sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Pernas ao Ar e Barriga Crescente

Para quem não sabe, estou funcionariando publicamente. Em que pese a sutileza do meu cargo, não posso dizer que fui muito bem interpretado logo de início, a pesar de que, ao entrar, já tive regalias absurdas, como meio turno de folga para estudo e uma semana de ócio pró-vestibular. Ainda que lhes pareça claro o motivo de minha recepção duvidosa, não é o que estão pensando; o fato é que eles adotaram um certo receio quanto à minha posição em relação às funções administrativas. Do que discordo; contudo, aceito. É bem mais conveniente aceitar.

E eu, de meu modo, tento reconstituir a má impressão que, por algum motivo, assumiram-me por primeiro. Ontem, por mais uma vez estar praticando uma atividade repetitiva (NADA), acabei na mesa do chefão, próxima à minha.

- Com licença; eu não estou muito ocupado ali na minha mesa, então queria saber se o senhor não precisa de alguma coisa.

O ex-militar olhou para mim sob o seu bigode cultivado e, pensativo por uns instantes, concluiu:

- Tua função é ajudar o colega ao lado.
- Mas o colega não está precisando de ajuda no momento...
- Ah... então... então verifica aqueles processos ali - apontou-me para uma prateleira com dez pilhas enormes de processos administrativos - e, caso algum não esteja corretamente numerado, me avisa.

Um frio na barriga tomou conta de meu corpo. Seria esta a primeira vez que eu iria dar duro? Não.

Das três ou quatro pilhas que vi, só um processo não estava numerado. Carimbei suas dezenas de páginas e numerei-as após, e, confesso, foi a parte mais divertida do meu dia de trabalho.
Ao concluir, fui orgulhoso entregar minha obra de arte para o ascendente. Aguardando um elogio. Em vão.

- Agora procura alguma coisa pra fazer aí, tchê.

Hoje, em mais uma tentativa frustrada, procurei restabelecer os vínculos tênues de amizade com o primeiro chefe, que é um pouco mais jovem, conquanto seja necessária mais delicadeza ainda, tomando-se por conta sua índole pública "exigente". Ele me chama ironicamente de "meu amigo". Pela manhã, comprei uma Passa Tempo e, assim que cheguei, abri a bolacha, comi uma ou duas e ofereci-lha. Ele esticou a mão de sua mesa, que é vizinha à minha, e eu virei o pacote em sua mão com a cautela devida, porém... a bolacha da vez estava partida em 7494 pedaços esfarelados, que sujaram não só a mão dele, mas toda a sua mesa. Para a minha sorte, o gosto não havia se alterado, o que logo o fez esquecer. A despeito de gozar de certo perfil semi-irônico, tenho certeza que é no mínimo divertido fora daqui. Fora daqui.

Retornando à tarde de ontem (seguindo uma quebra cronológica típica), por volta das 18h andava até a parada de volta e entrei em uma rua anônima, na qual um sentimento científico tomou meu coração. Eu passei a observar não só o comportamento das pessoas que passavam por mim, mas também seus diálogos. Seguindo o que me ocorrera, passei por uma mulher gorda conversando com um cara, para o qual não olhei. Ela disse exatamente o seguinte:
- Não sei como o homem consegue, quando olha, imaginar sem roupa.
O homem deu uma risada mafiosa, e eu segui em meu caminho. A próxima pessoa que vi foi uma velhinha de uns 80 e poucos anos sentada numa cadeira em frente a uma banca de jornais. Lembrando-me do apelo da mulher, gargalhei tanto por dentro quanto por fora.

O grupo seguinte se tratava de três ou quatro homens e um mentiroso. Este, por sua vez, era no mínimo convincente. Para os outros.
- Sabia que 90% das cervejas do mundo não são feitas de cevada?!
- São feitas do quê, então?
- Arroz e milho!
E, passando, ouvi uma ou duas expressões de surpresa, como "sério!?" e "Tá brincando!"

E, desta forma, entrei no meu ônibus e cantarolei até chegar em casa, transformando este projeto, com a ajuda de um computador, em uma canção bem interessante, a qual chamarei... bom, ainda não sei.

4 comentários:

Liliane disse...

Fiquei feliz ao ler o post! Leve e engraçado. Bom sinal. E quero ouvir a música. Imaginei a cena da mulher e, confesso, ri muito. Bjs.

Lucas disse...

O mais engraçado é que a velhinha não entendeu por que eu estava rindo dela, coitada. Eu juro que tentei evitar imaginá-la sem roupa, mas não deu.

E quanto aos dias de trabalho, quem dera eu tivesse a minha chefe antiga de volta!

Marcelo disse...

ô trabalho hein!
vê se eles não te dãi uma folguinha pra pelada :P

Diogo disse...

Lucas, o que tu tem que entender é que o serviço público é um grupo de engrenagens.