segunda-feira, 7 de novembro de 2011

As Aventuras Fisiológicas de Clevers Sinapse


Cap. I - Adeus, Dr. Hipocampo

E no meio do asfalto, sob a luz ofuscante do farol de seu carro, o corpo agonizante de Charles Hipocampo esparramava-se sobre uma poça de sangue diluído pela água da chuva. Trêmulo, o detetive Clevers Sinapse – seu maior discípulo – aproximou-se devagar, muito confuso. O Dr. Hipocampo o mirou com dificuldade.
- Dr. Charles... o que fizeram com você?
- Neu...
- Como? Dr. Charles, aguenta firme, eu vou buscar ajuda!
- Fis...
- Você quer dizer alguma coisa! O que você quer dizer, Charles? – disse agoniado o detetive Clevers. O tempo parou naquele instante.
- Neuro... Neurofísio!
Essa foi a última palavra de Charles Hipocampo.

Clevers vivia uma vida agitada na cidade de Happy Port. Como todo neurodetetive, sua busca inconstante pela verdade tornava a vida dos criminosos científicos muito mais perigosa. Desde cedo, almejava conhecer pessoalmente seu mestre, o doutor Charles Hipocampo, conhecido como “O Deus da Memória”, com quem se correspondia desde criança. Muito embora, jamais imaginou que seu primeiro encontro com seu ídolo seria também o último, à beira da famigerada morte. Clevers, no ato, mordia o músculo orbicular da boca, jurando vingança eterna e somática aos assassinos de seu amado mestre. E esta deveria iniciar-se naquele mesmo momento.
Ao telefone, ainda muito alterado, comunicou-se com seu aprendiz, o jovem Dave Leminisco.
                - Dave, não há tempo para perguntas. Pegue o carro e me encontre na Via Trigeminal da Dor.
                - Sim senhor.
                Levaram apenas dez minutos até que Dave Leminisco alcançasse-o. Desceu do carro e foi ter com seu mestre. Clevers estava sentado no cordão da calçada, com as mãos na cabeça.
                - Clevers, o que... o que aconteceu?
- Charles Hipocampo... – recuperou o fôlego – está morto.
- Impossível... quem...? Deus, não pode ser… Yuri Alzheimer?!
- Não há tempo a perder, Dave. Vamos, temos muito a raciocinar.


Cap. II - A Grande Dor de Clevers e Dave

- Se fosse possível aliviar a dor que sinto agora, Dave, através de estímulos simultâneos aos mecanorreceptores de baixo limiar da pele...
- Os das fibras A-Beta? E por que não faz isso, Clevers?
- Porque a dor que eu sinto não é na pele, Dave! É no coração!
- Deus! Ataque cardíaco?
- Não, seu insolente! Estou falando no sentido figurado. Meu sistema límbico... ele foi alterado com a morte do mestre Hipocampo. Provavelmente meu giro do cíngulo...
- É possível, Clevers. Sinto muito, também... mas é preciso ser forte. Vamos conseguir achar os neuroculpados, tenho certeza.
- Sem mais, Dave. – Clevers adorava cortar Dave, principalmente quando este já havia terminado seu raciocínio.
Quanto à dor, ambos sabiam muito bem que o corno dorsal da medula contém neurônios que podem ser excitados tanto por axônios sensoriais (bem espessos), quanto por axônios da dor não-mielinizados. E isso era um ponto positivo para eles em relação aos seus inimigos, que possivelmente não sabiam disso, ou ignoravam. O fato é que, de forma a aliviar a dor, um interneurônio excitado pelo axônio sensorial grande e inibido pelo axônio da dor acabava por inibir o neurônio de projeção – raciocínio este de grande dificuldade para cães, ratos albinos e tomates pensantes. Em outras palavras, passar a mão onde dói pode ser de bom grado para diminuí-la. Um fresco, certa vez, chamou isso de “Teoria do Portão da Dor”, e logo após teve uma dor de barriga fulminante que o levou à morte.
Clevers sempre contava um caso a quem estivesse disposto a discutir o assunto; era sobre um jovem quem, por ser muito estressado, após uma grade emoção, teve sua dor suprimida com eficiência, através da substância cinzenta pariaquedutal (PAG para os preguiçosos) e paraventricular. Essa substância, quando estimulada, prduzia analgesia profunda. A conclusão de Clevers era que o neurônio PAG, localizado no mesencéfalo, direcionava sua informação para um neurônio do núcleo da rafe, no bulbo, que por sua vez conduzia a um neurônio do corno dorsal da medula espinhal (mesencéfalo>bulbo>medula). Certa vez, ao terminar de contar isso a uns amigos em um restaurante, um jovem na mesa ao lado que sofria de dor de dente esfaqueou sua própria namorada, tendo assim uma emoção muito forte que finalmente trouxe alívio aos seus dentes, e também sua prisão.
Também relembrava, às vezes, as três bebidas que provara certa vez no Caribe, chamadas “Endorfina”, “Encefalina” e “Dinorfina”. Reza a lenda caribenha que as bebidas foram assim nominadas porque curam a dor, analogamente às substâncias endógenas de mesmo nome (os opióides endógenos), capazes de unirem-se aos mesmos receptores que a morfina. Suprimindo a liberação de glutamato por terminais pré-sinápticos enquanto inibem neurônios pela hiperpolarização de suas membranas pós-sinápticas, tais substâncias, tanto quanto as bebidas de mesmo nome, dão o maior barato. Alguns povos dizem que a Naloxona é uma substância que bloqueia os receptores opióides, e desde então, as esposas dos nativos são assim apelidadas por lá. A diferença é que, enquanto as substâncias curam dores físicas, as bebidas curam dores psicológicas. E causam dores de cabeça no dia seguinte, mas isso é omitido pela lenda.
A dor de Clevers não era nenhuma dessas, todavia. Nem mesmo duas doses de cada uma das três bebidas caribenhas curariam a dor da perda de um ídolo que modelou sua vida. Dave, por outro lado, não sentia nada nem parecido; na realidade, sequer sabia quem era de fato o Doutor Hipocampo. Tudo que ele queria era sangue, ou seja, capturar os assassinos junto de seu mestre, o Detetive Clevers Sinapse, o qual conheceu no Quartel Encefálico, há vários anos atrás. No entanto, a única dor que o insensível Dave Leminisco sentia no momento era a dor referida, causada por alguma dor visceral que, por causa da convergência de aferências nociceptivas viscerais sobre neurônios de segunda ordem de aferências cutâneas, lhe davam uma terrível dor no traseiro. Segundo sabia, os axônios nociceptores viscerais estavam entrando na medula espinhal pelo mesmo trajeto que os cutâneos, causando uma falsa dor na pele. Quando se deu conta que estava pensando nisso, já estavam chegando ao Musoio – o Museu do Olho.



sábado, 22 de outubro de 2011

Eu, um Cão

Após o maior intervalo sem manifestações aqui, o que dá um aspecto de solidão melancólica admirável ao blogue laranja, escolhi justamente um assunto pouco provável para compartilhar com... vocês?

É a segunda madrugada que passo à base de café, tamanha é a quantidade imensurável do estudo para a primeira prova de anatomia, que se há de passar daqui a dois dias e para a qual não estou preparado MESMO. Sim, café; quem me conhece, ou conhecia, sabe, ou sabia, que eu não tomo café. Não tomava.
Desde que conheci o "Café con piernas", no Chile, minha vida mudou com aquelas pernas. As chilenas que serviram o tradicional café com um short/cinto apertadinho me fizeram perceber tão logo que, sem café, a vida não é compatível com a realidade.

Porém, essa noite eu exagerei. Tomei umas boas cinco xícaras de café bem concentrado, não desperdiçando sequer a borra que por engano ultrapassou o filtro pálido. Algumas horas depois, eu estava mais elétrico que um pikachu selvagem, lendo o livro numa velocidade mais rápida que a própria disposição das palavras, e não tardou para que eu passasse mal.

A sensação de que doze facas afiadas imersas num óleo fervente martirizam sua barriga não é nada agradável, principalmente quando se tem 48h para decorar músculos que, há 5 minutos atrás, sequer existiam no seu mundo. Fui buscar o vômito voluntário, mas este não ocorreu, tendo eu ficado muito, muito angustiado. A ardência infernal me fazia, volta e meia, reclamar em voz alta (sozinho em casa, obviamente).
Quando me dei por conta, estava comendo dois morangos, duas bergamotas, um kiwi e várias uvas com casca. Não sei bem por que optei pelas frutas; talvez por ser a coisa mais próxima de capim que achei no apartamento. Como dizem, "o homem imita a natureza"...

Em alguns minutos, vomitei uma salada de frutas. Quase sem bile, pude notar a água glicídica banhando primeiro gomos quase inteiros de bergamota com sementes expostas, depois algumas cascas de uva, e logo após sementinhas negras de kiwi; fiquei decepcionado por não ter visto o morango.

A sensação gustativa com que saí do banheiro foi a de ter tomado um saboroso suco de frutas doce e tropical. E, finalmente, compreendi os cachorros.

sábado, 3 de setembro de 2011

Cuando Aquí Estoy de Nuevo

Cuando aquí estoy de nuevo
En medio de los campos tristes
Dónde siempre me escondí

El sol brillante en lo alto
Y ya no sé si aún existe
Todo lo que yo sentí

Mientras me quedo acá cerca
De mis compadres de guerra
Que hace tanto conocí

Me pregunto, ¿qué cambió?
Todos ellos estan muertos
Mientras viven por ahí

¿Pues soy yo el gran culpable?
A mí parecen todos muertos
Pero aún viven por aquí


Lucas Di Marco







quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O Taxista Sério

Bem no centro da cidade, próximo ao Mercado Público, embarcamos num táxi. O motorista, pouco simpático, com feições araboterroristas, não me cumprimentou. Ao perguntar "onde?", respondemos: "Independência, por favor", e eis que ouvimos a surpresa:

- Sério?

Uns segundos de silêncio se fizeram após a clara indagação. Ainda incrédulos, replicamos:
- Hã?
Mas o absurdo foi reposto pelo taxista:
- É sério?

Alerto-vos: esta é uma daquelas horas em que o ser humano mais sábio não sabe direito como agir. O que é que poderíamos tê-lo dito? Tudo; e cada opção poderia gerar uma reação diferente, como já dizia o velho "Tio Nilton". Exemplifiquemos:
- Não, não, to brincando. Me leva pra zona sul. --> taxista puxa uma faquinha nos assassina.
- Eu tenho cara de palhaço, mermão? --> taxista diz que sim, puxa um canivete e nos assassina.
- Não, não é sério - dançando com a cabeça -, o jovem no Brasil não quer levar a sério! --> taxista dança junto, puxa um baseado e ruma para a Restinga.
- Não... agora fica "gel" e me passa tudo que é um assalto. --> taxista puxa um revólver e nos assassina.
- PEGADINHA DO MALANDRO! --> taxista não ri, puxa um canivete e nos fura, sem matar.
- Sim, por que não seria?


Esta última foi dita pelo Pablo. De tantas opções, ele escolheu a mais amena. O taxista só resmungou, muito contrariado: "bah, Independência essa hora, tá louco...".


O frio falou mais alto e acabamos por não trocar de táxi. Foi quando passamos a imaginar as respostas acima com suas devidas consequências.