Embaixo do famoso viaduto (na fronteira da John People com a Doce Neto) estive eu novamente aguardando a lotação on the way home com um olho desconfiado e o outro promíscuo. Nada diferente dos dias frios que nos antecederam. Acostei-me à mureta pichada a alguns metros do tal viaduto, totalmente sozinho num raio de vinte metros, exceto pelo constante fluxo de pessoas que iam e vinham diante de meus olhos e por uma única menina que resolveu embarcar em meu lado direito enquanto, naturalmente, também esperava seu transporte.
Então veio ele, entre a multidão transumante, do viaduto até a minha direção. Era um senhor de aparência normal, nem pardo nem claro, nem tão velho assim; vestia um casaco bem-traçado de pêlos tingidos e limpos, quase que formal. Conquanto o acompanhasse com os olhos - visto que olhava para a direção de onde vinha - não o havia notado de fato. Qual não foi minha surpresa, porém, quando o estranho senhor cessou seus passos rápidos a dois metros de mim e passou a encarar-me com um vigor imprenscindível. De súbito, a observação obsecada transfigurou-se num minúsculo e oblíquo sorriso. Eu o encarei de volta, com a incerteza do perigo e a convicção da razão, e assim nos enfrentamos, olho a olho, por uns longos dez segundos.O saudei ironicamente com um leve aceno de cabeça. Fui retribuído com uma inusitada indagação.
- Nos conhecemos, né?
- Oi?
- Eu e tu, nós nos conhecemos?
"É só um bêbado", imaginei, a despeito de sua voz e de seu passo não o comprometerem em absolutamente nada.
- Que eu me lembre, não...
- Como não! Do Vietnam!
- Daonde?
- Do Vietnam, rapaz! Tu foi meu companheiro!
Observei-o bem. Suas mãos estavam suspensas fora dos bolsos; não trazia consigo qualquer artefato nem bolsa. Tampouco me parecia embriagado ou sob efeito de quaisquer substâncias. Respirei aliviado e levantei a primeira suspeita, que em seguida se confirmaria.
- O senhor também lutou na Guerra do Vietnam?
- Claro!!! Tu serviu comigo rapaz! - e aproximou-se até bem perto de mim com um sorriso bem maior.
- Ah! É verdade! - disse eu, já convencido de sua insanidade.
- Eu tava vindo dali e olhei bem pra ti, daí pensei, esse cara serviu comigo no Vietnam!
- Pois é! Mas e aí, teu batalhão venceu lá?
- Ih... foi duro, foi duro. E tu?
- Também, mas isso faz um tempo já né...
- Faz tempo!
Neste momento ele notou a moça ao meu lado, olhou-a de cima a baixo e fez uma expressão redonda com os lábios, sob o som das vogais fechadas. Tornou a dirigir-me a atenção com a seguinte informação:
- Tu sabe, né. O Quartel e o Batalhão ficam bem ali embaixo, na Rua da Praia...
- Claro que sei.
- Pois é, qualquer coisa que precisar, já sabe. Rua da praia. - repetiu, apontando para o além.
- Sei! - disse eu, ainda admirado com a loucura do velho megalomaníaco, e, não resistindo, cutuquei-o mais um pouco: - E o General, como vai?
O sujeito trocou o sorriso (até agora imóvel) por uma expressão gélida.
- He, esse aí... sabe como ele é né...
- Continua o mesmo, de certo.
- Esse aí não muda mais. É que ele é da aeronáutica, mas eu sou da Marinha de Guerra, né...
- Ah sim, por isso mesmo.
Por alguma razão, toquei em um ponto fraco. Ele quis então se despedir o mais rápido possível.
- Mas foi um prazer te rever meu rapaz! - disse, procurando minha mão para apertar, a qual não achou (por óbvio). Então deu-me uns tapinhas amigáveis no ombro esquerdo, continuando: - e tudo de bom pra ti, hein.
- Então tá! Pro senhor também!
- E não esquece... - levantando a mão direita - Qualquer coisa... é só atirar! - disse, simulando o aperto de um gatilho com o dedo indicador e com um sorriso e uma piscadela.
- Tem que atirar, sempre! - respondi, sorrindo de volta. O homem então seguiu seu caminho sem cambalear.
Não sei explicar o que me passou após. A moça ao meu lado me olhou e disse "é, com louco não se discute...". Eu quis lhe dizer "se discute, sim, e se aprende", mas ela não ia entender. Pensei seriamente em fingir-me de louco para ela, mas fiquei com preguiça, e portanto apenas lhe sorri.
Verdade é que, com efeito, possa ser eu o insano soldado desmemoriado que sequer reconhece seu velho parceiro de guerra.
6 comentários:
Fiquei a tentar te imaginar como um soldado na guerra...
Especialmente em uma guerra que aconteceu cerca de 20 anos antes de nasceres!
E as fotos, ah, as fotos... hahahahahahahahahahahahaha
Realmente, tem coisas que só acontecem contigo!
HUAHAhAuaHUAUHuhAu
Muuuuito bom cara!
As fotos foram as melhores de todas
as fotos ficaram mto engraçadas!
Ótimo post ! UHUASUAUSIUSIAS
Não sei como tu não lembra!
Gostei bastante! :]
As fotos ficaram muito boas...
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