sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Visita

Esta semana foi, para não exagerar, uma das mais divertidas da minha vida. E - por que não - simples.

A despeito de não ter cumprido as metas que impus a mim mesmo, pude desfrutar do prazer pagão entre meus velhos e novos amigos.

Não lembro bem tudo que ocorreu, mas entre conhecer vampiras de verdade e beber demasiado em um bar caseiro, cada pedaço acrescentou-se ao humor ascendente. E tão inesperada ela passou, que acreditem - sei que acreditarão, afinal todos que leem já o sabem -, recentemente cambiei as teclas de marfim pelas baquetas de uma banda provisoriamente divertida, a qual existe desde os fins de 2004 e desde então vem fazendo apresentações esporádicas, sempre divertidíssimas, e sempre com basicamente os mesmos membros (apesar de em diferentes posições...);

E numa dessas, convidei o Alemão para vir aqui. E veio. Não é surpresa que eu havia esquecido um importante compromisso, e, além disso, teria aceitado outro. Como diria o velho ancião Barradas, o problema se resume basicamente na "Cabeça...! Cabeça...!"

O jeito foi levar o Alemão comigo, após largar minha irmã com uns emos no bolixe. Fomos a um jantar com a Elite Viamonense, em se tratando de poder e de cultura. Incrível como o guri se adaptou bem ao ambiente, mas já era de se esperar; relembramos fatos engraçadíssimos, como quando ele encheu a cara da ex-namorada de fezes de gato, ao fazer carinho.

"Velho alemão bosteiro!"

Bueno, após fomos jogar bolixe, e por algum motivo ele foi melhor que eu. Talvez seja pelo fato de eu não saber jogar. Quando voltamos aqui para casa, jogamos wii e... enfim, tivemos um diálogo engraçado algumas horas depois.


- Isso é um bonsai? - disse ele, apontando para um bonsai.
- Sim - disse eu, olhando para o bonsai.
- Tu que cuida?
- Basicamente.
- Mas não é difícil?
- É, ela tem um temperamento muito difícil.
- Imagino. Deve ficar o tempo todo aí, parada, com essa cara de paisagem.

Ah, Alemão. Já estava com saudades dos teus bons tempos.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O que te resta?

Como te sentes? Angustiado?
Bem vindo à realidade, e a culpa é tua. Mas não te incomodes; hás de te conformar, e quanto mais sofreres por tua incapacidade, mais culpado de tudo serás.
Ora, quem seja. A quem importa o nome? O prólogo, a musa inspiradora? O culpado és tu, leitor; tu e teus semelhantes. Olha bem ao teu redor: teus móveis, tuas teclas, o próprio tecido que te cobre as vergonhas; o quão teu tudo isso parece? Quando fizemos nós, da matéria, nossa escrava? A nota com que compras teu leite sintetizava a glicose que corre em tuas veias; o papel com que limpas tua sujeira dispusera de raiz, e quem se importa?
Não bastasse, sentes nojo. Ah, nojo! Nojo do pobre, do sujo, do infiel? Tens por aversão um ideal; tens por ojeriza uma mania; tens pelo asco simpatia; afinal, tens nojo de ti mesmo, infeliz! O verme que degradará tua carne podre é o mesmo que comerá o indigente. O fungo que criará nas tuas orelhas fétidas visitara já a boca negra do escravo. O verme não faz distinção. Por ser inconsciente. Pois se consciente fosse, evitar-te-ia; o verme é que deveria ter nojo de ti. Ah, quem dera fosse eu um verme!

Pena tenho eu de mim, e antes fosse asco à vida: ao contrário, a exalto! A vida não é o homem, e o homem tampouco a vida: esta sim nos distinguiu; tão pouco vivo somos, que não vemos em nosso reflexo um animal. Não admitimos de nós mesmos um selvagem. E o que somos pois? Apontai-me quando, no universo, no cosmos, enfim, a criatura modelou o criador? Pensas tu em gente? Por óbvio pensas, se é que pensas! O coacervado nos deu a luz, que originou primeiro o verme, a minhoca, o besouro, a lesma molenga, o lambari, o sapo gosmento, o crocodilo, a galinha, o rato e, por fim, o ser humano. A natureza tende a ciclos - e de fato os fecha, como por exemplo este, começando e acabando a criação da vida por vermes. Nada mais somos.

E pois perguntas-me: "e o amor?". Amor? Como ousas pronunciar tão eminente palavra com tua boca imunda? O esgoto, por ti criado, fez-se tal qual reza tua fé: à tua imagem e semelhança. O amor, portanto, não pode ter origem em teu corpo sórdido, em teu seio execrável, em teu ego porco. O amor, "sentimento humano", dá-se entre almas, e não entre pessoas. E não me venhas com religiosidade! Entende por alma a mente pura, e por corpo, os olhos traiçoeiros. Estes só são dignos quando transparecem o brilho interior. E o coração? Apenas um músculo cansado, tão útil quanto um marca-passo.


Canibal! És um canibal da pior instância. Pois se não comes carne, comes do próximo a vida toda. Comes do próximo o direito de sorrir, o direito de ser, o direito de comer e de ser comido pela natureza. Criaste a religião, criaste deuses para justificar o vazio que tens dentro de teu cérebro evoluído, que é tão grande quanto irregular de nascença. O que te resta senão a morte? O que te resta, covarde?

Quando estiveres no leito, lembrarás estas frases, e, com orgulho, num último suspiro repitirás: "não desejo voltar, não quero ser testemunha da vergonha que somos à memória do universo. E quando por fim derrubarmos a última árvore e poluirmos o último rio, desejo ser o carbono vingativo que a natureza em vossas faces humilhadas certamente há de jogar."

Só então - nos teus últimos segundos - é que serás humano de verdade.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Acerte ou Morra!

"Passo a palavra, em mais uma doce oportunidade, ao meu velho compadre, Dr. Alberto Pastelina, que narrará - através de suas invejáveis habilidades escritoras - uma história que lhe ocorreu durante a sua brilhante juventude.
                                                                                             Lucas Di Marco"

Quando aceitamos participar da Gincana Mortífera, já sabíamos que um de nós dois iria partir. Por quê? Ora! Meu velho companheiro de infância, Mestre Inácio à Milanesa, é simplesmente muito teórico. Lembro-me de tantas situações nas quais o jovem matemático fechava os olhos diante de alguma decisão e calculava friamente o seu destino. Não seria diferente, pois, nestes desafios que custariam a nossa vida no caso de alguma divergência.

Chegamos rapidamente, unindo minha filosofia aos seus precisos cálculos, até o último estágio da gincana. Caso ultrapassássemos tal desafio, somente a glória nos aguardaria, e venceríamos a obscura competição pela primeira vez na história da ciência mundial. E assim chegamos à sala vermelha, quando uma grade se fechou por detrás de nós assim que tocamos o tapete de entrada. Mais luzes se acenderam - todas levemente avermelhadas, com exceção da luz central, branca - e, alegremente, notamos a presença de três outras portas: uma vermelha, outra azul e a terceira, verde, em cujas partes superiores liam-se respectivamente as letras A, B e C. Olhamo-nos desconfiados - o que haveria por trás daquelas portas misteriosas!

E uma fenda abriu-se no alto teto, tendo caído um pergaminho alaranjado. Peguei-o antes que tocasse o chão, tendo-me aproximado do meu amigo Inácio para que lêssemos juntos. Pela primeira vez, o fizemos em silêncio. Eis o que dizia:

"Em uma das portas, encontrareis a glória. Noutra, o vazio; contudo, o destino mais mórbido aguarda-vos na porta restante. Fazei a sua primeira escolha em voz alta, e boa 'sorte'"

Não era possível. Até então, utilizamos nossos mais hábeis conhecimentos e reflexões para passarmos por cada desafio, que também nos levariam à morte em caso de equívoco. Absurdo, porém, depararmo-nos justo na final com um desafio de 'sorte'! Observamos bem as aberturas. As cores diferentes nos chamavam a atenção; porém, não parecia haver uma conclusão racional perante tal mistério. O jeito era, de fato, apelar para a sorte.

Após tirarmos na sorte, venci e escolhi a porta A, cuja cor era vermelha. Contrariado, Inácio à Milanesa viu-se obrigado a concordar, e pôs-se ao meu lado. Quando anunciei em alto tom a nossa escolha, a porta B abriu-se vagarosamente: fato que nos fez saltar de espanto. Não havia nada por detrás desta, senão um novo pergaminho com a seguinte escrita:

"Fazei nova escolha; conquanto a última!"

Compreendemos. Não era simplesmente um desafio de sorte: havia um cálculo de probabilidade a ser feito. A única conclusão que chegamos de pronto era que, em uma das duas portas restantes, encontrar-se-ia a morte, e, na outra, a vitória. A questão era: manteríamos a escolha da porta A, ou partiríamos para a porta C?

- Mantenho minha decisão na porta A, disse eu.
- Como? Não, não, meu amigo. Espera um pouco. A chance de ser a porta A é 1/3, enquanto a chance de ser a porta C é 1/2.

O leitor deve estar se perguntando "como assim, matemático louco? A chance é 1/2 para ambas as portas", mas não era questão de teimosia.

- Eu de fato seguirei pela porta vermelha, repeti.
- Estás atormentado, meu querido! Sei que é difícil visualizar, mas... não vês que a chance de ser a porta A é menor, uma vez que a escolheste quando ainda havia três portas fechadas? E, agora que sabemos que a porta B estava vazia, as chances de ser a C são ainda maiores que a nossa primeira escolha!
- Entendo... mas seguirei pela porta vermelha, mesmo.
- Estás louco! Louco!!! Por que arriscar nossas vidas, quando te digo que as chances de sobreviver são maiores na porta C???
- Eu vou escolher a porta vermelha, mas nada o impede de escolher a verde, meu jovem matemático.
- Pastelina, olha para mim. Provarei com um exemplo banal minha hipótese.
- Pois sim...
- Imagina uma fila de mil canetas idênticas, das quais apenas uma ainda tem tinta. Eu sei bem qual delas é a caneta que escreve, no entanto peço-te para adivinhar entre as mil. Fazes uma aposta numa caneta aleatória. Antes de revelar-te se tua escolha foi a correta, retiro das mil canetas exatamente 998, deixando apenas duas - a que escolheste e mais uma. Digo-te também que, dentre essas duas que restaram, uma é a que contém tinta. Peço-te para escolher novamente entre as duas. Manterias a escolha original, ou trocarias para a outra caneta?
- Trocaria, obviamente.
- Graças! Então! Percebes? A porta B abriu-se, não era a correta. Escolhemos a A no princípio, mas as chances de ser a C agora são maiores! É o mesmo exemplo, porém com menos elementos! Vamos, rumo à porta C.
- Não.
- O quê? - disse Inácio incrédulo.
- Eu vou seguir pela porta A, já disse.

Neste momento, encaramo-nos por muito tempo. Pude ver nos seus olhos as frases que sua boca não dizia. "Tenho pena de ti, filósofo. Pena de tua ciência inferior".

- Certo, disse ele contrariado. Um de nós irá partir agora, amigo.
- Certamente, disse eu. Inácio aproximou-se e apertou minha mão friamente, como se apertasse a mão de um defunto.

Tomamos as posições contrárias. Ambos abrimos as portas ao mesmo tempo.

O leitor deve estar se perguntando como eu sabia que a porta vermelha era a correta, apesar de as previsões de meu amigo Inácio estarem corretíssimas. O fato é que, olhando delicadamente - como quem observa uma colônia de formigas - ver-se-ia que era a única porta com um buraco na fechadura.