quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Matei Meu Amigo Marcelo

Se estás com pressa, posso bem resumir minha confissão a uma só frase: matei meu amigo Marcelo, cravando uma lança de metal nas suas costas e pendurando-o após na janela, alinhado com o sol.

Agora, se quiseres ouvir minha versão, senta-te aí.

Eram cinco da tarde, ou perto disso, numa casa que, sinceramente, não conheço muito bem. Estávamos no segundo andar, dentro de um quarto muito grande; éramos os únicos na residência. Próximos à janela, demos seguimento a um diálogo muito delicado.
O sol estava se ponto e ele me olhou nos olhos, meio encurvado, com uma expressão de súplica. "Eu preciso morrer", dizia. E eu, como amigo, o tentava convencer do contrário. "Tu precisa me matar, cara... é sério"

Eu tentei negar tantas vezes; porém, a cor de sua face foi escurecendo a cada vez que o contrariava. "O mal cresce dentro de mim, tu não vê? Não vamos deixar ele tomar conta. Me mata, cara!"

Sob um árido sentimento de culpa, cravei-lhe uma faca ao peito.

Marcelo ajoelhou-se - lembro bem! - e permaneceu encurvado por vários segundos. Quando o arrependimento começou a diluir-se nos meu sangue, através dos meus olhos,
o louro rapaz levantou o dorso, encarou-me com um olhar penetrante e avermelhado, dizendo as seguintes palavras: "não foi suficiente"

Apontou para uma lança brilhante de metal, muito afiada e com o comprimento de dois metros. Arranquei-a da parede; Marcelo virou-se, e então cravei a lança prateada em suas costas, atravessando-o e saindo por seu peito. Senti a dor que lhe atingia, mas já era tarde: precisava concluir a tarefa. Pela lança, levantei-o e pendurei seu corpo agonizante na janela, ajustando o ângulo com o sol poente. Deixei-o ali, pendurado, para que o mal queimasse para sempre.

O Jonas entrou no quarto. "Já fez?", e eu respondi "sim". Era hora de se livrar das provas. Foi exatamente neste momento que algo nos passou pela cabeça: será que alguém iria entender o nobre motivo do crime?

Meu cúmplice e eu descemos as escadas com muita pressa; era preciso limpar tudo que nos incriminasse. Começamos por uma garrafa de coca-cola na cozinha. Depois, Jonas começou a abrir as portas de todos os cômodos para verificar se havia algo, e eu bradei "Não, cara, te liga! Tuas impressões vão ficar na fechadura!" Ele respondeu algo meio contrariado, mas limpou as fechaduras com sua roupa.
"Perguntei para ele: e agora? Por onde fugimos?", tendo obtido de meu companheiro a singela resposta: "Pelo Ártico". Um sorrisinho no canto de sua boca sugeria uma sábia ideia. Não compreendi, mas segui-o escada acima; subimos para o terraço, onde um pátio descoberto nos aguardava. O muro desta gigantesca área dava para um terreno muito longínquo, recheado de árvores, onde ninguém nos veria. Entendi (em partes) o tal "Ártico" de meu cúmplice Jonas: mas não sei explicar...
Antes, lembramos que havia algo lá embaixo do que precisávamos nos livrar. Corremos escadas abaixo, por três andares, até darmos de cara com a janela, que nos mostrava o portão da frente a uns 20m dali. "Se alguém chega agora estamos ferrados", disse eu. Nossa barriga gelou quando um carro preto parou na frente do portão, abrindo-o. Eram meus pais.

- E agora, cara? E agora? - disse eu, agachado, correndo para um dos quartos do primeiro andar. Jonas foi atrás.
- Não sei! Agora não sei!
Meus pais desceram no pátio, após estacionarem, e entraram na casa. Levariam algum tempo até verem a janela do quarto do andar de cima, e este era o tempo que tínhamos de liberdade. Minha mãe andou pelo corredor e nos encontrou no quarto do térreo, próximo à cozinha, onde discutíamos nosso fracasso. "Oi guris!" disse ela, alegre. Cumprimentamos. Quando ela se afastou, desabafei:
- Na hora que eles descobrirem vai ser f***.
- É... não tem o que fazer...
- Eles nunca vão entender o motivo...
- Nunca...
- O pior é imaginar o que os pais dele vão sentir também...
Ao falar isso, senti um calafrio. Era medo. Respirei, olhei para a janela do quarto, aberta, e continuei:
- Se o Marcelo tivesse pelo menos deixado uma carta explicando os motivos...
- Não adianta... homicídio é homicídio - respondeu meu sábio cúmplice.

Marcelo Horst (1989-2010)
Neste momento, não sei bem por quê, tentei pular a janela do quarto; enquanto o fazia, ouvi ao fundo um som muito forte de strings e guitarra aguda. Reconheci a música Carry On, tema do meu despertador, que me acordou antes de eu tocar o chão do pátio.

11 comentários:

Lucas Di Marco disse...

Assistir a Lost nunca me assustou tanto.

Jonas Kloeckner disse...

Cara, a policia acabou de me prender. Me disseram que eu tinha direito a uma ligação. Então pedi para usar a internet e concordaram. Tu entendeu errado! Segue RETO pro norte sem olhar pra trás!!! Eu cuido de tudo por aqui!!!
Te amo cara!

Liliane disse...

Incrível! Até teus pesadelos são em grande estilo! E achaste o melhor cumplice possível, pelo que se lê acima.
Na foto do Marcelo, só faltaram as asas....

Anônimo disse...

Se precisarem cobertura, tenho contatos que já estão sendo ativados no Equador. Hoje à tarde fizemos uma proposta ireecusável ao presidente... em breve o mundo saberá.

Rafa disse...

e aí, comeu?

Lucia Mendes disse...

Nem precisava ter tanto cuidado em limpar os rastros do crime... nenhum perito nacional iria conseguir tirar uma impressão digital de uma garrafa de coca-cola:diriam que o material é insuficiente. Mesma resposta que seria dada para as parciais das portas e maçanetas...a menos que fosse investigado pela PF...hehehe
Beijo

Marcelo disse...

não sou mais teu amigo :(

Lucas Di Marco disse...

Cara, eu fiz isso por amizade!

Anônimo disse...

Pô, que calúnia contra os profissionais do IGP. OS caras são tri competentes...

Lucia Mendes disse...

Não duvido da competência dos profissionais do IGP, mas sem condições de trabalho e tecnologia compatíveis...só se forem o Mister M... ;)

Elise Pimentel disse...

isso pode ser um sinal. Marcelo, te cuida.