quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma Comédia de Erros

Após ter abandonado o recinto por quase um mês, aqui faço-me presente diante de fatos bombásticos a serem versados. Mentira: se eu fosse tu, nem prosseguiria.

Caso seguiste a leitura, orgulhar-me-ia contar-te sobre algumas sucessões de Leontopithecus rosalia pelos quais tenho passado (vulgo 'mico').
Uma forte demonstração disso ocorrera quando, em uma sala de espera, há algumas semanas, sentava com as pernas formando um quatro naquelas poltronas azuis e confortáveis, embora estivesse um tanto eufórico com algumas infortúnias que me diziam respeito. Ocorreu que, antes disso, estava eu no segundo andar, em frente à porta dentro da qual acontecia uma aula importantíssima e irrecuperável. Não obstante, chegara quarenta minutos atrasado. "E agora? Entro? Não entro? Entro pela metade? Espero ser convidado?" Nada disso iria acontecer se eu seguisse imóvel e indeciso diante da porta. Pensei em todas as possibilidades: se eu pedisse autorização na secretaria, deixaríam-me entrar na tal aula facilmente; contudo, com que cara deveria chegar lá e pedir uma autorização para uma aula que já estaria correndo há quase uma hora? Concluí que o melhor a fazer era arriscar: tomei, pois, coragem, e entrei.


Cerca de oitenta cabeças se viraram para mim - dentre elas, a da professora. A monitora, orientada a não permitir ninguém de outra turma entrar sem autorização, olhou-me sem compreender. A alguns segundos, do outro lado da porta, a idealização da cena era totalmente oposta: haveria umas dez ou quinze pessoas, que sequer notariam a minha presença, e eu passaria direto pela monitora, que não teria como me bloquear sem fazer um estrago à aula, o que não deveria ocorrer. Porém, se tudo sempre saísse como é planejado, usaríamos hoje um híbrido bigodinho vertical, e nossos ombros teriam cãibras bárbaras e frequentes.
- Tu quer assistir à aula?
- Uhum eu avisei embaixo lá também já vou sentar depois ali explico melhor...
- Quê? - e eu fiquei tentado a fazer um som de flatos com a língua e os lábios, já que a enrolação não havia funcionado mesmo. As cem cabeças ainda me encaravam curiosas e ríspidas, como quem condena um criminoso pelo roubo de uma velhinha. Seria uma ótima hora para um discurso moralista, pensei.
- Eu posso assistir?
- Só com autorização...
- Mas é a última aula... - disse eu, com o lábio inferior levemente sobreposto.
- Desculpa... são ordens... - e as cabeças errantes mencionaram mesmo um aplauso orgulhoso diante de meu fracasso, conquanto lhes contivesse o superego.

Saí menos envergonhado que conformado, descendo as escadas com certo vigor. Foi quando cheguei à tal sala de espera, com a qual abri este relato.
O amigo aí deve entender algo do comportamento autoempírico que muitas vezes nos leva a ressaltar nossas próprias qualidades num momento de falência egoísta. Por algum motivo, diante daquela situação embaraçosa, um ímpeto instintivo-testosterônico emanara de meu peito coberto de pêlos e, consoante tal balanceamento de cabeças, fez-me agir como um galanteador latino dos anos 50. Enrolei até agora para disfarçar a tamanha besteira que confesso ter feito, assim que chegara na sala uma moça, nem muito bonita nem muito feia, porém com um perfume forte e reconhecível; já o tinha sentido dantes, e até seu nome me era familiar. Não pude deixar de usar a dica do Barradas - mestre em sedução masculina - quanto à "dramaturgia do primeiro contato"; a teoria é baseada no fundamento que, segundo o jovem branco, garante um resultado positivo no caso de utilizarmos nossa primeira fala de forma augusta, ostentada e destacada, como nos filmes... e não foi menos o que procurei fazer, assim que ela sentou ao meu lado.
- Ralph? - perguntei, tendo certeza que este era o perfume que lhe cercava o corpo.
- Não, Mariana.
No início pensei tratar-se de um mal-entendido e calei-me. Alguns minutos depois, percebi a maldade.

Fato semelhante ocorreu-me hoje, enquanto andava nas ruas da Independência. Não foi difícil notar  um sujeito com uma camisa de tecido tipicamente europeu, uma calça cinza angla, um chapéu ocidentalizado meio germânico (anos 50), óculos escuros norte-americanos, pele totalmente branca, rosto europeizado, sapatos britânicos e uma pasta escrita "www.goethe.de". Parecia levemente perdido. E confesso ter desviado meu caminho propositalmente para entrar na sua rota. A idéia era avisar-lhe, amigavelmente, para que procurasse vestir-se como um brasileiro, uma vez que anda livremente pelas nossas ruas, antes que lhe assaltassem, tratando-se de uma região famigerada. Todavia, seria audacioso demais pará-lo no meio da rua. O sujeito notou que estava sendo seguido e precisei dissimular um pouco, até que ele travessou a rua, e eu também - nesta hora já havia desviado totalmente do meu caminho - tendo ambos parado num local de espera de ônibus. Aproximei-me e tomei alguma coragem. Pensei: em que idioma devo abordá-lo? Apesar de meus conhecimentos germânicos serem um tanto meristêmicos, saberia cumprimentá-lo de maneira segura. No entanto, e se o sujeito fosse inglês? Seria um desastre. O certo mesmo era falar com ele em inglês, idioma largamente entendido pelos alemães inclusive. No entanto, havia o risco de o cara ser francês, e ofender-se caso lhe dirigisse um "hello my dear" logo de cara... Um pouco indeciso, optei pela opção mais humilde, porém a mais coerente:
- O senhor é daqui?
- Sim, de Porto Alegre.

O problema mesmo foi explicar-lhe que só queria ajudar. Esses imigrantes...

3 comentários:

Diogo disse...

Cara, só os metidos a europeus se vestem como "europeus". Os alemães aqui se vestem que nem a gente. E os adolescentes adotam a moda "rapper americano", apesar do tom alvo das peles e do turquesa dos olhos. Desastre total. Vai entender...

Liliane disse...

"Ralph? Não, Mariana." HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...


Ainda estou rindo...

Diogo disse...

Ah, é, essa foi foda. asuhsauhsauhsa