segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Aventuras em Mato Fino


Para facilitar a compreensão da história - que se fez longa - dividi-a em algumas partes.


PARTE I - A Busca Fracassada

Domingo, às 14h, meu comparsa Paulo Barradas apareceu à minha casa com uma bolsinha e um bastão. Não é o que parece: era a máquina fotográfica e seu tripé, respectivamente. A idéia havia sido dada havia menos de meia hora atrás, e baseava-se em visitar um velho lugar extremamente rural onde morei há dez anos atrás, um local chamado Mato Fino, ou Morungava, a uma hora e pouco de Porto Alegre, mas a 50 minutos de minha casa. Apesar da proximidade, é o ambiente mais bucólico no qual já estive pisando.

Armados de uma mochilinha com bermuda, toalha e cueca reserva (nunca se sabe), uma garrafa d'água, um binóculos, uma máquina e um facão gaudério de abrir o bucho, chegamos sem muita frescura ao meu antigo sítio, que ainda estava praticamente abandonado, e assim estaria até semana passada, quando alguma alma esperta o comprou e mandou-o reformarem. Lá, encontramos um tio afro-gaudério que nos recebeu muito bem (nos padrões gaudérios, claro), deixando-nos entrar na casa decadente, a qual estava reformando, e então observamos os cômodos, lembrando de como eram há dez anos atrás, o nascimento da germânica Layka, do falecido africano, Nestor, etc. Pedimos licença para estacionar o carro no terreno, pois havíamos deixado a velha camionete (sem espelhos e sem fechaduras) na estrada de terra batida e deserta, a alguns metros dali. Para tanto, perguntei ao velho gaudério até que horas ele ficaria ali, ao passo que pensou um pouco e respondeu com uma exata convicção: "até certa hora". Não rimos; não obstante, fingi ter entendido. "Ah, então tá certo. Vamos dar uma olhada no sítio e depois aparecemos aí", e o pedreiro concordou.

Estacionamos abaixo da antiga amoreira, que hoje é um pedaço de tronco velho e seco. Peguei a mochila, ele a máquina, mas deixamos a água. Fomos andando uns duzentos metros além da casa em reforma e chegamos no local onde havia uma velha casinha na qual morava o antigo caseiro do sítio. Achamos o lar destruído, sem aberturas, com vestígios de incêndio, em estado inabitável e, logo notamos, havia-se formado a verdadeira República dos Marimbondos no seu interior, com verdadeiras Cidades de Ferrões. Saímos logo antes que nos tomassem por invasores - o que de fato éramos.

A idéia inicial era achar uma cachoeira, a qual me lembrava a infância. Sabia que pertencia ao Palavra da Vida, uma instituição pseudo-religiosa que se resume a um acampamento europeizado de verão, com construções maravilhosas, quadras de qualquer esporte possível, catálogo de animais que habitam o local, paisagens naturais incríveis. No entanto, essa instituição era a dois sítios da minha, e eu queria entrar pela mata fechada, para ter mais graça. Após andarmos por muito, muito tempo, achamos uma estrada onde dois ou três guaipecas nos ameaçaram. Procuramos entrar em qualquer mato por volta até encontrarmos vestígio d'água. Quase uma hora de caminhada e apenas nos distanciávamos da casa, até que encontrei, olhando para o distante horizonte, a casa do meu antigo sítio novamente, mas olhando-me de frente, sendo que deveríamos estar indo para o seu lado esquerdo. Quando percebi a cagada, tentei falar o menos disso possível para não desmotivar o amigo Paulo, e resolvemos seguir por uma estrada muito estranha, de pedra velha, sem uma verdadeira razão. Entramos num corredor em depressão formado por árvores e galhos mortos, e logo encontramos uma vaca leiteira, quase explodindo. Não querendo problemas, seguimos por dentro de uma propriedade, e descobrimos que era a dos mesmos guaipecas de antes assim que estes nos ameaçaram novamente, a quase 1km de distância de nós em campo aberto.

Depois de vários metros de caminhada, completamente sedentos por água, ouvimos um barulho corrente, e logo senti o cheiro doce da água e assim o falei. Segundos depois, encontramos uma linda e pequena queda d'água numas pedras, o tal córrego, que certamente estava ligado à preciosa cachoeira. A questão era: para qual lado? A montante, haveríamos de seguir muitos quilômetros até achá-la. A jusante, jamais a encontraríamos. Conhecimento inacessível até então, e, portanto, seguimos o caminho de volta, com mais sede impossível (Paulo não me deixou beber a água do açude pedroso). Ainda num ímpeto de aventureiros, resolvemos avançar em uma bifurcação pelo caminho menos provável, até encontrarmos uma manada de vaca gorda. Elas basicamente nos cercaram, sobrando apenas uma direção para fugir - atrás de nós. Ficamos tensos por uns minutos, já que TODAS nos olhavam desconfiadas, totalmente paradas. Senti-me uma gazela mais uma vez (vide o primeiro post deste blog) perante uma horda de leoas famintas por minha carne suculenta. Uma delas devia ser o touro, porque cansara de ficar nos encarando e começou a avançar lentamente. Eu gritei "CARA, ELA TÁ VINDO ATRÁS DA GENTE!" e começamos a correr. E o touro atrás (experiência única). Por sorte, éramos sortudos.

Antes de voltarmos totalmente, ainda desviamos o caminho em busca de um barulho aquático que ouvimos, e acabamos encontrando um verdadeiro corredor de pedras pelo qual passava a mesma água anterior, mas em bem maior quantidade. Não me contive, quis entrar e convenci o Paulo, que, contrariado, aceitou. Vesti uma bermuda (estávamos de calça), tiramos os tênis, meias e entramos. Assim que descemos da rocha-mor, pela qual a água transparente corria, o solo arenoso aterrou-me até a altura do joelho, fato que me rendeu suspiros de medo. A idéia de seguir o córrego por dentro dele não daria certo para nenhum dos lados, e não tardou para que subíssemos para o solo novamente.

Assim, voltamos para a estradinha abandonada e em alguns bons minutos chegamos de volta até o sítio onde morei, no qual estava estacionado o "carro". Os goles da água esquecida, em que pese o sabor de mortadela da mesma, foram os melhores que já tomei (até chegarem ao estômago, pois logo começamos a nos sentir meio mal com o sabor acentuado).

Despedimo-nos do velho pedreiro gaudério, entramos na camionete despedaçada e, entre voltar para casa e ir "pedir arrego" pela porta da frente da Palavra da Vida (já que não fomos capazes de invadir o terreno deles e encontrar a cachoeira por nós mesmos), decidimos por esta última opção.


PARTE II - O Retiro Do Senhor

Entramos cabisbaixos, sem crença e nem descrença, passando por diversas casas muito bem confeccionadas, que lembravam um condomínio germânico. Fomos entrando lentamente, passando por todas as casinhas, por pessoas recessivas e por quadras de esporte, por árvores de todos os tipos... até a estradinha do sítio terminar, e então estacionamos no gramado. Antes de descer do carro, o combinado: o Paulo era sueco e estava fazendo um intercâmbio aqui. A explicação para estarmos invadindo o local era porque éramos biólogos e estaríamos fazendo uma espécie de pesquisa. Ninguém duvidou de nenhuma das informações; aliás, Paulo foi extremamente bem recebido por ser um estrangeiro tão excêntrico.

Um jovem de 22 anos nos recebera assim que descemos do carro. Ele era uma espécie de guia-voluntário, como todos que lá estavam. Admirou-se também do sueco Paulo, mas não falava inglês (estávamos nos comunicando em inglês para tornar a coisa mais realista). O guia foi extremamente simpático e nos levou, mesmo em seu horário de descanso, para conhecer todas as trilhas possíveis que levavam à cachoeira.

A cachoeira era linda, magnífica.

Após, atravessamos a queda d'água em "cordas baianas", segundo Barradas, que são dois cabos paralelos, sobre os quais caminhamos em um e nos seguramos em outro ao mesmo tempo. Ótimo programa para um domingo de Janeiro. Ele ainda queria nos mostrar uma caverna, e trilhas diferentes, mas eu comecei a dar desculpas trás desculpas e ele compreendeu que era hora de voltar. Fomos de volta ao "acampamento" deles, e ele nos mostrou tudo: todas as quadras, o ginásio musical, o local dos catálogos de répteis e anfíbios, as pessoas que lá passavam a temporada...

Então ele nos apresentou alguns estrangeiros. Disse que havia diversos americanos lá, dentre eles conhecemos o Jackson, um simpático afro-descendente "from Georgia, far away from New York", segundo o próprio. Ao chegarmos, curtia o seu rap yankee com uma vassoura em mãos (corrija-me Paul) e logo fortalecemos uma prosa bacana.

Após, passamos um tempão com um outro grupo, no qual havia um alemão (para a minha alegria) que acabou não gostando de mim (para a minha infelicidade), ou seja, não pude praticar mein Kaputt Deustch, e bem que tentei, mas ele me ignorou TOTALMENTE. O fato era que o Paul from Sweden chamava muito mais a atenção, e até eu comecei a admirar esse estrangeiro viamonense. Mal sabia eles que o guri entendia tudo, inclusive quando perguntaram para ele se ele queria ver a cobra do monitor, e ele não pôde rir. Tão logo mostraram-nos uma cobrinha muito simpática, chamada Sofia, que passava de mão em mão e não atacou ninguém.

Uma guria de uns 14 anos, alta, desengonçada e meio mangolona estava totalmente caidinha pelo Paul. "A Suécia é liiinda!" "Want a picture?", "Que legaaal!" dizia excitada para o pobre branco. Como rimos, após.

Despedimo-nos às 19:30h, quando o sol apontava fraco e a janta deles estava quase pronta. Até pediram-nos para os acompanhar, mas disse que não, que devíamos partir. Agradecemos a todos e fomos embora.

A despeito de meu sueco amigo ter-se sentido injustamente em processo de conversão religiosa, não posso dizer o mesmo: em todas as boas horas que passamos junto do grupo, nas trilhas, conhecendo o local, vendo catálogos, pegando a Sofia na mão (a cobrinha simpática), observando a cachoeira, enfim, em todo esse tempo religioso, não ouvi uma "palavra da vida" sequer, tampouco vi cruz alguma, nem uma imagem santa, nem um padre ou freira, nem um "amém" ou um zumbido de reza posto fora. Nada. Pela primeira vez na vida, adentrei um local dito religioso e saí de lá impune, sem um sabor revanchista nos ouvidos, nem com a consciência afetada. Saí de lá sem sequer refletir na existência Dele, apesar de ter visto deuses por todos os cantos - deuses verdes, transparentes, marrons, deuses correntes, úmidos, azuis claros, deuses com linguinhas para fora e até deuses leiteiros.

Acredito que Palavra da Vida seja um nome inspirado muito menos na bíblia, do que no paraíso de que é dona, tal chácara especialíssima!


PARTE III - Nesta Data Querida

Hoje é aniversário da minha queridinha; dêem-na os parabéns, não esqueçam ;)
Te amo, amada! Obrigado por esses 21 anos (opa) 3 anos ao meu lado!


PS: A foto é do local, mas não é a cachoeira referida no texto, a qual é mais bela ainda.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Pernas ao Ar e Barriga Crescente

Para quem não sabe, estou funcionariando publicamente. Em que pese a sutileza do meu cargo, não posso dizer que fui muito bem interpretado logo de início, a pesar de que, ao entrar, já tive regalias absurdas, como meio turno de folga para estudo e uma semana de ócio pró-vestibular. Ainda que lhes pareça claro o motivo de minha recepção duvidosa, não é o que estão pensando; o fato é que eles adotaram um certo receio quanto à minha posição em relação às funções administrativas. Do que discordo; contudo, aceito. É bem mais conveniente aceitar.

E eu, de meu modo, tento reconstituir a má impressão que, por algum motivo, assumiram-me por primeiro. Ontem, por mais uma vez estar praticando uma atividade repetitiva (NADA), acabei na mesa do chefão, próxima à minha.

- Com licença; eu não estou muito ocupado ali na minha mesa, então queria saber se o senhor não precisa de alguma coisa.

O ex-militar olhou para mim sob o seu bigode cultivado e, pensativo por uns instantes, concluiu:

- Tua função é ajudar o colega ao lado.
- Mas o colega não está precisando de ajuda no momento...
- Ah... então... então verifica aqueles processos ali - apontou-me para uma prateleira com dez pilhas enormes de processos administrativos - e, caso algum não esteja corretamente numerado, me avisa.

Um frio na barriga tomou conta de meu corpo. Seria esta a primeira vez que eu iria dar duro? Não.

Das três ou quatro pilhas que vi, só um processo não estava numerado. Carimbei suas dezenas de páginas e numerei-as após, e, confesso, foi a parte mais divertida do meu dia de trabalho.
Ao concluir, fui orgulhoso entregar minha obra de arte para o ascendente. Aguardando um elogio. Em vão.

- Agora procura alguma coisa pra fazer aí, tchê.

Hoje, em mais uma tentativa frustrada, procurei restabelecer os vínculos tênues de amizade com o primeiro chefe, que é um pouco mais jovem, conquanto seja necessária mais delicadeza ainda, tomando-se por conta sua índole pública "exigente". Ele me chama ironicamente de "meu amigo". Pela manhã, comprei uma Passa Tempo e, assim que cheguei, abri a bolacha, comi uma ou duas e ofereci-lha. Ele esticou a mão de sua mesa, que é vizinha à minha, e eu virei o pacote em sua mão com a cautela devida, porém... a bolacha da vez estava partida em 7494 pedaços esfarelados, que sujaram não só a mão dele, mas toda a sua mesa. Para a minha sorte, o gosto não havia se alterado, o que logo o fez esquecer. A despeito de gozar de certo perfil semi-irônico, tenho certeza que é no mínimo divertido fora daqui. Fora daqui.

Retornando à tarde de ontem (seguindo uma quebra cronológica típica), por volta das 18h andava até a parada de volta e entrei em uma rua anônima, na qual um sentimento científico tomou meu coração. Eu passei a observar não só o comportamento das pessoas que passavam por mim, mas também seus diálogos. Seguindo o que me ocorrera, passei por uma mulher gorda conversando com um cara, para o qual não olhei. Ela disse exatamente o seguinte:
- Não sei como o homem consegue, quando olha, imaginar sem roupa.
O homem deu uma risada mafiosa, e eu segui em meu caminho. A próxima pessoa que vi foi uma velhinha de uns 80 e poucos anos sentada numa cadeira em frente a uma banca de jornais. Lembrando-me do apelo da mulher, gargalhei tanto por dentro quanto por fora.

O grupo seguinte se tratava de três ou quatro homens e um mentiroso. Este, por sua vez, era no mínimo convincente. Para os outros.
- Sabia que 90% das cervejas do mundo não são feitas de cevada?!
- São feitas do quê, então?
- Arroz e milho!
E, passando, ouvi uma ou duas expressões de surpresa, como "sério!?" e "Tá brincando!"

E, desta forma, entrei no meu ônibus e cantarolei até chegar em casa, transformando este projeto, com a ajuda de um computador, em uma canção bem interessante, a qual chamarei... bom, ainda não sei.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

* DIRECTV SATELLITE *


I was thinking of what to do in these vacations, and I was starting to get bored as the first idle day has arrived.

However, my problems have finally finished yesterday, when my dad gave me a present: Satellite Directv. I couldn't be happier. I did thank him so much, and since that moment I have not been away from my Direct TV, passing by all the lots of diferent channels and games (yes, there are nice games in that great machine!)

What mainly surprised me in DirectTV was the signal quality, which is incomparably the best I've ever seen before. HD and bright images have hipnotized me in front of tv. It's just perfect!

If you, my friends, want to enjoy a really beautiful image and having fun all the day long, take a look at http://mytvoptions.com and be happy.

By now, I'm going back to watch the 8th World Wonder. See you!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

* WARNING *

Eu estarei participando de uma experiência acerca de um processo de marketing de blogs, no qual escreverei algumas resenhas de produtos estranhos de sites americanos.

Dando certo ou não, meus amigos, verão algumas postagens em lingua inglesa. Por favor, ignorem-a por enquanto. Para deixar mais regular, irei colocar um asterisco na entitulação de cada um desses posts.

Espero não incomodar aos velhos e bons leitores: trata-se somente de um teste.

Abracitos gerais!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Pomo de Ouro

Há dez meses, subi à mais alta montanha, estendi os braços em maior amplitude e lancei-me ao vento, por horas - oito horas diárias -, por dias - seis dias semanais - e, principalmente, com obsessiva dedicação.

Quão forte deve ser o impulso, para que o vôo valha a pena? Quantas pessoas precisamos deixar? Quantos planos, quantos sonhos abandonar?

Eu estendi meu corpo em arco e ergui-me, e voei. Subi tantos pés que os meus gelaram; e após, fechei os olhos - sempre alerta! -, sentindo a brisa, brincando com o tempo, que comigo brincava: claro, escuro; quente, frio... muito frio.

Eu percorri todos os cantos que precisavam ser percorridos, fotografei cada um de seus detalhes e anotei-os. Eu aprendi todos os segredos que julguei secretos; dos pássaros estudei o corpo e até a alma - e o coração; os homens lá debaixo, enxerguei-os por dentro, compreendendo-os como organismos, como atores, como agricultores, imperadores, presidentes, assassinos, libaneses, pensadores, estrangeiros e até alquimistas. Eu os admirei e os odiei por cada dia dos últimos meses, sempre perguntando-me o motivo. No entanto, qual deles me estudou? Qual deles me admirou?

Quando a noite caiu, pousei. Em partes. Em meus sonhos, sobrevoava a Amazônia (e também Manaus), via dezessete árvores densas e as chuvas de verão, além de irmãos brigando por causa de vinte e um problemas de relacionamento. Descia a serra e via a acidez que caía em mais de vinte e uma gotículas de solução aquosa. Na velocidade da luz, percorri dezenove quilômetros retilíneos e uniformes. Li, pois, outras vinte e uma placas de "No Stress", e fui-me acalmando. Lembrei-me dos primeiros que naquele solo raso pisaram, e vinte perguntas me ocorreram. Dentre elas, dezenove me interpretaram corretamente. E uma onda de pavor me tomou; mas apenas onze interpretavam os outros viajantes. O calafrio forçou-me a olhar as mãos, que, trêmulas, somavam dezoito dedos. Foi então que me deparei com um monstro. Um monstro de dezesseis longos tentáculos articulados que me imobilizaram cruelmente, impedindo qualquer reação.

Ao acordar, assustado, percebi o peso que é cometer um erro que compromete oito acertos. Deprimi-me de instantâneo, joguei-me com ferocidade contra o abismo que me esperava e mal pude abrir os braços novamente. Mas em vez de subir, inclinei-me para baixo. Os olhos, abertos, secos, cansados, traíam-me perante o ímpeto de esperança que um ou outro suspiro causava ao meu machucado pulmão saudável.

Como saber, em cinco chances, qual é o erro que me corroeu as entranhas? Qual dia, qual vôo, qual memorização foi falha em minhas viagens aéreas? Qual bosque me faltou? Qual olhar me fugiu? Que paisagem me ignorou?

Em um declive depressivo, mas esperançoso, vi um pomo metálico, alado e dourado, cruzando o caminho oposto. Que cor! Que brilho! Perguntei-lhe: no que, afinal, errei? Ele não me deu resposta; não obstante, estendeu-me uma de suas lindas asas até a altura de meus dedos.

Leva-me, pomo de ouro! Eu ainda os tenho estendidos.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Mistério em Viamão City


Quando me dei por conta, faltavam 10 minutos para chegar à prefeitura, e eu me encontrava há mais ou menos 5km de lá. A menos que caminhasse a 30km/h (o que é um pouco improvável), não chegaria a tempo. Por conta disso, Paulo me emprestou 10 reais para que eu pegasse um táxi, e eu o prometi que, ao final daquele dia, devolveria o empréstimo. E foi por isso que, às 22h, em chuva plena e grossa, catei 10 reais e o automóvel para ir até a casa de Paulo assim que a luz da minha casa voltara.

A estrada estava vazia, exceto por dois misteriosos pedestres que, no escuro, ignoravam a chuva pesada. Andei o mais depressa que se podia naquela piscina que se formara, e, ainda assim, levei por volta de 7 longos minutos até chegar ao condomínio sombrio e silencioso onde Paulo Barradas estaria - sozinho, é claro.

Ao chegar lá, o portão se abriu sozinho. Provavelmente o porteiro reconheceu o carro, fato que jamais saberei, porque a luz da portaria é sempre muito forte, o que (com chuva) é piorado potencialmente. Sem pensar duas vezes, avancei pela lomba depressiva à esquerda, o que raramente faço. De toda sorte, estacionei em frente à casa de Paulo, na qual não se enxergava absolutamente nada. É válida uma pequena descrição da enormíssima casa de Paulo:

A parte da frente é comprida, e a porta de entrada é no alto de uma escada de madeira. Acima há um segundo andar através do qual não se pode enxergar o céu, tendo em vista o telhado grande e espalhado. Há ainda duas formas de entrar na casa de Paulo. Certa vez (podem conferir nos primeiros posts deste blog) adentrei-a pela janela, mas isto não é mais possível, face ao meu pequeno acréscimo natural de 10kg desde aquela época. No entanto, há também a garagem pela direita, longa e escuríssima, e também um corredor estreito e macabro pelo lado esquerdo. Ambas as passagens dão para o pátio traseiro, o qual porta um muro gigantesco de uns 7 ou 8 metros cobertos por uma relva que faria o maior sucesso em "A Casa Mal-Assombrada" ou "Rosered". Quem possui a confiança de Barradas consegue entrar nesta casa com ou sem alguém em casa: basta "ter a manha". E eu a tenho.

Por conseguinte, pensei: nesta chuva toda, seria ótimo dar-lhe um susto tremendo! E fui pelo corredor da esquerda. Assim que subi as escadas traseiras para entrar pelos fundos, sem enxergar quase nada (apenas vultos), dois gatos pretos levantaram e cruzaram o sentido porta-varanda, provavelmente assustados comigo. Posso dizer que fora recíproco. Achei então a tal "manha" e adentrei silenciosamente na densa e escura cozinha de Barradas, procurando fazer o menor barulho possível. E consegui.

Não era possível ver absolutamente nada após fechar a porta da cozinha-rua. Eu estava dentro da casa dele, mais uma vez, com 10 reais em mãos e com péssimas intenções. Foi então que, indo em direção à sala de jantar, vi um feixe de luz vindo da enormíssima sala-de-estar, com seu piano antigo e apavorante. Pensei: "agora é só dar o susto", pois Barradas JAMAIS (ouçam bem: JAMAIS) deixa um raio de luz artificial aceso ou uma gotícula d'água escorrendo sem ser estritamente necessário. Atravessei pé-por-pé a sala de jantar e fui contornando a de estar; ele deveria estar no sofá da parede, porque não via nada, senão uma calça jeans e uns sapatos jogados no meio do cômodo. No entanto, quando me aproximei o bastante para assustá-lo, a surpresa: ele não estava lá.

"Na certa está na salinha do computador logo ao lado". Fui até ela. É de porte pequeno e estava completamente escura. Foi exatamente neste momento que deixei a idéia de assustá-lo e passei a me assustar até com a sombra. "Paulo?" perguntei; nada. Sequer acendi a luz: voltei até a sala de estar e de jantar, e em vez de voltar para a cozinha, peguei a direção oposta: a de um muito longo e escuríssimo corredor, com um banheiro (lá) na outra ponta, uma escada e dois quartos ao seu comprimento. Num destes quartos, ele deveria estar apagado, por qualquer razão que fosse! Então fui tateando as paredes escuras, visto que não se acham interruptores facilmente nesta casa sombria; ao chegar ao primeiro quarto (onde ele costuma dormir desde que os morcegos venceram a batalha no seu antigo quarto do segundo andar), encontrei a porta aberta, mas, é claro, não se via nada dentro. Tentei então achar o interruptor na parede do quarto, mas foi muito difícil. Nesta hora, fiquei imaginando o que encontraria ao acender a luz... um corpo mutilado? Paulo degolado? Eu mesmo enforcado? O Alemão pelado?

Graças ao bom Deus, não encontrei nada disso, muito menos o próprio Paulo Barradas, o que me fez apelar para a primeira tentativa exagerada: o semi-grito. "PAULO!", e nada. O segundo quarto também possuía a porta aberta, e certamente ele teria respondido. O banheiro idem. Pois, saí daquele corredor árduo e assustador e voltei, contornando todos os cômodos citados até voltar à salinha do computador; acendi então as luzes e encontrei coisas sinistras: uma mala feita no chão, mais uma calça jogada, um livro de Darwin na poltrona e, em cima da mesa do PC, dois bilhetes molhados: um era uma lista de objetos a serem levados para a viagem que faria (ou fará?) amanhã; o outro era um simples auto-aviso: "PAGAR AS CONTAS". Imagino que Paulo não teria saído para pagar as contas às 10 da noite de quarta-feira com toda aquela chuva dos infernos; mas por que estariam ambos os bilhetes molhados? Olhei para cima e não vi goteira alguma. Certamente ele esteve por ali há pouco (após a chuva ter começado?); então saquei um papel e escrevi-lhe um bilhete em Anglo-Skälybur Arcaico, uma linguagem nobre e muito elaborada que poucos seres humanos dominam na face da terra. O bilhete era exatamente este:

"Dã Rél ueriúl Ar, riris iór mônnei, és aiv promessed iúl. Téncs for eversfingh. Rév a gud trével, and plis, domt fãk êny nordestian gãrls"

E, posta a última palavra, ouvi um barulho vindo do segundo andar. Gelei. Sem saber o que fazer, peguei o telefone da salinha e tentei ligar para o celular de Barradas, mas como não havia levado o meu próprio, não decorara seu número novo, errando por um algarismo e não obtendo sucesso. Desta forma, só restara subir ao segundo andar.

Passei pela sala de estar novamente, com a luz fracamente acesa e algumas roupas jogadas no chão; dobrei no corredor obscuro e subi as escadas com muita adrenalina. Lá em cima há dois quartos afastados por uma salinha: o antigo dele, cheio de morcegos, e o de seus pais. Sabendo que seus pais não estavam, abri a porta e pedi por Barradas, não obtendo resposta perante a escuridão doentia. Antes de entrar no último cômodo faltante, passei a chamar por Paulo muito mais alto, de modo que ele certamente teria-me ouvido.

Dei dois passos para a frente. Abri a primeira porta, que dava para uma espécie de Hall, uma mini-sala antes de seu quarto de fato. Aproximei-me da única porta não aberta até então.

Girei a maçaneta.