Quando de súbito me aparece um sujeito engravatado segurando uma maleta. Havia outros assentos na praça, conquanto tenha optado pelo meu. Desconfiado, tive o reflexo de levantar, mas o homem se antecipou:
- Não, não; não te afasta. O que trago aqui dentro pode-te interessar.
- Ah, não, nem pensei. É que estou mesmo atrasado...
- Atrasado? O senhor me perdoe, mas estamos ociosos em uma praça às seis da tarde de quinta-feira.
- É... tens razão. - disse eu, sentando novamente. Não portava nada de valor àquela hora; não havia nada a temer, a princípio. - o que trazes aí?
- O quê? Ah, na maleta? Nada demais.
- Hum. - resolvi calar-me. Se não me contou, é porque não devo saber.
- Na verdade, tem algo, sim. Porém, antes de mostrá-lo...
- O que o senhor quer, afinal? - indignei-me. O sujeito tratava-me como um parvo, como um velho insipiente. O que de fato aparentava, sem meus livros em mãos e com um ar arisco de gato ante o churrasqueiro.
- Calma lá - pediu o homem - Eu não pretendo enrolar muito... deixa-me apresentar. Eu sou o Diabo. - e estendeu sua mão.
Alguns segundos de silêncio antecederam meu sorriso irônico. Ou ele estava me zombando, ou era fugido de um sanatório. Recolheu a mão por desistência e continuou:
- Não estou brincando, tampouco fugi de lugar algum. Eu sou o Diabo, o próprio. Podes me chamar de Lúcifer. Ou do que quiseres; o que mais tenho é apelido.
- Então o senhor é o Diabo.
- O Diabo.
- O Diabo?
- O Diabo.
- Certo, então... imagino que seja fácil provar? - o homem também sorriu ironicamente e desviou o olhar.
- Eu não estou aqui para provar. Mas não tenho dúvidas que me acreditarás.
- Ah, disso não tenho dúvidas também. Basta tacares fogo naquele bebê, ou empalares aquela senhora ali, ou quem sabe... - neste momento, o homem abriu a maleta.
O conteúdo fez meus olhos e minha mente calarem-se.
- Alberto, eu vim até aqui para comprar tua alma. - mais alguns segundos de silêncio separaram minha audição de minha visão. Enquanto as notas de R$ 100,00 que engrossavam a maleta faziam-se mais atraentes, percebi que a brincadeira estava indo longe demais.
- Minha alma. Com notas falsas.
- Notas falsas? - o homem puxou uma lupa e analisou a marca d'água em minha frente. As malditas notas eram reais, em todos os sentidos.
- O que diabos... digo, o que o senhor está fazendo com tanta grana bem no meio da Redenção?
- Já disse, Alberto; vim comprar tua alma.
- Como sabes meu nome?
- Diz no teu livro. - notei que, ao meu lado, no banco, estava um exemplar da Bíblia Albina com uma foto minha. Eu mesmo já a havia ignorado. Olhei em seus olhos. Eles me diziam claramente que o sujeito não era louco.
- Isso é algum tipo de brincadeira?
- Já disse, eu já disse! Não queres me desapontar, não é? Vamos, aperta minha mão. Podemos fechar negócio. - estendeu novamente a mão. Um calafrio atingiu meu peito, como se tivesse acreditado pela primeira vez naquelas palavras.
- Que interesse tens na minha alma?
- Como se não soubesses. És um grande escritor, um homem sábio. Adoraríamos tê-lo conosco nas profundezas das trevas.
- E como eu me faria útil?
- Toda alma é útil de certa forma, meu caro. Nem que seja evitando o paraíso. - ao proferir esta palavra, o homem teve uma expressão de angústia, repugnância; tamanha era sua dedicação que teria convencido qualquer um naquela praça. No entanto, não era qualquer um.
- Certo. Eu não sou lá muito religioso. Sequer acredito no senhor.
- Eu entendo. A diferença é que me faço presente, bem aqui, na tua frente.
- Tu não podes ser bem certo...
- Ótimo, Alberto. Então aperta minha mão, aceita meu dinheiro! Já que não te represento perigo... - eu tive vontade de apertar sua mão, que mais uma vez me fora estendida. Todavia, algo me bloqueava. Aquele velho temor humano do desconhecido. - O que foi, Alberto?
- O que tu vês em meus olhos?
- Olhos? Eu vejo algo bem na tua testa.
- Ora... e o que será?
- Uma data.
- Data?
- A data do teu óbito.
- O senhor já foi longe demais...
- Eu vejo o dia, o mês e o ano que irás para o outro lado. Só resta saber qual lado. - e estendeu novamente a mão. Eu nem pensei em apertar.
- E quando é que isso vai acontecer?
- Estás perdendo tempo.
- Pois sim...
- Não tenho interesse em ganhar um fã. Não como Ele. Vamos: é pegar ou largar.
- Digamos que eu aceite.
- Sim?
- O que aconteceria comigo?
- Tirar-te-ei algum valor em vida e acompanhar-me-ás nas trevas eternamente. Mas por um milhão; não é válido?
- Um milhão?
- Eu já esperava por isso - e abriu o paletó, retirando do bolso um colar de diamantes. Não consegui mensurar o valor daquele objeto, que brilhava como se portasse luz própria. Não consegui evitar meu olhar ganancioso.
- Posso... tocar?
- Podes tê-lo em mãos até a morte. E em lembrança por toda a eternidade.
- Basta apertar tua mão.
- Estamos começando a nos entender.
Olhei para o sujeito com a mão estendida, muito bem arrumado, e depois ao nosso redor. Ninguém estava lá, e o pôr-do-sol já apontava. Olhei para a maleta e, fixamente, para o colar.
Ele não brilhava mais como antes.
7 comentários:
Pastelina não tem alma, todos sabem. Como conheço esse bugre velho, garanto que ele passaria a perna no guampudo, sairia com a grana e o colar. Além disso, conseguiria passagem livre pro inferno, onde frenquentaria algumas festas na companhia do Jimi Hendrix, cachaça e vagabundas. Afinal de contas, subsolo caliente só é ruim porque é pra sempre!
Bom textículo. Distraiu-me.
Apesar de bom, tu é um escritor MUITO irresponsável, Lucas. Deixa os finais abertos, dando indicações de continuação, mas nunca fecha! Eu ainda quero saber o que era a maldita criança.
Pastelina conversando com o Diabo?!?!?! Quem será mais esperto... E sendo o Diabo quem é, seria inteligente confiar nele? Os diamantes poderiam facilmente virar carvão!
Concordo com o Diogo , tu deveria postar as continuações das histórias ,o pessoal fica curioso hehehehe.
Abraço
Se tu continuar as histórias, eu não leio mais.
Reclamem ao pastelina.
maldição!
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