sexta-feira, 29 de maio de 2009

Mudanças Fórmicas


Daqui a poucos dias vou entrar em depressão por um longo período de tempo, ou não, ainda não sei. E antes que o Didi diga que estou exagerando e que tudo isso é frescura, hei de apresentar os motivos que me puseram a começar o post de hoje assim: vou-me mudar de quarto. Não fosse o bastante, de cama e de colchão. Cores, paredes, altura da televisão, posição do meu mapa, mesas a mais e a menos, fim do carpete (vê se pode!), mas tudo isso parece ser tão positivo, que tenho medo de sentir o que sempre sinto perante mudanças. Vontade de voltar atrás.

E meus comparsas sabem do que estou falando. Mudanças físicas, de móveis ou ambientes, mas mudanças eternas, mudanças que, aparentemente, jamais podem ser desfeitas. Sabem o que é isso? Passei a última década dividindo um quarto velho e amarelo com meu irmão, que vez em quando ronca, peida, arrota e sofre de algumas crises de sonambulismo. E nunca fecha a porta.

Um móvel alterado me causa uma dor existencial. Quando minha mãe inventava de mudar nossas camas de lugar, eu sofria tanto como se tivesse me mudado de lugar, de família, ou até sido mandado embora; mas depois de algumas semanas, me acostumava. E se alguém quisesse mudar...

O fato é que, a despeito de meus hábitos urbanos (de sempre optar por outro caminho, outra atitude, de mudar o jeito de andar, ou de mudar o trajeto do percurso), eu não gosto mesmo de mudar essas coisas "tocáveis", ou que pertencem a mim; e por que estou contando-lhes este terrível defeito homossexual que me aflinge? Bom, poucos de vocês devem saber que eu recentemente consegui quebrar a ducha de alumínio do meu choveiro. Não quero dizer como, porque não sei mesmo, e tampouco interessa a vocês. Nos últimos dias, passei convencendo minha mãe a comprar outra, já que, como ela quebrara, a água só saía dela, e não por cima. Além disso, após tantos anos com aquela ducha, que direito ela tinha de me abandonar? Eu queria tomar o mesmo banho que tomei durante os últimos 2000 dias, sem falhar! Mas não, porque ela quebrou!

- Comprei, meu filho.
- Ah, legal! Conseguiu achar?
- Só tinha essa.

Gelei. Essa é uma das frases que mais cavam minhas entranhas, dentre as centenas que ela consegue desferir ao melhor estilo Cowboy materno. "Só tinha essa" significa que não pode ser algo bom; é o que deu. Bem, a minha ducha de metal foi trocada por um lava-cu de banheiro público. E depois me perguntam "como que tu não gosta de mudanças?". Ora, se elas fossem boas!

Eu acabo de sair do banho. A pressão da água diminuiu; a cor dela não combina, sei lá, não parece combinar. Eu não me senti bem no único lugar que para mim era imutável. Protestar adiantaria? Não; então fiz um protesto silencioso, do tipo "vou mostrar a eles o que eu posso fazer quando estou com raiva". Uma das formigas que atacam meu box todos os dias passava ali pela parede, perto das torneiras, arrastando seu corpo minúsculo e vermelho. Eu nunca fiz isso antes, e esse era o grande motivo. Ademais, não me sentia legal, entende? "De fresco a selvagem... que mudança radical!". Então peguei-a em uma mão e a comi.

O gosto é terrivelmente azedo.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A Temida Pisadeira


Não lembro bem quando era. Estava eu dirigindo à noite, de volta para casa, com minha irmã do lado. Minha velocidade não passava dos 70km/h, na RS 118, após o retorno do Centro. Era tão noite e escuro que, com a luz baixa, não pude enxergar com precisão o que havia logo à frente. Liguei a luz alta, como de costume, já que não notei aproximação de carro algum, e foi aí que tudo aconteceu; mas foi tão rápido, tão inesperado... um caminhão enorme atravessava a rodovia perpendicularmente, querendo entrar nela pelo acostamento, bloqueando totalmente a minha passagem (e a de quaisquer carros da rodovia). Não deu tempo de perceber o que diabos acontecia a tão poucos metros de mim! E como se não bastasse, uma mulher, ainda que notando minha aproximação rápida, resolveu atravessar a estrada assim como o caminhão, e eu mal consegui alcançar a buzina. Girei totalmente para a esquerda, esperando que alguma intervenção divina acontecesse, e a partir de então...

Abri os olhos na minha cama com um livro em uma mão e a outra esticada; com certeza dormira há pouco menos de 10 minutos, enquanto resolvia questões interessantíssimas sobre capitalismo. Eu passei cinco segundos sem conseguir mover um só músculo do corpo, nem mesmo os olhos após abri-los. No entanto, já sabia o que se passava (graças a Deus) por relatos externos. Aguardei os segundos mais agoniantes da minha vida passarem. De olhos abertos.

Alguns minutos depois, meu pai pediu para que buscasse comida no Centro. De carro.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Tenha Muito Cuidado

Não vejo outro título para o post de hoje, já que, por não o ter, tanto desastre me aconteceu; mas como diria minha vó, "desgraça pouca é bobagem" (ok, ela nunca disse isso, mas a tua vó já), e eu concordo com a velhinha: quando uma desgracinha acontece, parece que o destino aproveita a brecha e enfia tudo de ruim nos próximos momentos. É assim que começo a trágica e remota história do meu dia de hoje.

Eu não lembro bem qual dos meus pés tocou o chão por primeiro hoje, mas considerando que o lado direito da minha cama é encostado à parede, tenho sérias desconfianças. Calma lá, ceticozinhos viamonenses; quando se passa por um dia como esse, até marmota faz simpatia. Eu acordei às seis da manhã para tomar meu único banho matinal da semana, uma vez que hoje era dia de aparecer. Há algumas semanas atrás, o professor de física pediu para que alguém - eu - levasse um violão para reproduzirmos uma paródia sobre o conteúdo. E eu lembrei (após 20 lembretes no celular, 10 avisos na geladeira, 5 pesadelos, inúmeras gotas de floral e uma seção de automutilação), mas eu lembrei, eu lembrei! E separei o violão numa capa velha e suja cujo fecho inexistia. Antes de sair de casa, tomei o banho: considero este o início do ciclo de horror.

Logo no início toquei a pele do pescoço e não cortei a mão por detalhe. Era hora de fazer aquela barba morna da manhã. Passei shampoo no cabelo, fazendo bastante espuma e espalhando-a por toda a área coberta de pelos faciais (tá, menos a sombrancelha). Isso inclui o lábio superior, de onde tirei um talho, um bife, um pedaço de carne mais suculento que uma lagartixa graúda. Atribuí à normalidade e saí do banho, atrasado, tentando estancar o jorrante sangue que irrigava minha face. Não esqueci o violão.

Ao chegar no ônibus quando ele já se preparava para partir, entrei e senti que ia ser um dia comum. Ora, enganei-me. Sentei na penúltima poltrona solitária no fundo, acomodei o violão na parte de cima, onde se guardam malas, e relaxei. Não sei se foi a atração negativa ou o fato de eu ter aberto as memórias póstumas de outrem, mas alguma coisa fez com que aquela velha senhora fedendo a tabaco sujo sentasse exatamente atrás de mim, embora 98% das poltronas estivessem desocupadas. É, às seis da manhã. Eu fechei o livro, arrastei o violão e sentei duas poltronas adiante. Após, reabri o livro e dormi instantaneamente, o que tem se tornado cada vez mais comum na viagem de uma hora e meia que faço todas as seis da manhã. Por que será?

Acontece que eu milagrosamente sempre acordo exatamente na parada de chegada, ou um pouco antes. E onde acordei hoje? Nem eu sei. Pedi para descer; o motorista, que já me conhece, dava aquele sorriso de "se fudeu, companheiro", e eu me engajei a andar sem destino com um violão, com um casaco e com uma mochila, todos de peso considerável. Pensei em achar o caminho sem pedir ajuda, tamanha minha decepção, mas quando parei de ver asfalto resolvi pedir ajuda. Após, caminhei uns quinze minutos até chegar próximo a um lugar familiar, de onde pude partir até o curso. Cheguei lá com um violão pesado de capa amarrotada e sem lugar para segurar direito; meu braço cansado e maltratado. Subi aquelas escadarias com uma vergonha que não tinha calculado no dia anterior. Foi nessa hora que pensei, após relembrar os fatos que já me haviam acontecido naquelas poucas horas de atividade, na possibilidade de ser hoje um daqueles dias em que tudo dá errado. Depois, achei isso tudo uma bobagem. Deixei o violão numa sala reservada até o período do professor. E o período chegou.

O professor deu uma olhada geral na turma de 300 pessoas (em média) e concluiu em voz alta que, já que ninguém trouxera o violão, ele avançaria no conteúdo. Senti-me humilhado, e sabe como é viamonense humilhado. Mandei quilos de bilhetes dizendo que havia trazido o violão. Ele não leu nenhum. Mas por algum sinal divino, após eu já ter aceitado a derrota, ele pergunta sobre o violão novamente e eu levanto o braço com vigor. Toquei para aquela gente qualquer e esperei as aulas terminarem para tirar algumas dúvidas de geografia, sugestão de um professor.

A ideia era perguntar a ele sobre a linha internacional de mudanças de data e ir embora, pegar o ônibus de volta à colônia açoriana com o maldito violão machucando o braço. Antes, fui ao banheiro por um mísero minuto. Ao chegar na sala de dúvidas, vi uma fila circular de umas trinta cabeças, e o pior é que quase todas eram femininas. Pior? Sim, pior: cada uma tinha umas 5 dúvidas, e todas levavam consigo a prova do simulado com 25 questões. "Merda de democracia". Quando consegui perguntar, compreendi. Mas já passava 10 minutos que o ônibus partira. Fui até a parada igualmente, para esperar o próximo. Sabe-se lá quando chegaria.

Conforme a idade veio chegando, passei a interessar-me pelo psicológico das pessoas. E é por isso que faço coisas alternativas em público, como tanto devo já ter comentado, mas hoje foi uma das mais ousadas: tirei o violão da capinha, sentei numa roda de pedra próximo à parada para acompanhar o ônibus de longe e comecei a tocar em meio à multidão. Se eu não estivesse arrumadinho - sabedor do episódio musical - receberia uma moeda. Mas não; recebi tudo, menos moeda: olhares de censura, risadas, olhares interessados mas distantes, sequer olhares, as reações das pessoas são muito diferentes. Mas moedinha que é bom, nada.

Olhando adiante, uma hora, vi que o segundo ônibus havia passado. Triste fiquei. Toquei mais um pouco, uns 30 minutos, e mais um ônibus passara. Dessa vez, me atraquei nele correndo por quase duas quadras. Quando ele finalmente parou - e eu já podre - percebi que era idêntico ao meu, mas não era o meu; há três tipos de linhas para aquele seletivo (e só tinha conhecimento de duas). Aquela não era, certo. Sentei em frente a uma loja para respirar e já comecei a tocar de novo. Um grupo de jovens balaqueiros riram de mim, e eu ri depois, percebendo o quanto os incomodei com minha "coragem?" de assumir uma postura epicurista sozinho, enquanto eles nem em grupo o fazem. Eu não fiquei com raiva, pelo contrário: fiquei feliz por existirem.

Mas logo depois percebi que uma multidão que aguardava algum outro ônibus estava-me lançando olhares tão alternativos que sucumbiram minha voz e abafaram meu volume. Fui até a parada anterior, de onde havia corrido. Desta vez, porém, aguardei em um local mais apropriado para a próxima maratona, e continuei a tocar violão. Ninguém para para conversar comigo diretamente, pensava eu, ainda que a nova reforma tente me confundir. Nisso, vi um vulto passando por mim e voltando depois, e então lhe direcionei o olhar. Era um homem apontando para mim e para o violão com um sorriso enorme no rosto, e fazendo gestos de aprovação; quis o destino que, ironicamente, a única pessoa a me aplaudir fosse um surdo-mudo. Agradeci com um sorriso e ele foi embora. Pensei: "pronto, eis a compensação do meu dia ruim; só pode ser isso." Não tardou para que a terceira corda do violão estourasse e eu novamente mudasse de opinião.

O mal-humor que tanto controlava começou a me dominar. No entanto, logo chegou o ônibus e me acalmei naquela poltrona cara e supervalorizada. Dois minutos de sossego bastaram para o velho motorista ligar no volume máximo (não estou exagerando) a rádio AM, com os grandiosos comentários futebolísticos do sudeste. Era o bastante: levantei e pedi para que abaixasse. O velho desligou e pediu desculpas. Agradeci. Era essa a compensação meu dia. Só poderia ser. Peguei no sono para que não mudasse de ideia novamente.

Fui acordado no centro de Viamão, bem longe de minha casa, com a voz do motorista: "é o fim da linha". E eu: "como? Essa linha não vai até o Condado?" e ele, secamente, dá o troco: "não". Desci para pegar o terceiro ônibus do dia, e o quinto relacionado à minha difícil aventura diária. Aprendi neste momento que havia três linhas para aquele ônibus, e não duas, como pensava desde que fui acordado, em outra ocasião, no meio de um deserto viamonense.

O natural é que eu chegasse em casa às 13:30h. Neste momento já era 15:30 e eu sequer fazia ideia do horário do pinga-pinga a ser pego. Dirigi-me à parada com aquele pesado violão - não sei bem como não o esqueci nessa dura trajetória - e esperei por muito, muito tempo. Já nem me importava com as velhas fumantes (aliás, como há velhas fumantes), e nem com o cigarro que elas jogavam no chão após tossirem feito um pré-defunto. Cheguei em casa às 16h.

Chegando perto do portão, vi que o Babuíno - vira-lata de que há dias ando cuidando - estava a lamber a Vilma, que retribuía com muito carinho. Vilma é uma negra e teimosa rotweiller, cujas vontades vêm antes do respeito. Porém, simpatiza com o Babuíno. Vi aquela cena de amor e pensei: "indiscutivelmente, essa é a compensação do meu dia terrível". A Cleci abrira o portão e o Babuíno entrara. Neste momento, a Layka (uma cadela nórdica, loira de olhos azuis e de estatura polentosa) atacara o indefeso babuíno. A sorte é que Layka é respeitosa, igualmente ao Comitatus que regia a relação de seus antepassados, e a compensação do meu dia viu-se esvairir conforme separava a briga. Entrei em casa e me recebeu a Cleci.

- Dia difícil?
- Nem tanto.
- Que bom, preparei teu almoço, tava preocupada. - parei de responder aí. Mas ela não parou de falar. Almocei com aquela matraca contando problemas e alegrias e futilidades e inutilidades e tudo o mais, e eu quase utilizei os talheres para outros fins. Enfim. Não havia ainda compensação, só mais problemas. Pedi ao Oráculo para que enfiasse tudo que passaria de ruim na vida nesse dia. Melhor um fudido inteiro que vários meio-fudidos. Ah, pro inferno essa expressão recém criada.

Acabei o almoço. Algo me dizia que a tão sonhada compensação do meu dia estaria na natureza, e pus-me a descascar uma tangerina. A Vilma adentrou metade da sala. Pedi cuidadosamente, já que a motivação me falhava, que saísse. É claro que ela não obedeceu, pois ela não tinha vontade de sair, e o que importa é a sua vontade, e não a minha (aliás, que cabeça a minha). De longe, acompanhei-a nos olhos enquanto mastigava sem vontade aqueles gomos azedinhos, separando as sementes. Foi então que me ocorrera uma vontade, também. Atirei uma semente naquele bicho. Acertei perto, e ela, para a minha surpressa, mastigou-a e engoliu, pedindo outra com o olhar. Descobri que ela come sementes de bergamota, e passei a compartilhar aquela parte inútil com ela, fechando o ciclo de reaproveitamento da natureza. Reservei o último gomo, porém. Ela merecia. Merecia uma gomada nas fuças.

Quando acertei-lhe com aquele gomo molenga bem no meio da face - o que não lhe causou nem cócegas -, ri como uma criança feliz. Ela comeu o gomo assim que o encontrou, e foi para a rua por vontade própria.

E esta foi a compensação do meu dia.

sábado, 16 de maio de 2009

A Importância do Narrador

Essa foi uma idéia que tive hoje ao utilizar um mictório. Sejam bonzinhos.

Com narrador:

Num galinheiro, duas mulheres acompanhavam a nova geração de aves recém-nascidas. A da cidade, pouco entendida, percebeu que havia um pintinho que não se desenvolvera como os demais, e pôs-se a exclamar:

- Nossa, que pinto pequeno!
- É porque tá frio - disse a dona da chácara, caçoando da pobre menina urbana.
- Daí não cresce? - perguntou a moça, assustada.
- Demora um pouco, sabe... - respondeu a outra, sem dar muita atenção. A menina foi em direção a uma prateleira onde havia uma caixa de cereais especiais para aquelas aves. Não se conteve:
- Ahn... e se eu der para ele? - disse, apontando para o cereal.
- Ele cresce na hora... - disse a senhora, ainda brincando, mas assim que percebe a euforia da moça em querer alimentar o animal, se adianta - mas calma lá, tem muitas coisas pra se fazer antes disso... - disse, apontando para um pote repleto de minhocas.
- Então vamos começar logo, to ansiosa pra ver a minhoca ser engolida! - disse a moça abrindo o pote.
- Espera! Tira as mãos daí!


Sem narrador:

- Nossa, que pinto pequeno!
- É porque tá frio...
- Daí não cresce?
- Demora um pouco, sabe...
- Ahn... e se eu der pra ele?
- Ele cresce na hora... mas calma lá, tem muitas coisas pra se fazer antes disso...
- Então vamos começar logo, to ansiosa pra ver a minhoca ser engolida!
- Espera! Tira as mãos daí!


Ah, gente, o que vocês esperavam? Eu tava urinando!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Jamais Negue um Copo


A sede bateu. Estava indo em direção à parada próxima ao viaduto da João Pessoa/Salgado Filho e percebi que precisava de uma lata de um só buraco. Como minha cadela homicida recém havia triturado minha carteira de couro, portava naquela hora apenas um estojo com uma nota de R$ 10,00, e entrei num daqueles bares-chulé de esquinas circulares. Li bem a plaquinha: R$ 2,00 a lata. Certo; peguei uma e me diriji ao caixa, notando a sujeira daquele alumínio. Limpei-o, mas é óbvio que minha neorose não se acalmou. Eu precisava pedir um copinho.

Mas antes de pedir um copinho, teria de pagar; puxei a nota do bolso e tenho quase certeza que a velha nem olhou o valor, só notou que não era azul e já se pronunciou com aquela voz arrogante de bolicheiros mal-sucedidos:

- Tu não tem dois "reau" trocado?

Eu me irrito muito com isso. É impossível que um mercado, por pior que seja, não tenha troco ao meio-dia no centro de Porto Alegre. Eu não costumo ser chato, sabe, mas...

- Não, moça (alguém consegue dizer "minha senhora" ao vivo?), se eu tivesse dois reais trocados eu te daria dois reais, e não dez - e dei aquele sorriso irônico-simpático.
- Nem em moeda? - disse já sabendo a resposta. Não respondi. Ela pegou com rancor as notas trocadas e me deu. Era a hora que requisitei meus direitos de consumidor.
- A senhora tem um copinho? - disse olhando para a pilha de copos descartáveis no outro balcão.
- Não. - entregou as notas.

Saí um tanto aflito, como se tivesse sido ofendido. É uma péssima característica minha: eu levo desaforo para casa. Porém, a ironia do destino fez-me perceber que ela me dera R$ 9,00 de troco, ou seja, um real a mais do que deveria. "É a primeira lata de um real desde 97", pensei. Dei um passo adiante e parei. Era a hora de fazer minha glória. Voltei.

- A senhora me deu um real a mais.
- Oh, muito obrigada meu filho! - disse surpresa.
- Que isso, fica pelo copo.

Suas gordas faces coraram-se.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Herrar é Umano Di Novu


E cá estou eu novamente. Fiquei satisfeito, após uma longa pesquisa, em saber que não há variações quantitativas ao ditado que deu nome a esta postagem; quero dizer, se errar de novo é burrice, o que seria errar mais uma vez? Burrice ainda? Uma burrice maior? Uma burrice estúpida? Nã-nã-não: nada disso consta no provérbio.

Depois de justificar-me por mais uma retardadice cometida por mim, cujo maior erro é crer em mestres, posso contar-lhes sucintamente a incrível experiência que resolvi fazer após algumas aulas de pressão atmosférica. Rezou o professor que, ao furarmos uma lata em um ponto apenas, pouco sairá por lá, uma vez que o ar entrará com muita dificuldade. Por outro lado, abrindo a lata em dois locais diferentes, o ar entraria por um furo e o azeite, ou o soro, ou qualquer que seja o substrato que as donas de casa queiram extrair daquele pedaço de ferrugem SAIRÁ FACILMENTE pelo outro buraco. Tudo isso não era novidade, tanto na prática quanto na teoria, para mim e para todos; o problema foi o que o imbecil falou depois:

"Vocês nunca tentaram abrir uma lata de leite cortando só um lado? Isso é sujeira na certa, não? O quê? Vocês nunca tentaram abrir os dois lados? É a mesma aplicação da lata, gente!"

É uma pena que eu não ouvi as respostas dos colegas, tão focado fiquei. Cheguei em casa com vigor e orgulho de quem iria se redimir pela maldita experiência do sabonete. Era outro professor; algum tinha de falar a verdade! E lá fui eu. Obrigado aos leitores novos.

Eu sempre tive pouquíssima capacidade motora para as ações mais simples, excetuando-se às que envolvem abrir e fechar garrafas de refrigerante ou pacotes de pastilha Garoto (sabor menta), únicos produtos que me mantêm adepto ao capitalismo. E provavelmente por conta disso é que nunca experimentei café, detesto chá e tenho repugnância de condimentos (favor, não discordar): são de extrema fragilidade alimentícia; o café e o chá devem ser bem preparados, além de não serem dignos de uma aparência muito saborosa; os condimentos... tu apertas um lado e ele peida pelo outro, bem na hora do jantar. Porém, não querendo mudar de assunto, também justifico com a falta de habilidade com produtos domésticos o fato de eu tomar pouquíssimo leite, somente consumindo-o junto de queijo derretido, um molho criado especialmente pelo papai aqui (não tentem fazer isso em casa), ou então com cereal, somente em época de olimpíada. Ou seja: eu sempre derramei o leite no chão ao me servir, e esse "sempre" é digno de ser grifado, já que de fato não me lembro de uma vez que não tenha ocorrido tal desgraça. Assim sendo, resolvi acreditar piamente naquela figura messiânica que, não por menos, costumamos culturalmente odiar durante os tempos de escola.

Eu não perdi tempo. Ignorei o jantar: era hora de comer meu doce e saboroso molho de leite ao queijo derretido, e quiçá um pedaço de pão velho, azar, o que importava no momento era ABRIR O MALDITO LEITE EM DOIS LUGARES! Certifiquei-me de que ninguém estava vendo; por sorte, havia brasileiras fantasiadas de indianas vulgares exibindo-se na tv, o que chamou a atenção não só de minha mãe, mas de minha irmã, de meu pai e só não a do meu irmão porque o mesmo não se fazia presente no recinto. Era o meu momento.

Peguei a tesoura na segunda gaveta da pia, abri a geladeira: já havia um leite aberto. Triste fiquei, mas não sou lá um daqueles que desistem fácil, e utilizando o melhor do "jeitinho brasileiro" que aprendi na tv, escondi aquela caixa no fundo da geladeira, após os refrigerantes e margarinas, e todas aquelas porcarias que ninguém sabe o nome. Abri o armário de baixo e catei uma caixa em que se lia: "Leite Integral". Não sou um belo apreciador de leites; não vejo mesmo a menor diferença entre essas caixas, a não ser que elas venham em cores diferentes. Chegara o momento de passar a tesoura. O fiz em um lado. E depois no outro.

Era tarde demais para se arrepender: apertei a caixa, virando-a 180º ao mesmo tempo, em direção a uma xícara em que adicionaria o queijo após, e em menos de dois segundos...

- Mãe...
- Quê?
- Onde tem um pano de chão?
- Ah, te vira guri. Eu to vendo a novela.
- Tá...

*O beiço de baixo caiu. Inutilmente.*