quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Escambo em Porto Alegre

A pergunta que eu deixo no ar é: quanto vale o seu suquinho?

Porque foi assim que me indaguei hoje, há três horas atrás, quando esperava o Semi-Direto para Viamão, sentado na João Pessoa com o meu tradicional suco de laranja do Zaffari numa sacola ao meu lado, no chão. Eu já enjoei desse suco, tanto o ingeri, contudo não o informei disso ainda, e sabem como é árdua a desilusão material. O litro que (literalmente) devorava em cinco minutos - coitado - agora dura várias horas, a menos que...

A menos que apareça um malandro e peça um gole. O que eu poderia fazer? Ele se aproximou tão depressa que sequer teria tempo de sacar minha Arma-Laser, que se encontrava no bolso da mochila sobre meu colo. Mal pude notar aquele ser esguio com seu boné lateral e com suas roupas aleatórias, provavelmente emprestadas, visto que representavam o dobro de seu tamanho. Na mão direita, trazia consigo uma mochilinha de mão, o que me deixou (não sei bem por quê) menos desconfiado. Ele, ao menos, foi direto ao ponto (qualidade assídua a um malandrinho):

- Ô maluco, me lança um gole desse teu suco aí...

Eu, na hora, sentado e indignado (já que os últimos dois Diretos passaram reto, ignorando-me), não esperava tal gaitada; de alguma forma, ainda tive a sorte de raciocinar rápido, relembrando minha teoria de linguagens: "o melhor meio de se comunicar com um indivíduo é falar o seu idioma". Além disso, a cunhada imigrante do meu amigo Paulo me ensinou um conhecimento precioso, que vale por anos de artes marciais: o fator surpresa (certa vez, ela percebeu que seria assaltada e desceu do carro dançando e cantando"meu pintinho amarelinho" aos berros). E, após esses segundos explicativos, botei tudo em prática num escape - modéstia à parte - maravilhoso.

- Bah, de repente eu troco, ?

A idéia era fazê-lo pensar que eu queria drogas, para que ele se intimidasse com minha audácia e/ou desistisse simplesmente, caso fosse uma boa alma trajada de Bad Boy perdido na Jopê às três da tarde. Logo após me pronunciar, ambos ficamos surpresos: eu, por ter conseguido botar meu plano em prática (muito precipitadamente), e ele por eu não ter dito "sim" ou "não", o que o levaria à simples decisão de tomar o suco, ou me esfaquear e após tomar o suco, respectivamente. Chegamos a um certo diálogo que nunca dantes fora posto em prática naquele metro quadrado na história deste país; como, porém, concluí-lo?

Ele falou algo sobre "tá ligado esse calor " e foi abrindo a mochila. Eu gelei, mas não tanto, porque estava dopado com três comprimidos de propranolol, haja vista tinha acabado de tomar posse na prefeitura de Porto Alegre, conhecendo meu futuro chefão. Meu sistema simpático medular não reagia como eu queria, e sequer pude levantar, porque, de fato, não estava assustado. E, realmente, ele não tirou uma faca ou um revólver da mochilinha, mas...

- Tá na mão... - disse sussurrando e estendendo-me o braço com cautela. Eu não podia acreditar naquilo: o cara me passou um baseado. Eu quase tremi, não fosse já estar "drogado"; tentei dizer que era brincadeira, mas as palavras não saíam... murmurei algo do tipo "não precisa", mas ele fixou os olhos no suco, como se eu tivesse a intenção de enganá-lo... então peguei a sacola do suco e passei-lhe com pouca consciência, ao passo que ele me dizia uma provável saudação de despedida, que eu - "na minha época" -, usava para outro aspecto:

- Tá ligado , tá na tua, tá na tua... é só chegá!

E saiu com a metade restante do meu suco em mãos. Eu ainda procurei alguma mulher por perto para tentar no mínimo compreender um pedaço da frase dita, mas só vi um senhor meio afastado que não percebera absolutamente nada. Depois de várias tentativas, acabei concluindo que "tá na tua" significa "se precisar de mais um" e "é só chegá!" significa "é só chegar". Agora era uma boa hora para pensar o que fazer com um baseado em mãos.

Antes de mais nada, analisei-o, menos por curiosidade do que por confirmação. É claro; e se eu tivesse sido enganado? Ri para mim mesmo quando percebi o que estava fazendo, conferindo aquilo como se fosse consumi-lo. Percebi que o papel era envelhecido e duro e ainda portava algumas escritas nele, o que, concluí, era sinal de qualidade ruim, tendo em vista a não-transparência do objeto (estou certo?). Não fui capaz de desenrolá-lo;

Com um certo receio de deparar-me com um agente do FBI (quem sabe aquele velhinho...?), cheguei até a lixeira laranja mais próxima e picotei a droga para que um mendigo doidão não viesse a usufruir dela mais tarde. Sentei com um certo cheiro herbívoro nas mãos, o que me incomodou um pouco, mas não pude fazer nada. Assim que me peguei refletindo novamente sobre 'como postarei isso no blog sem parecer irreal', uma dúvida circulou meus ouvidos como uma pulga pombalística:

Será que ele não saiu no prejuízo?

domingo, 20 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal: Nunca Mais Vou Dormir


Não consegui pensar em outro título para minha primeira crítica cinematográfica. E tampouco me agradaria fazê-la aqui, num espaço tão íntimo, no qual agrego minhas idéias e meus acontecimentos corriqueiros...

Mas quando me dei por conta, à 1:30h da madrugada, que o filme ao qual eu assistira havia mais de 3h AINDA ME CAUSAVA CALAFRIOS, percebi que merecia não só um lugar no meu blog, mas um blog inteiro para ele.

O maior problema do filme não é o fato de ele ter sido feito para parecer o mais realista possível. É o fato de ele SER o mais realista possível, ao ponto de considerarmo-nos parte deste, inclusive após chegarmos em casa, ou até pela manhã, ou em qualquer momento em que estejamos sozinhos...

Certa vez, acompanhando uma entrevista do famoso escritor contemporâneo Milton Hatoum, no Plaza Hotel, ouvi dizer de sua boca (obviamente, e não dos seus ouvidos) que o melhor livro de mistério é aquele que não revela ao leitor o que ele aguarda mais do que tudo, mas apenas sugere-lhe. O grande truque de Atividade Paranormal é a dispensa dos velhos e ultrapassados monstros-de-terror, aquelas criaturas que assustam mais pela cara do que pelo caráter. Se o teu conceito de terror é passar horas aguardando o personagem principal ser atacado fisicamente pelo "grande monstro", seja ele um mascarado rejeitado quando criança, ou um boneco falante mesmo-sem-pilha, é melhor assistir logo esta obra de arte. "Ah, Lucas, então se trata de fantasmas, é?". Quem dera, amigo, quem dera fosse um fantasma tosco o motivo de eu não dormir noite passada. Não, o segredo do filme é que nem mesmo a turma do Gasparzinho faz parte do elenco.

Quando eu assisti a "O Exorcista", lembro-me muito bem do medo que senti. É algo que cessa quando o padre chega, quando a porta do quarto se fecha, quando a cena muda. É algo que está direta e dependentemente ligado aos quilos de maquiagem despejados na cara da pobre menininha. Não é isso que verás em A.P. Também lembro-me de Sexto Sentido ("mas não é terror!"), é sim, seu hipócrita. Nem mesmo aquela parte da mulher de pulsos cortados perseguindo o piá, ou a vomitadeira na barraquinha, ou o guri sem cabeça mostrando o esconderijo da arma do pai, nem mesmo essas cenas podem fazer-nos sentir tanto pavor quanto o oculto e subentendido truque desta magnífica obra, cujos atores e diretor são TOTALMENTE inexperientes em se tratando de carreira cinematográfica, e cujo preço não passou de 11 MIL DÓLARES. Sabem o que isso significa? 11 MIL DÓLARES! É quase o preço de um Corsa velho! Não é à toa que aquela máxima sempre predomina: a maior beleza está nas coisas mais simples. Quando fores assistir, verás que não há de ser diferente.

Atividade Paranormal se destaca porque o quê de terror que sentimos se inicia nos primeiros minutos e não cessam após terminar o filme. E não precisaram de caretas, de máscaras, de serra-elétrica, de jovens bruxos alternativos ou de uma máscara do pânico para nos deixar em pânico (aliás, o próprio Jason se borraria nos cinemas do inferno). O medo está no simples fato de não haver algo para culparmos, não haver soluções para cessá-lo. É como penso sempre: basta um homem-bomba para mandar o menino Jason para o inferno de vez, ou para explodir a menina do exorcista... basta um facão de cozinha para arrebentar o focinho do Chucky, e uma arminha de chumbinho seria o suficiente para afastar os zumbis de Resident Evil (é assim até no vídeo game, pô!). Mas o que fazer quando o perigo não é palpável? Sequer mensurável? Eis o que sentirás no cinema nas próximas noites de dezembro.

A minha idéia brilhante foi a de ir acompanhado de minha namorada e de minha irmã. O que me fez parecer um covardão, porque, dos 5min iniciais do filme até eu pegar no sono, se alguém encostasse o dedo em mim eu ia sair gritando com as mãos para cima. E pela noite - até vergonha me dá -, quem me consolou antes de dormir? Bom, isso fica a critério de vocês.

Amigos, para quem quiser assistir ao filme, não se preocupem que não vou contar o fim, apenas uma síntese breve do enredo: um casal de namorados moram sozinhos, sendo que a mulher convive com uma entidade que a persegue desde criança. Para tanto, o namorado resolve comprar uma câmera (a mesma câmera usada no filme do início ao fim) e filma tudo que acontece, principalmente nas noites em seu quarto. O resultado disso é o medo mais ocultista e apavorante que já senti na minha vida, com o qual terei de aprender a conviver (esta noite, que será a primeira que passarei sozinho...)

Assim que o filme acabou, todos os 15 humanos dentro da sala estavam ainda trêmulos. Uma música estranha começou a tocar no cinema enquanto a tela escureceu, e as luzes acenderam normalmente... mas não totalmente. Logo começaram a piscar, e a música parou. Quando o telão obscuro, no silêncio mórbido, resolveu piscar também, todos nós quinze começamos a correr até a saída, numa corrida apavorante pela vida que jamais esquecerei. Ris? Quero vê-los rindo depois de assistir-lhe.

A única conclusão que posso extrair disso tudo é a seguinte: se tu já vivenciaste um incêndio no prédio em que moravas, tendo de se jogar numa rede de bombeiros para salvar a tua vida e a vida de teu filho e a de mais três filhotinhos de cachorro, NÃO TENS A MENOR IDÉIA DO QUE É SENTIR MEDO! O que sentirás nesta película não se baseia em medo ou susto - isto aliás se é dado em pouquíssimos momentos -, mas sim PAVOR, aquele que torna até tuas fantasias mais infantis em HORROR, em INFERNO, em TREMORES NEFASTOS.

E tenho dito, até porque uma lição é bem dada no filme, e pude finalmente entender o alívio que Harry Potter sentia ao dizer "Você-Sabe-Quem" no lugar do nome macabro. O meu quarto possui um teto de gesso que dilata durante o dia e retorna à noite, fazendo barulhos tão intensos e ocos que, até ontem, me pareciam tão naturais...

...ou sobrenaturais?

(droga, agora é que não durmo mesmo)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Great River Revisited

(by Lucas Pessoa)

Havia duas semanas que preparavam tudo para mim. Eu sou do tipo que gosta de organizar as coisas não na última hora, mas nos últimos dez minutos, e não foi diferente: faltavam alguns minutos quando comecei a arrumar a mala para Rio Grande.
E tudo que eu fiz foi jogar alguns livros e algumas cuecas dentro de uma mala grande, a qual sequer precisei procurar. Tudo pronto. Apesar de minha mania de simplificar tudo, não podia ser diferente: havia uma pressão de 10atm sobre minha cabeça, meu querido tio me ligando a cada cinco minutos. "Documentos?", "sim, tio". "Que horas é a prova?", sendo que ele já o sabia muito bem. No entanto, sua preocupação foi e sempre será muito bem-vinda, além de engraçadíssima.

Mas infelizmente alguém próximo de mim possuía um dom incrível de pisar fora do quadrado: sua irmã (ou minha mãe, se preferirem). Para tanto, um flashbackzinho cairia bem:

Em 2008, segundos antes do vestibular, tudo estava pronto, até que, antes de descer do carro e entrar no colégio, minha mãe me convenceu a tirar o documento da carteira e levá-lo solto. Resultado: perdi a carteira de identidade e só fiz a prova porque estamos no Brasil.

Voltando aos dias atuais, mais precisamente no sábado, antes da viagem... eu já havia dito que iria de bermuda, e não de calça. No bolso da bermuda já estavam o celular e toda a quantia de dinheiro necessária para a passagem de volta + táxi até a FURG + alimentação. Eu já havia dito mesmo que não ia tirar a bermuda, mas ela me convenceu na última hora. Resultado: esqueci o celular e toda a grana, só percebendo isso depois de 40min de Porto Alegre, quando pensei em ligar para eles. Passaram a semana inteira me avisando para levar o carregador de celular, o qual eu levei, mas uma coisa é certa: não me avisaram para levar o celular em si.

A viagem foi tranquila e rápida. Senti-me bem menos perdido quando, ao chegarmos nas periferias de Rio Grande, o meu companheiro de poltrona resolveu abrir a boca pela primeira vez para perguntar se já havíamos passado pelo bar do GRILL, que ficava a duas horas e meia dali PARA TRÁS. Mal pude responder e a TV ligou-se, passando um filme breve e inspirador sobre as belezas naturais da cidade de Rio Grande. Foi a parte mais engraçada da viagem: olhando para a tela e, após, para a janela, nem mesmo um nativo diria que era o mesmo planeta. Preferi olhar só para a tela e imaginar que era tudo como o motorista me mostrava.

Ao chegar, ao menos, havia uma amiga do meu tio me esperando, a qual já sabia de tudo, me emprestando seu celular e o dinheiro necessário. A mesma me disse que, caso quisesse algo, era só procurar o CANALETE, que seria um lugar com um riacho no meio e calçadão por volta. "Lá é o point de Rio Grande!", disse ela. E eu acreditei.

Passei horas procurando o canalete no primeiro dia. A ideia era procurar uma Lan House. Fui para o lado errado, mas como toda cidade pequena, sempre há alguém cujo hobby é orientar. Sequer lembrando o nome do local, perguntei por um riacho com calçadão para um segurança, que logo me disse que haviam dois. Fiquei constrangido quando completei com "bares", e ele me indicou que estava a umas 10 quadras, e já era noite, então apressei o passo. Na rua, só havia um cão, ao qual pedi gentilmente que me levasse ao canalete (é sério), mas ele me encarou com uma baba escorregando - o que compreendi por "odeio turistas". Segui em frente ansioso pelo point da cidade. E cheguei.

Quando dobrei a rua e vi o tal riacho, numa imitação barata da av. Ipiranga, tive que rir. Era sábado à noite, quase 22h no point da cidade, e olhei para os dois lados: não havia sequer um cão.

Aproximei-me do riacho e vi uns girinos à luz da lua. Compreendi o significado de point ao me deparar com as milhares de cabecinhas pontiagudas desses animais. Segui caminhando em linha reta até pensar em desistir, e umas cinco ou seis quadras adiante encontrei o primeiro (e único) bar, que perde até para a decadente PETISKERA viamonense. Foi quando ri comigo e voltei pelo lado oposto da rua, pensando "imagina só, e eu querendo encontrar uma Lan Hou...." Dei-me de cara com uma placa: Lan House.

Dentro desta, havia apenas 3 sujeitos. Pedi 15 minutos, só queria ver o site da FURG. Um destes retardados, penso, só devia ter um amigo, com o qual falava em uma conversa de áudio AOS BERROS E GARGALHADAS, o que me incomodou ao extremo. Saí antes dos 15 min acabarem, extremamente arrependido dos meus 50 centavos mal investidos. Perdi-me na volta, o que não necessariamente significa que tive dificuldades para chegar em casa. Todas as ruas do centro de Rio Grande convergem para uma espécie de miniatura de Redenção, praça cujo nome não sei até agora. De lá, achei o apartamento no qual estava (sozinho, abandonado e infeliz. Chorem por mim.).

No dia seguinte peguei uma bicicleta e fui pedalar, depois de cinco anos de abstinência. Onde? No canalete, é claro. Ao chegar, notei que as mesmas pessoas caminhavam nos mesmos locais numa frequência de alguns minutos. Não mudava, mesmo, pura ilusão. No entanto, para ver algo diferente, abusei olhar para o outro lado da rua (aquele por onde voltara no dia anterior), e vi uma cena incrivelmente alternativa: um cachorro de cadeira de rodas. Sem comentários.

Pouco adiante, me debrucei na janela de uma igreja evangélica e acompanhei um grupo de velhinhos cantando Gospel. Achei demais, em que pese suas constantes desafinações.

Pela noite, no domingo, sentia-me muito isolado no apartamento, muito mesmo. A sorte era que a amiga de meu tio havia me emprestado o celular.

Não demorou muito: a bateria acabou e eu fui Canaletado.