domingo, 24 de julho de 2011

O Pessimismo Como Autodefesa

Se há algo de mais questionável nessa mania caricata da espécie humana de atirar-se a fundo em dilemas existenciais (profundos como uma picada de mosquito) é o pessimismo, que, por ser de estirpe intelectual, dá ao pessimista uma falsa ilusão de soberania - a definição literal de soberba.

A insatisfação provém, em vias paradoxais, principalmente das mentes mais saciadas, cuja única indigência orbita em torno da culpa e da consciência de classes. Essa amargura raramente é canalizada a esforços significativos de mudança. Não obstante, o mesmo acerbo que desgasta a treinada mente pessimista costuma acarretar o sarcasmo cru e negativo, a ironia autoafirmativa, a discordância esportiva - grupo que, numa mentalidade sábia e jovial de classe média, dá espaço a comparações insólitas e muitas vezes sem sentido, que, quando cospidas de uma boca influente, acabam sendo aceitas e por muitas vezes tornam-se a verdade absoluta.



 O fato é que a mania de jurar-se insatisfeito diante de uma piscina de rosas é muito confortável. Negar o segundo copo d'água é sempre muito mais fácil do que pedir o primeiro. Não importa se a visão que nos desconcerta é a de um mendigo comendo lixo, ou a de uma criança doente passando fome: a maneira mais fácil de virar-se contra isso sem mover um dedo sequer é ser pessimista. Quando a culpa é transposta para as "forças emblemáticas do acaso", grande parte dela deixa de ser nossa - ou parece deixar. Mais confortante que isso, apenas ignorando-se nosso meio integralmente, o que só é plausível para deficientes intelectuais. Eis o meio mais curto de alcançar a felicidade em contraponto com o mais complexo. O pessimista, na verdade, é um frágil - tão frágil quanto seu objeto de revolta -, e dentro de sua fragilidade emocional há uma necessidade absoluta de se autodefender tanto das pessoas que coexistem em seu grupo social, quanto da própria razão de sua culpa exacerbada. 

"(...) Essa felicidade que supomos, árvore milagrosa que sonhamos, toda arreada de dourados pomos, existe, sim, mas nós não a alcançamos; porque está sempre apenas onde a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos." - Vicente de Carvalho (Felicidade).