para caso não haja nada mais interessante na próxima semana (sacaram a jogada de marketing?)

Almoçando no shopping Rua da Praia, após uma overdose chocólatra (devido a uma pizza de chocolate recém degustada) resolvi aproveitar o curto período de barato glicídico dando uma volta pelas vitrines alternativas. E sou muito curioso. Logo, dei de cara com uma loja oriental, em cuja vitrine FLUTUAVA uma torneira dourada, da qual saía água até um recipiente estranho. Eu não me considero parte da elite intelectual do século XXI, mas também não sou nenhum leigo ignorante, eu precisava descobrir como aquela maldita torneira estava flutuando... e passei a observar bem antes de entrar em pânico, ou desistir.

Olhei bem ao redor dela, para ver se nenhum fio transparente a segurava, o velho truque do teatrinho de bonecos; mas não, não tinha fio algum. Perguntei-me se estava ela então colada em algum vidro fino, que eu não pudesse enxergar. Não! Então entrei.

Atendeu-me um chinês velhinho, muito velhinho por sinal, ao lado de seu provável filho, bem mais jovem que eu. Percebe-se o quão velho é um oriental pelo ângulo que seus olhos formam com o rosto em si. No caso, não pude ver seus olhos, tão pequenos eram, e nem tive tempo porque logo me surpreendi com sua fala:
- Olhando?
- Hã? É, eu queria saber como funciona aquela tor...
- O?
- A torneira... da vitrine...
- Saber como funciona?
- É!
- Cano ponta, segura - percebi que o oriental era recém chegado, ou muito conservador, pois mal podia me entender não fosse meus gestos teatrais, que, de longe, certamente provocariam risadas. Não entendi o que ele disse de primeira.
- Ah! Como ela não tá presa? - disse eu dando tapas na outra mão, como se pregasse algo;
- No precisa! Caninho ponta! - então olhei bem para nossa traseira e compreendi tudo. Sorri muito simpaticamente, e fingi que ia embora, mas... ah, Deus sabe que não podia deixar essa oportunidade passar. O velho escrevia um bilhete em mandarim.

- O senhor vem daonde?
- Pequim.
- Vieram pra cá há quanto tempo?
- O? - repeti a pergunta. Fez três com as mãos e falou algo, e logo conclui que eram anos. Estava certo. Ele baixou a cabeça e continuou escrevendo aqueles símbolos incríveis, que para mim não faziam o menor sentido. Eu, ainda sob efeitos da glicose, insisti.
- O senhor tá escrevendo em mandarim?

O velho olhou para mim e não respondeu. Continuou escrevendo. Meu superego me denunciou: era hora de ir embora, mas poxa vida, eu não podia esconder minha admiração, ele era estrangeiro, escrevia em mandarim, isso era surreal! E quando me dei conta de que passara muito tempo parado olhando para sua escrita (totalmente dentro da loja), me pronunciei com uma semi-verdade, mas que na hora era completamente verídica:
- Desculpa, é que eu me interesso muito pela cultura de vocês...
E conforme o velho não me respondera, ia-me virando quando o jovem chinesinho percebera meu interesse e resolvera me atender:
- Tudo bem, pai não entende muito português...
- Ah, tu fala português?
- Mais ou menos... - disse ele completamente fluente, sem qualquer sotaque.
- Não, tu fala muito bem!
- Obrigado, aprendeu na escola. - Era do que eu precisava para me curar da overdose de chocolate. Um bate-papo chinês. Eu ia lhes dizer que o jovem parecia muito com este da foto, mas... acho desnecessário, se é que me entendem.
- Vocês tão aqui há quanto tempo?
- Há uns três anos.
- Só? E tu já fala fluentemente!
- Não tão bem. - duvidei, logo que percebi sua completa modéstia. O telefone tocou, e ele atendeu em mandarim. Quase tive um orgasmo cultural. Logo desligou e falou algo em chinês pro pai, e eu consegui entender uma palavra portuguesa solta no meio: "restaurante". O velho respondeu e em breve sairia de lá, nos deixando conversar. Eu perguntei muitas coisas.
- Tu sabe escrever em mandarim também?
- Sim, eu nasci aqui, mas com três anos fui pra China, estudei lá até os onze anos e voltei pra cá.
- Tu tem quantos anos agora?
- Quatorze.
- E foi muito difícil aprender a escrita lá?
- É que aqui é diferente - disse ele erroneamente - aqui aprende outras coisas sobre linguagem, lá aprende sempre a escrever, são muitas palavras, mais de... - perguntou pro pai, que se preparava para sair, em mandarim, provavalmente quantos símbolos têm, e ele o respondeu. Então continuou sua conversa comigo - são uns 40 mil, mas sabendo 3 mil já dá pra ler jornal, escrever normal. - o pai dele então saiu da loja.
- E como tu decorou tudo isso?
- Acaba aprendendo; falar eu entendo tudo, mas escrever nem tudo.
- Cada letra representa uma palavra?
- Mais ou menos, é que é complicado de explicar, sabe - e começou a dar exemplos REALMENTE complicados, os quais ouvi atentamente mas não posso repeti-los aqui pois já foram pro brejo.
- Às vezes tu não tá lendo alguma coisa e não consegue entender a palavra?
- Ah, sim, é que não é que nem aqui, porque se lê uma palavra que nunca viu mas consegue falar, B + A = BA, mas às vezes lê em mandarim e olha uma palavra e se pergunta "o que que é isso?!", e não sabe nem pronunciar! Tem que olhar dicionário, então entende.
Alguém o trouxe comida, e eu fingi não perceber, porque seria crueldade manter o papo contra a fome do rapaz, que aliás, era muito mais inteligente do que eu pensava.
- E tu não teve dificuldade pra aprender a escrita em português?
- É difícil, ainda, mas já tô aqui há três anos, né, já sei alguma coisa.
- Certo - mudei de assunto, tantas perguntas surgiam na minha mente - como era as coisas lá na China? Não tem vontade de voltar?
- Não... - fez uma cara de inconformado - aqui é melhor, sabe, lá é diferente, muita gente...
- Tu é filho único? - me ocorrera o controle de natalidade quando ele falou "muita gente".
- Não, tenho um irmão...
- E como funciona isso? O governo lá não é rigoroso com mais de um filho?
- Por isso que nasci no Brasil - riu simpático - mas não é mais assim, antigo é (sim, falou assim mesmo), China antes dois filhos o rei não queria. - no auge da minha ignorância, entendi que ele quis diferenciar "governo" do antigo regime ditatorial socialista, usando a palavra rei. Perguntei-lhe sobre o preconceito com as meninas nascidas. Foi nessa hora que desceu nele algum espírito oriental, pois não pude entender quase nada; foi mais ou menos assim - sim, isso acontece, não quer filha mulher, só pode um, quer filho homem. Mulher não pode trabalhar, quando mulher nascia amarrava o pé, não podia ser grande, tinha que trabalhar em casa - e se interrompeu - ah, não, trabalhar não, ajudar marido, ah, entendeu. - fingi que entendi. Perguntei se isso ainda acontecia, porque raramente ele conjugava um verbo no passado, e ele disse que não, que isso era antes. Voltei a perguntar se não se pagava multa pelo próximo filho ao menos, e ele disse: - não, o governo nem tá, hoje. Eu fico imaginando... e se nascer gê... como diz? Gêm... - e eu interrompi "Gêmeos" - isso, isso, como vai fazer? Deixar outro na barriga? - e riu. Ri também; foi um belo argumento. Vi a comida dele esfriando, mesmo ele a tendo afastado educadamente, e percebi que era hora de partir.
- Eu to te atrapalhando, tu deve estar querendo comer, né.
- Não, não, que isso - disse ele sorrindo envergonhado. Percebi nessa hora quão humilde e inteligente era o jovem, e depois concluí comigo: alguém que aos 14 anos domina na fala e na escrita dois idiomas sem QUALQUER ORIGEM comum só pode ser inteligente. No mínimo, aprendeu a ser inteligente, tantas foram suas comparações, análises, leituras, memória...
- As pessoas lá na China, como são?
- São bem diferentes, não são como aqui, sabe, elas não conversam muito...
- São mais frias? - soltei essa sem querer.
- Não, se conhecem faz tempo, conversam bem, mas se não conhecem não conversam - percebi que ele também estava surpreso por um estranho lhe indagar tantas coisas, o que não ocorreria lá na China. Mas certamente falar de sua pátria era um assunto que lhe interessava, pois seus olhos pequenos e apertados brilhavam o pouco que podiam enquanto lembrava da terra natal.
- Certo, tu tem acesso à internet? - ele não entendeu, e repeti, então ele entendeu melhor do que eu poderia perceber.
- Orkut? Msn?
- Sim! Tu tem orkut?
- Tenho sim - e já foi rasgando um pedaço do bilhete do pai, o que quase me fez gritar para que parasse, mas entendi que para eles não era nada de brilhante, como não é menos para nós um recado de telefone. Pedi que me adicionasse, e anotei no papel que me dera o meu orkut e o meu msn, o que o fez interromper-me:
- Ah, é Lucas também?
- Sim! Tu também? - disse eu surpreso. Lembrara que nascera no Brasil.
- Sou. - então eu saquei minha mão e cumprimentei-o, dizendo "prazer Lucas". Só então que percebi o motivo de sua inteligência (brincadeirinha do autor).
- Uma última pergunta para te deixar comer em paz: por que vocês vieram para o Brasil? Tava ruim lá?
- Não, não! Foi, como posso dizer, pelo clima, temperatura - e logo se contradisse - não, temperatura não, até porque eu gosto de mais frio, mas foi por causa... - não conseguiu expressar sua ideia. Certamente era alguma palavra especial em mandarim sem representante próximo.
- A natureza...
- Isso, a natureza... como pode dizer, aqui tem amaz... (e eu disse Amazônia) isso, Amazônia, e lá não.

Certamente ele não quis dizer o real motivo, tampouco fiquei eu perguntando, mas sua resposta fora totalmente aceitável. Só que, julgo, jamais sequer passara perto da amazônia; do contrário, estava no centro de uma cidade tão movimentada e suja que poderia até ser comparada com Pequim em vários aspectos. Despedi-me, dizendo que ele era muito inteligente, pelo que me agradeceu, e de longe ainda lhe disse:
- E bonito nome! - e ele respondeu "Lucas", então repeti "bonito nome" e ele entendera;
- Ah, sim, sim! - sorrindo. Também sorri de muita felicidade. Essas pequenas coisas me deixam muito interessado, e não sei bem por quê.

Saí do shopping e a primeira coisa que vi fora um índio tocando uma flauta num microfone ao som de uma espécie de Indian Metal. Percebi que a única diferença entre aquele menino e aquele índio era a difícil trajetória que tiveram de percorrer os mais remotos e pré-históricos ancestrais deste último até darem de cara com essa terra completamente misturada. Antes tivessem ficado do lado de lá.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Alface da Horta


Há alguns meses minha mãe plantou uma pequena horta e nela alguns alfaces. Eu, ressuscitando meus instintos infantis, não avisei nada e plantei alguns feijões. Alguns muitos feijões, mas isso faz tempo; lembro de, algumas três semanas após, vê-los enormes, todos, pela segunda vez desde os grãos plantados: num saco de lixo preto. Sim, a empregada (sob ordens maternas e uma vontade assassina) arrancou-os, alegando estarem prejudicando as alfaces. Jurei em voz alta, para ela e para minha mãe, que jamais comeria aqueles alfaces. O que foi fácil, já que não sou muito verdinho, sacam? Não satisfeito, praguejei-os em alto tom, torcendo para que uma manada de gafanhotos pulverizasse a horta toda. Fodam-se, esses alfaces!

E foi assim que peguei nojo dos alfaces da horta. Mas não feche ainda a janela, Marcelo, Jonas, Sergio, Diogo, Lola ou quem quer que seja, pois se este post não vos está parecendo útil, ao menos terá um final interessante. Eu mesmo pensaria "mas que safado, que regresso, que declínio faraônico este menino sofreu!". Ah, seus ignorantões! Seus ingratos! Eu fiz meu trabalho, o de escrever; e o de vocês é apenas o de ler: então apenas leiam! Não gostaram? Pago-vos com um piparote. (Não, isso não é familiar. Fecha esse livro, vai).

Frescuras à parte, eu não queria confessar em público, mas estas são minhas memórias eletrônicas (e tão poucos as leem) então me pergunto: por que não contar sobre minha terrível e crescente indisposição intestinal? É algo terrível por que tenho passado, e não vejo solução senão apelar para alguma mandinga anciã, e assim o fiz. As pessoas de meu conhecimento receitaram um remédio, algumas frutas e principalmente um acréscimo em minha alimentação: a alface.

Puderam já os mais atentos perceber que não me decidi até o presente momento se o correto é A alface ou O alface, e tampouco me interessa, pois sou um barroquinho, e adoro esses contrastes do sol com a lua, da luz com a escuridão e, por que não, do A com o O.

Ok, talvez não tenha lá o final mais interessante do mundo, mas poxa, vocês são meus amigos.

SIM! Eu tive de começar a comer aquela montanha sem gosto, irmã da grama e tia do pimentão. Que desgraça! Mas tudo bem, já não é segredo que, por vergonha na hora de decidir o que tirar de dentro dos XIS, acabo deixando a alface. Ela não tem gosto, mesmo. E me perguntam como posso não gostar de alface, se não tem gosto. Pensem bem na resposta que formula em meu cérebro canibal.

O problema não era comer o alface; o problema era quebrar a promessa. Eu teria de comprar alfaces, o que é muito mais vergonhoso. Pensei que isso tudo era bobagem, aqueles dogmas que sempre tive na infância e que ainda me parecem verdades incontestáveis, e portanto fui me convencendo de que o melhor a fazer era comer aquele maldito pasto de água. E, considerando que me considero consideravelmente maduro, considerei que ninguém consideraria isso um escândalo, afinal, faz tanto tempo que fazia gestos de vômito para verduras em plena mesa...

- Como assim, alface? - disse a Cleci, quando pedi para acrescentar no meu prato requentado (chego tarde).
- Alface, eu queria misturar no feijão e na carne. - não expliquei por quê.
- Ah, não acredito, aleluia! Tu comendo alface?
- Tá, Cleci, só põe pra mim - disse eu, sorrindo no final por ter parecido grosseiro demais. Ela não percebeu nenhuma alteração, nem a grosseria, nem a tentativa de amenizar. Ela é assim mesmo.
- Vou colher, antes que tu mude de ideia - e saiu gargalhando. Na rua, pedreiros reformando a casa. O pesadelo começou. - O Lu tá comendo alface, hahaha! - fiquei roxo. Não sei bem se era raiva, ódio, nojo ou... tá, era vergonha. Ela voltou, lavou-as e colocou-as na melhor tigela da casa, para que eu as apreciasse com 1% a mais de vigor. Tá bem. Misturei a samambaia no feijão e engoli concentrado, mas ao olhar para o lado, para meu desgosto, contemplei uma das cenas que mais me enfurecem na vida: alguém me olhando comer. Alguém que não come, digo, e de pé, ou seja, está sentindo prazer ou desprazer em me ver comer. Há um tempo que alguns traumas familiares fizeram-me assumir uma postura totalmente canina, ou selvagem, como preferirem, que é a de preferir comer sozinho, num canto, sem pessoas olhando ou pensando por perto. A menos que seja alguém de que goste muito (e que ainda assim esteja fazendo o mesmo que eu), sinto-me completamente intimidado, atiçado, e por que não ameaçado; é como se a pessoa quisesse cada amido daquele arroz, cada gota daquele caldo de feijão, argh, isso me enoja, Cleci! Mas ela é um caso à parte.

Digo isso porque não só me olha diariamente, como escolhe a minha curta hora de almoço para conversar comigo. E senta do lado, ou fica de pé em frente ao meu prato, conversando, falando, gargalhando, quem sabe até se cuspindo, e sempre que percebe a minha desatenção proposital me cutuca, chegando já a me sacodir mesmo. Constantemente chamo-lhe a atenção, mas não adianta, pois ela ignora ou esquece logo. Uma vez esperou-me para comer (o que virou constante, e me fez chegar mais tarde de propósito sempre que posso), e quando foi rir de alguma bobagem qualquer, observei a parábola que um grão de arroz de sua boca percorreu até bem perto de meu prato. Parei de comer na hora. Em vão.

Mas nesse dia, ontem, aliás, ela estava me contemplando por estar eu comendo alface. E falava o tempo todo. "Nunca te vi comendo alface, tu comia já?" e eu murmurava algo, e ela perguntava "oi?" e eu me forçava a responder "Só em xis". Merda. Eu só queria comer rápido e em paz, Cleci! E ela continuou até chegar a Rose. Rose é a sua ajudante, já que Cleci anda meio mal das costas há várias décadas. Rose é quieta como um pé de alface (e eu não gosto de alface), e é Cleci quem sempre a faz murmurar as 10 palavras do dia.
- Rose, tem que ver esse guri comendo alface! É igualzinho a mim: sem tempero, sem vinagre, sem sal, sem nada! E antes reclamava!
- Ah, é? Tu vê...
- É, pra quem não gostava até que tá se alimentando bem hein? (gargalhadas galhofentas).

Fiquei realmente bravo. Mas me pareceu óbvio que, se eu saísse no momento, seria pior para mim. É preciso muitas vezes subjugar-se a esses testes de resistência, pois a vida não é tão simples assim e vai saber quando vou estar no meio de uma guerra mundial, hãn? Comi quieto e saí de lá, sem contar-lhe sobre o verdadeiro e triste motivo de eu estar ruminando aquela concha mongol.

Hoje, porém, fui eu mesmo colher o alface e lavá-lo, colocar direto no prato para que os comentários amenizassem. E aí, adiantou? Ah, não.
- De novo! Mas tu gostou mesmo desses alface hein?
- Hum.
- Sabe o que é bom neles? - e não respondeu, esperando minha interação. Vi-me obrigado a responder.
- O quê?
- É que não têm agrotóxicos!
- Ãhn... - levantei-me e fui ao banheiro, esperando que ela não estivesse mais lá quando eu voltasse. Um pedreiro passou por mim e se satisfez: "e aí, comendo alface, então?". Não tentei sorrir praquele filho da puta, mas compreendi-o de imediato. Demorei para que Cleci tivesse tempo de sair da cozinha; achei mesmo que não estivesse mais lá. Mero engano. Inclusive, esteve mexendo na mesa. Fiquei preocupado com a possibilidade de sua memória curta ter surtado de novo e ela ter temperado aquilo com vinagre. Fui até o prato e cheirei as folhas por cima. Pensando bem, é A alface, mesmo. Ela me viu cheirando-as e comentou, é claro.
- Não é bom o cheiro de alface sem agrotóxico?
Me perguntei sinceramente se ela pensara realmente no que falara. Cheiro? Aquela coisa não tinha nem gosto, e eu só acredito que existe porque é verde! Como pode ter cheiro? Além do mais, me perdoem os roceiros, mas não acredito que agrotóxico tenha odor! Ah, Cleci! Tenha dó!
- É bom o alface da mamãe, né? - continuou Cleci. Agradeci por minha mãe estar longe, pois certamente iria rir quando visse minha promessa descumprida. A despeito disso, não consegui me conter de raiva.
- Cleci, pelo amor de Deus, é só uma porcaria de alface! Parece que eu tô comendo um ET! Por que tu faz tanto caso por eu comer alface?! - e a voz foi subindo - Assim eu vou parar de comer essa merda, daqui a pouco!
Ela parou totalmente ofendida. Assustei-me; dificilmente ela considera uma crítica! Será que funcionou, mesmo? Mas não era tempo de se arrepender, afinal, meu objetivo fora cumprido: ela não ia mais me encher com os alfaces. Apesar disso, comi muito mais rápido do que o de costume e ia saindo. Ao levantar, encontro minha mãe subindo a escada. Certifiquei-me que não havia sinais de alface no meu prato. Comi o último pedacinho sem sabor. Após, cumprimentamo-nos, e julguei que podia sair então. Não antes, é claro, de uma última pérola doméstica, saída quase que aos sussurros:

- Teka, faz dois dias que ele tá comendo alface...

terça-feira, 9 de junho de 2009

O McEscravo

É o seguinte: Se alguém aí é nojentinho(a), fresquinho(a) ou ainda não almoçou, nem comece a ler, entendido? Como sei que meus 3,3 leitores não se enquadram nesse perfil (ou se enquadram mas gostam tanto de mim que não darão bola), não me preocupo em relatar veridicamente uma rápida passagem do meu dia de HOJE.

Primeiramente, peço perdão (se esta palavra lhes cabe) pela inconstância nas postagens. Há dois fatores que culminaram concomitantemente na minha demora: a consciência pesada e os estudos pesados. Quando um ocorre, inibe os efeitos do outro, e deixo-vos às vossas reflexões enquanto inicio a aventura lucassiana de hoje.

Deus que me perdoe, se ele quiser, mas há muito tempo que venho pensando em um post para este brilhante título (se a modéstia me for faltante) e nunca achei nada à altura: quando criei o Tenha Muito Cuidado, a primeira ideia era justamente descer o cacete no Mc Donalds, até porque havia ocorrido um outro fato àquela época tão desagradável quanto este, mas que não pretendo vos contar.

O que acontece é que eu vivo numa relação de amor e ódio com... bem, com esse Nome. Não digo com a empresa e nem com o produto, justamente porque apenas amo o produto, mas ODEIO MUITO TUDO ISSO. O Mc Cheddar é, literalmente falando, uma iguaria perfeita nas mãos sujas de uma Multinacional sanguinária e incompetente! Minhoquenta! Ignorantona! AAAAH, CANALHA!

O McDonald's é o boteco mais famoso do mundo. E sabe tão bem disso, que se aproveita - e abusa de seu poder sob os países recém-ianquezados. Aumenta o preço uma vez por mês (oscilou R$ 5,00 nesses últimos dois anos; sei disso porque experimentei o primeiro McCheddar há dois anos). Arrependo-me da primeira borrifada de gordura amarela que ingeri, mas foi o bastante para que eu viciasse perante aquele pão gosmento, aquele bife seco e desidratado e, principalmente, aquele amontoado de cebola crua e amarronzada. AI! E sabedor disso tudo, senti-me diante daqueles impulsos pré-óbito que tanto me aflingem, e concluí que poderia ser a última alegria de minha vida comer aquele sanduíche de minhoca (não me corrijam). E fui.

Entrei lá e a fila era quilométrica. Havia uma McEscrava limpando o chão, em que alguém já derramara R$11,25 em mercadoria e saíra infeliz e arrependido. Cada batatinha daquelas custava ouro, e não me admira o dia em que os pedintes vão-se esmolar por McDonalds. O que aliás já aconteceu uma vez comigo: um menino de rua veio me pedir dinheiro na fila desse lugar para "comprar um lanche", palavras dele. Eu não pude acreditar. "Meu, por que tu não procura um lugar mais barato pra comer?", mas ele não respondeu. Senti-me um crápula americanizado. Mas fui sincero, fazer o quê? Hoje, no entanto, só havia a fila e a sujeira no chão.

Uma outra McBoba veio me indagar sobre meu pedido, e eu lho disse, mas ela não anotou nada. É, ela me ignorou, sim, me ignorou e foi tratar de assuntos pessoais com um McAmigo. Esperei atentamente minha vez na fila interminável de pagamento-e-retirada (eram duas em uma). Enquanto isso, um espaço vazio me chamara atenção num dos cantos do balcão. Perguntei àquela segunda McBobinha por que não havia ninguém naquela fila, e ela me respondeu sem vontade: "é pra cartão". Preferi calar-me, era cedo.

Chegara minha vez. Portava um casaco enorme, um guarda-chuva, uma mochila pesada e um pacote frágil nas mãos, ou seja, não posso dizer que estivesse confortável. Pois bem, chegou minha vez e já estava com o dinheiro na mão. É exatamente o preço líquido da minha passagem de ida+volta, que, por suas vezes, custam o dobro de passagens de ida+volta de qualquer outra pessoa normal e feliz. Segurei, além de meus apetrechos, e ergui a nota até próximo da McInfeliz, mas ela preferira conversar com a Mc'Oitada do lado (legal esse último, né?), falando algo sobre Confete, ao que esta a corrigiu: "confete, ou confeito?" e gargalharam, no melhor espirito obesoamericano, e a minha atendente retrucara: "Meus sobrinho falam Confete, então eu falo confete mesmo, não tô nem aí" e meu sangue já passava dos 100ºC em cada artéria do meu corpo, e algo escapou ao meu superego: "Tá bom, 'Confete', posso fazer meu pedido?" e ela: "Só um pouquinho". Ficou parada fingindo se ocupar com dinheiro, ou papel, não sei, mas com certeza nada importante, somente mais uma forma de se vingar de um McPalhaço rebelde. Depois fiz o pedido.

- Número 4.
- Cheddar? - quase respondi "não, eu quero que tu faça um número 4 com os pés, pode ser?", mas ainda era cedo.
- Sim, Cheddar.
- Bebida? - eu quis responder "não, prefiro em sanduíche mesmo", mas talvez ela e vocês não entendessem, e era cedo.
- Coca.
- Coca? - fiz que sim com a cabeça e respondi "coca" bem baixinho. Acho que não foi suficiente para a McFilhaDaPuta, que fez um "hãn?" forçado, aproximando o ouvido da minha boca seca de raiva. Se fosse limpa, morderia a sua orelha como sinal de indignação.
- SIM, Coca-Cola!
- Ok, pode esperar ali na fila do lado. - ela quis dizer "dê meio passo ao lado". E foi o que fiz.

Subi com dificuldade, pedindo licença como último sinal de educação. Cheguei fatigado ao segundo andar, que estava lotado. Rezei para que o terceiro não estivesse. Enquanto subia, uma mulher descia, o que me deixou feliz, já que ela não trajava as magníficas roupas do Ronald. Que alias, cairiam muito bem nos McEscravos. Casualmente, o lugar de onde ela saíra era o pior. Mas não esperava mais, mesmo. Botei todos os apetrechos na cadeira única e sentei-me, colocando a bandeja naquele plástico amarelo e laranja. O som do momento era da Rádio McDonalds. Perguntei-me o que levou alguém a criar esta rádio, mas entre os intervalos das músicas não mais tive dúvidas. Mensagens subliminares nem um pouco sutis perfuravam meu ouvido, fazendo-me acalmar e saborear o momento como se fosse, de fato, bom. Ah, safados! Ah, ignorantões!

Quando comecei a saborear o doce pão-com-graxa, senti o primeiro prazer desde que entrei naquele ambiente brasileiro. Digo isso porque aquilo é muito brasileiro. Senti o sabor do fast-food americano, bebendo uma bebida americana, o cheiro e a bandeja americana, o humor infanto-americano num folheto que a forrava, guardanapos, canudo e copo americanos, mas quando olhei ao meu redor... brasileiros. Raças, cores, cheiros, formas, classes sociais: eram McBrasileiros! Todos! Inclusive eu!

Comecei a sentir um nojo inexplicável. Maldito produto corrupto, americanizado. Por que não mereci ser bem tratado quando optei por enfiar essa torrada pastosa no meu estômago? Por que tenho certeza que, na terrinha de origem, todos são muito bem tratados e gozam dos prazeres daquele ambiente, do cheiro, de tudo? Só porque não sou obeso, tampouco rico? Porque vivo entre subdesenvolvidos americanizados, é isso, senhor Ronald? É isso, seu palhaço capitalista?

Enfim, quando conclui aquela McMerda, mesmo saboreando-a, estava possesso. E, se há alguém que me conheça melhor que eu mesmo, saberia que isso pode ser ruim, seja para quem for, mas principalmente para mim mesmo. Era hora de agir com mais um Protesto Silencioso: o McProtesto.

Eu ando numas ondas de Protesto Silencioso, invenção minha, creio, mas nem sei quando nem como essa cadeia auto-terrorista teve seu início. Lembro-me dos poemas em agradecimento aos banheiros, que constantemente registrava em suas próprias paredes, mas isso acabou quando percebi quão volúveis eram meus longos poeminhas a lápis.

E por falar nisso, desci ao segundo andar, único banheiro do prédio. Não ia fazer um McPoemaFeliz, não, queria protestar silenciosamente, algo que só eu e Ronald, o palhaço onisciente, soubéssemos. Encontrei um sujeito que conhecia de vista próximo ao banheiro, e percebi o quanto ele se aproximada do McPerfil. Não o cumprimentaria em outra instância, mas agora vinha a McCalhar.
- E aí, meu guri! Pô, já que te conheço vou deixar minhas coisas aqui contigo enquanto vou ali no banheiro...
- Tá ok, pode deixar - disse aquele rosto gordo, enquanto ruminava um McBoludo inteiro.

Fui até o banheiro. Não havia ninguém. Dei descarga pois alguém havia urinado em uma das patentes, e...

(o que vocês acham que eu fiz?)

...e provoquei um indignado McVômito. Vomitei tudo que pude, até a coca-cola, cada batata e cada torrão de sal. Ora, se estás arrependido de ter chegado a esta parte, saibamos que eu avisei, embora já tivesses te esquecido (e depois sou eu que sou esquecido). Meu protesto silencioso estava concluso. Mas um sardento McEscravo me contemplou ao sair do boxe e ir para a torneira do McMinúsculoBanheiro.

- O senhor tá legal? - e eu pensei em ignorá-lo, ou pedir para que definisse "legal", afinal ele sabia que eu recém tinha regurgitado R$ 11,25.
- Aham, tô. - e tentei sair, mas ele insistiu.
- Se o senhor quiser, a gente tem um remédio pra estômago ali dentro - disse sem apontar para onde, e já imaginei que o remédio fosse um enorme BigMac escorrendo uma pasta de gordura de porco frito.
- Não, não, tô bem, cara. Valeu. - tentei sair de lá, mas quando me aproximei da McPorta...
- Foi o sanduíche? - de fato, foi. Mas não como ele pensara. Foi o estopim: já estava tarde.
- Não, não é o sanduíche, é quem prepara ele. - pensei em continuar, mas, poxa vida, era só um McEscravo e era o PRIMEIRO que havia se preocupado comigo. Pobre sardento. Saí enquanto ele ria assustado, quase que concordando.

Agradeci ao gordo semi-conhecido e fui embora, bem mais aliviado do que quando entrei. Ao atravessar a rua, contemplei um M amarelo e arredondado; foi quando me perguntei por que Ronald não é obeso.