sexta-feira, 14 de maio de 2010

Uma Proposta Maligna

*Orgulhoso, passo subitamente a tinta e a pena ao meu notório amigo escritor, Dr. Alberto S. Pastelina.*

Estava eu recostado em um banco da praça verde, pensando na vã filosofia de Shakespeare, às seis da tarde; não mais via as crianças que urinavam nos arbustos e os cães que pulavam corda até minutos atrás. Como diria o velho Albinistes, "mais vale um porco albino do que um albino porco", e sob este mote valiosíssimo, abro minha narrativa acerca de uma tarde marcante de meu passado.

Quando de súbito me aparece um sujeito engravatado segurando uma maleta. Havia outros assentos na praça, conquanto tenha optado pelo meu. Desconfiado, tive o reflexo de levantar, mas o homem se antecipou:
- Não, não; não te afasta. O que trago aqui dentro pode-te interessar.
- Ah, não, nem pensei. É que estou mesmo atrasado...
- Atrasado? O senhor me perdoe, mas estamos ociosos em uma praça às seis da tarde de quinta-feira.
- É... tens razão. - disse eu, sentando novamente. Não portava nada de valor àquela hora; não havia nada a temer, a princípio. - o que trazes aí?
- O quê? Ah, na maleta? Nada demais.
- Hum. - resolvi calar-me. Se não me contou, é porque não devo saber.
- Na verdade, tem algo, sim. Porém, antes de mostrá-lo...
- O que o senhor quer, afinal? - indignei-me. O sujeito tratava-me como um parvo, como um velho insipiente. O que de fato aparentava, sem meus livros em mãos e com um ar arisco de gato ante o churrasqueiro.
- Calma lá - pediu o homem - Eu não pretendo enrolar muito... deixa-me apresentar. Eu sou o Diabo. - e estendeu sua mão.

Alguns segundos de silêncio antecederam meu sorriso irônico. Ou ele estava me zombando, ou era fugido de um sanatório. Recolheu a mão por desistência e continuou:

- Não estou brincando, tampouco fugi de lugar algum. Eu sou o Diabo, o próprio. Podes me chamar de Lúcifer. Ou do que quiseres; o que mais tenho é apelido.
- Então o senhor é o Diabo.
- O Diabo.
- O Diabo?
- O Diabo.
- Certo, então... imagino que seja fácil provar? - o homem também sorriu ironicamente e desviou o olhar.
- Eu não estou aqui para provar. Mas não tenho dúvidas que me acreditarás.
- Ah, disso não tenho dúvidas também. Basta tacares fogo naquele bebê, ou empalares aquela senhora ali, ou quem sabe... - neste momento, o homem abriu a maleta.

O conteúdo fez meus olhos e minha mente calarem-se.

- Alberto, eu vim até aqui para comprar tua alma. - mais alguns segundos de silêncio separaram minha audição de minha visão. Enquanto as notas de R$ 100,00 que engrossavam a maleta faziam-se mais atraentes, percebi que a brincadeira estava indo longe demais.
- Minha alma. Com notas falsas.
- Notas falsas? - o homem puxou uma lupa e analisou a marca d'água em minha frente. As malditas notas eram reais, em todos os sentidos.
- O que diabos... digo, o que o senhor está fazendo com tanta grana bem no meio da Redenção?
- Já disse, Alberto; vim comprar tua alma.
- Como sabes meu nome?
- Diz no teu livro. - notei que, ao meu lado, no banco, estava um exemplar da Bíblia Albina com uma foto minha. Eu mesmo já a havia ignorado. Olhei em seus olhos. Eles me diziam claramente que o sujeito não era louco.
- Isso é algum tipo de brincadeira?
- Já disse, eu já disse! Não queres me desapontar, não é? Vamos, aperta minha mão. Podemos fechar negócio. - estendeu novamente a mão. Um calafrio atingiu meu peito, como se tivesse acreditado pela primeira vez naquelas palavras.
- Que interesse tens na minha alma?
- Como se não soubesses. És um grande escritor, um homem sábio. Adoraríamos tê-lo conosco nas profundezas das trevas.
- E como eu me faria útil?
- Toda alma é útil de certa forma, meu caro. Nem que seja evitando o paraíso. - ao proferir esta palavra, o homem teve uma expressão de angústia, repugnância; tamanha era sua dedicação que teria convencido qualquer um naquela praça. No entanto, não era qualquer um.
- Certo. Eu não sou lá muito religioso. Sequer acredito no senhor.
- Eu entendo. A diferença é que me faço presente, bem aqui, na tua frente.
- Tu não podes ser bem certo...
- Ótimo, Alberto. Então aperta minha mão, aceita meu dinheiro! Já que não te represento perigo... - eu tive vontade de apertar sua mão, que mais uma vez me fora estendida. Todavia, algo me bloqueava. Aquele velho temor humano do desconhecido. - O que foi, Alberto?
- O que tu vês em meus olhos?
- Olhos? Eu vejo algo bem na tua testa.
- Ora... e o que será?
- Uma data.
- Data?
- A data do teu óbito.
- O senhor já foi longe demais...
- Eu vejo o dia, o mês e o ano que irás para o outro lado. Só resta saber qual lado. - e estendeu novamente a mão. Eu nem pensei em apertar.
- E quando é que isso vai acontecer?
- Estás perdendo tempo.
- Pois sim...
- Não tenho interesse em ganhar um fã. Não como Ele. Vamos: é pegar ou largar.
- Digamos que eu aceite.
- Sim?
- O que aconteceria comigo?
- Tirar-te-ei algum valor em vida e acompanhar-me-ás nas trevas eternamente. Mas por um milhão; não é válido?
- Um milhão?
- Eu já esperava por isso - e abriu o paletó, retirando do bolso um colar de diamantes. Não consegui mensurar o valor daquele objeto, que brilhava como se portasse luz própria. Não consegui evitar meu olhar ganancioso.
- Posso... tocar?
- Podes tê-lo em mãos até a morte. E em lembrança por toda a eternidade.
- Basta apertar tua mão.
- Estamos começando a nos entender.

Olhei para o sujeito com a mão estendida, muito bem arrumado, e depois ao nosso redor. Ninguém estava lá, e o pôr-do-sol já apontava. Olhei para a maleta e, fixamente, para o colar.

Ele não brilhava mais como antes.

7 comentários:

Anônimo disse...

Pastelina não tem alma, todos sabem. Como conheço esse bugre velho, garanto que ele passaria a perna no guampudo, sairia com a grana e o colar. Além disso, conseguiria passagem livre pro inferno, onde frenquentaria algumas festas na companhia do Jimi Hendrix, cachaça e vagabundas. Afinal de contas, subsolo caliente só é ruim porque é pra sempre!

Bom textículo. Distraiu-me.

Diogo disse...

Apesar de bom, tu é um escritor MUITO irresponsável, Lucas. Deixa os finais abertos, dando indicações de continuação, mas nunca fecha! Eu ainda quero saber o que era a maldita criança.

Liliane disse...

Pastelina conversando com o Diabo?!?!?! Quem será mais esperto... E sendo o Diabo quem é, seria inteligente confiar nele? Os diamantes poderiam facilmente virar carvão!

Marcos disse...

Concordo com o Diogo , tu deveria postar as continuações das histórias ,o pessoal fica curioso hehehehe.

Abraço

Anônimo disse...

Se tu continuar as histórias, eu não leio mais.

Lucas Di Marco disse...

Reclamem ao pastelina.

Marcelo disse...

maldição!