Agora, se quiseres ouvir minha versão, senta-te aí.
Eram cinco da tarde, ou perto disso, numa casa que, sinceramente, não conheço muito bem. Estávamos no segundo andar, dentro de um quarto muito grande; éramos os únicos na residência. Próximos à janela, demos seguimento a um diálogo muito delicado.
O sol estava se ponto e ele me olhou nos olhos, meio encurvado, com uma expressão de súplica. "Eu preciso morrer", dizia. E eu, como amigo, o tentava convencer do contrário. "Tu precisa me matar, cara... é sério"
Eu tentei negar tantas vezes; porém, a cor de sua face foi escurecendo a cada vez que o contrariava. "O mal cresce dentro de mim, tu não vê? Não vamos deixar ele tomar conta. Me mata, cara!"
Sob um árido sentimento de culpa, cravei-lhe uma faca ao peito.
Marcelo ajoelhou-se - lembro bem! - e permaneceu encurvado por vários segundos. Quando o arrependimento começou a diluir-se nos meu sangue, através dos meus olhos,
o louro rapaz levantou o dorso, encarou-me com um olhar penetrante e avermelhado, dizendo as seguintes palavras: "não foi suficiente"
Apontou para uma lança brilhante de metal, muito afiada e com o comprimento de dois metros. Arranquei-a da parede; Marcelo virou-se, e então cravei a lança prateada em suas costas, atravessando-o e saindo por seu peito. Senti a dor que lhe atingia, mas já era tarde: precisava concluir a tarefa. Pela lança, levantei-o e pendurei seu corpo agonizante na janela, ajustando o ângulo com o sol poente. Deixei-o ali, pendurado, para que o mal queimasse para sempre.
O Jonas entrou no quarto. "Já fez?", e eu respondi "sim". Era hora de se livrar das provas. Foi exatamente neste momento que algo nos passou pela cabeça: será que alguém iria entender o nobre motivo do crime?
Meu cúmplice e eu descemos as escadas com muita pressa; era preciso limpar tudo que nos incriminasse. Começamos por uma garrafa de coca-cola na cozinha. Depois, Jonas começou a abrir as portas de todos os cômodos para verificar se havia algo, e eu bradei "Não, cara, te liga! Tuas impressões vão ficar na fechadura!" Ele respondeu algo meio contrariado, mas limpou as fechaduras com sua roupa.
"Perguntei para ele: e agora? Por onde fugimos?", tendo obtido de meu companheiro a singela resposta: "Pelo Ártico". Um sorrisinho no canto de sua boca sugeria uma sábia ideia. Não compreendi, mas segui-o escada acima; subimos para o terraço, onde um pátio descoberto nos aguardava. O muro desta gigantesca área dava para um terreno muito longínquo, recheado de árvores, onde ninguém nos veria. Entendi (em partes) o tal "Ártico" de meu cúmplice Jonas: mas não sei explicar...
Antes, lembramos que havia algo lá embaixo do que precisávamos nos livrar. Corremos escadas abaixo, por três andares, até darmos de cara com a janela, que nos mostrava o portão da frente a uns 20m dali. "Se alguém chega agora estamos ferrados", disse eu. Nossa barriga gelou quando um carro preto parou na frente do portão, abrindo-o. Eram meus pais.
- E agora, cara? E agora? - disse eu, agachado, correndo para um dos quartos do primeiro andar. Jonas foi atrás.
- Não sei! Agora não sei!
Meus pais desceram no pátio, após estacionarem, e entraram na casa. Levariam algum tempo até verem a janela do quarto do andar de cima, e este era o tempo que tínhamos de liberdade. Minha mãe andou pelo corredor e nos encontrou no quarto do térreo, próximo à cozinha, onde discutíamos nosso fracasso. "Oi guris!" disse ela, alegre. Cumprimentamos. Quando ela se afastou, desabafei:
- Na hora que eles descobrirem vai ser f***.
- É... não tem o que fazer...
- Eles nunca vão entender o motivo...
- Nunca...
- O pior é imaginar o que os pais dele vão sentir também...
Ao falar isso, senti um calafrio. Era medo. Respirei, olhei para a janela do quarto, aberta, e continuei:
- Se o Marcelo tivesse pelo menos deixado uma carta explicando os motivos...
- Não adianta... homicídio é homicídio - respondeu meu sábio cúmplice.
Marcelo Horst (1989-2010) |
11 comentários:
Assistir a Lost nunca me assustou tanto.
Cara, a policia acabou de me prender. Me disseram que eu tinha direito a uma ligação. Então pedi para usar a internet e concordaram. Tu entendeu errado! Segue RETO pro norte sem olhar pra trás!!! Eu cuido de tudo por aqui!!!
Te amo cara!
Incrível! Até teus pesadelos são em grande estilo! E achaste o melhor cumplice possível, pelo que se lê acima.
Na foto do Marcelo, só faltaram as asas....
Se precisarem cobertura, tenho contatos que já estão sendo ativados no Equador. Hoje à tarde fizemos uma proposta ireecusável ao presidente... em breve o mundo saberá.
e aí, comeu?
Nem precisava ter tanto cuidado em limpar os rastros do crime... nenhum perito nacional iria conseguir tirar uma impressão digital de uma garrafa de coca-cola:diriam que o material é insuficiente. Mesma resposta que seria dada para as parciais das portas e maçanetas...a menos que fosse investigado pela PF...hehehe
Beijo
não sou mais teu amigo :(
Cara, eu fiz isso por amizade!
Pô, que calúnia contra os profissionais do IGP. OS caras são tri competentes...
Não duvido da competência dos profissionais do IGP, mas sem condições de trabalho e tecnologia compatíveis...só se forem o Mister M... ;)
isso pode ser um sinal. Marcelo, te cuida.
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