quarta-feira, 1 de setembro de 2010

The Stalker

Ou, literalmente, "o perseguidor". Nunca se imaginou nesta situação? Chega a ser assustador, malgrado seja a situação excêntrica e, de certa forma, excitante.
Segue o relato de minha primeira experiência nestes termos. Se desistires logo na primeira parte, és um ser humano normal (ou ordinário?).

Parte 1: A crua análise, como a de um lobo ao avaliar uma lebre

A jovem foi notada há meses atrás, durante o início de uma aula. A história é uma disciplina tão filosófica quando a própria filosofia, uma vez que esta é vítima dos homens, enquanto estes são vítimas daquela. E por falar em vítimas, vitimou-nos as centenas de exercícios inacabados acerca dos homens antigos. Nos seus íntimos, ninguém confessava a negligência - somente ela, a verdadeira vítima, foi quem teve a iniciativa de avançar e perceber que, das centenas de questões, mais da metade não condizia com seus gabaritos.

Nesta ocasião, sentou-se ao lado do narrador. E protestou. Os exercícios estavam de fato adulterados, e sequer o mestre havia notado. Ora, uma líder exemplar - não se admira sua postura límpida e enobrecida. Não houve outra reação: foi notada. E, a partir de então, dia após dia foi observada. No princípio, leves observações a nível masculino - um campo, pois, nada amplo; com o passar do tempo, foi progressivamente se mostrando mais e mais interessante.

Parte 2: Os primeiros registros sentimentais, consoante livros pré-realistas


O que outrora era ignorado, passou a ser seriamente admirado, conquanto fosse nada patológico. A cada frase de humor proferida pelos mestres, uma diferente reação lhe pertencia: se o contexto era infantil, meigo ou feminino, despejava um raro sorriso leve e brilhante, cujo preço não se avalia; se o assunto era promíscuo, porém engraçado, deixava escapar um envergonhado sorriso de canto, tímido e retraído, porém não menos belo. Quando o tema era, além de promíscuo, suportavelmente pesado, sua boca não se mexia: pelo contrário - desviava o olhar como se preferisse não ter ouvido ou participado de tal cena. Nada mais admirável!

Parte 3: As memórias puxadas do interior, como um flashback hollywoodiano


E de um ímpeto cerebral, imagens antigas vieram à tona - ainda mais antigas do que o dia das questões sem gabarito. Foi na classe de geografia que uma questão foi abordada: quem ousaria morar fora do Brasil. Uma mãozinha foi levantada no fundo da coluna de classes à direita da sala. Era ela. Indagada, respondeu onde lhe agradaria morar; ao que me recorda, foi dito "Austrália", e/ou alguns outros países europeus. Questionado o motivo, respondeu semelhante a isto: "A vida no Brasil é muito pouco valorizada". O silêncio ao redor da sala confirmou: ninguém estava esperando uma visão crítica tão bem feita partindo de uma menina aparentemente frágil e discreta. Seguiu com exemplos bárbaros, como o rapaz que foi eletrocutado na frente do Direito-UFRGS, e nada ou quase nada foi feito; as vidas tiradas por objetos fúteis, entre outras feridas por ela tocadas. Na época, lembro, virei-me para minha colega e comentei "temos uma revolucionária na sala". Nos dias de hoje, lembro-me com certo orgulho de tais declarações. O que mudou?

Parte 4: O abuso acovardado, como o do sociopata descrito na música Shy da Sonata Arctica

A situação começou a ficar crítica quando, de tanto insistir na irresistível tentação que é observar suas expressões faciais, belas e puras, como a de uma ideia fixa machadiana, ela notou. A crença é esta: ela certamente notou, e não há nada que possa desfazer isso. O que normalmente nunca me foi problema - a aproximação, o contato, a conversa, a proximidade - agora é um pesadelo, e cada vez mais distante: é tarde demais; e a jovem que desperta sentimentos estranhos em um sujeito estranhamente sentimental não é nem a mais bonita, nem a mais sensual, nem a mais chamativa... mas é a mais brilhante. E é isso que a torna a mais especial, acima de todas as qualidades dantes descritas: seu brilho misterioso.

Parte 5: O desfecho, ou a introdução?


Recentemente, tudo indica que tenha comentado com seu companheiro. Sujeito este que não é nem o mais belo, nem o mais feio, nem tampouco especial de prima vista, mas certamente é dono de uma sorte surreal (ah, mas duvido muito que o saiba!). Não obstante seja dever admitir que o ciúme que se lhe dirige é ainda muito jovem, e bem menor do que a admiração. A despeito de estar ciente, o jovem bem afortunado conta com a discrição; não procurou satisfações, nem atribuiu olhares provocantes, nem nada de diferente. Talvez seja essa sua grande qualidade.
Já sua fonte vital, retribuindo os olhares frequentes, seja por incomodação, seja por qualquer outro motivo, deixa transparecer certa inquietação. Com muita frequência, sentamos em lados opostos das salas. Vejo-a segundas, terças e quintas. Quartas também, mas do lado de fora, e sempre acompanhada. De él, por supuesto. O que me finca como agulhinhas de anzol enferrujado, mas faz-se tão efêmero quanto uma lágrima de criança. Torna-me uma isca em combustão.
Energia? Atração? O fato é que não se trata de uma passion compulsiva nem nada do gênero. Compreende apenas uma certeza: a de que foi encontrada a parceira ideal para o lento leito do envelhecimento, ainda que jamais se concretize tal acontecimento.
Hoje as coisas foram diferentes. Antes da aula, pus-me a sentar atrás de onde julguei que ela sentaria. No entanto, temendo uma má-interpretação (nada errônea), mudei-me para a coluna da direita, mas para trás, na penúltima fileira, de onde ainda a veria discretamente, uma vez que sempre ancorava-se ao meio da coluna esquerda.
Porém, algum motivo - ou bom ou ruim - a fez optar, ao chegar, por sentar exatamente atrás de mim, na última fileira.

Nem sempre a estratégia lobal vence a astúcia leporina. Fato.





                                                (Se porventura não entendestes nada, pago-me do trabalho impessoal.)

[Dedico o título e a abordagem do tema ao meu amigo gaudério-biólogo de vários metros de altura, Sr. Marcelo.]

13 comentários:

Lucia Mendes disse...

Tá, e aí???? O que mais??????

Diogo disse...

O Lucas não vai responder esse comentário. Ele foi preso por perseguir a menina.

Liliane disse...

Um bom escritor faz qualquer assunto ser lido avidamente!
Algumas Lebres são muito especiais, como parece ser esta, mas apenas alguns Lobos são capazes de perceber o brilho...

Marcos disse...

No aguardo dos próximos capítulos!
Abraço

Costa disse...

agradeceria, se a tua homenagem não me colocasse em flagrante compactuação com a tua perseguição.

(ei, polícia, leia aqui: nada tenho com isso que se passa.o maníaco é o escritor).



bobagens de lado, belíssima vivissecção do assunto.

Leo disse...

hum, vejo um potencial estuprador pedonecrófilo(tara por furnicar com crianças mortas)

Lucas Di Marco disse...

asuhashasuhasuh
ela não é mais criança (eu acho)
e não está morta (eu acho)
mas apreciei as observações.

Diogo disse...

Detalhe: Lucas nega ser pedonecrófilo. Nada diz quanto a estuprador.

Max disse...

sahuashuuhahsuasuh
Cara, tenta arranjar umas amizades por lá e combinar umas festas, este é o caminho!
Boa sorte na empreitada Lobinho, e que a caça seja tão saborosa quanto parece ser!

Diane disse...

muitíssimo ótimo! :]
a-do-rei. belo texto e história melhor ainda.

Lucas Di Marco disse...

Diogo, estrangeirinhos não opinam aqui, ok?

Diogo disse...

Agora eu pertenço a uma raça superior. Faço o que eu quiser.

Anônimo disse...

Cara, muito bom de ler isso.

Não sei se eu teria algo pra acrescentar... mas eu sugiro que tu vistas a pele de uma raposa solitária, visto que lobos caçam em grupo.