sexta-feira, 9 de julho de 2010

Acerte ou Morra!

"Passo a palavra, em mais uma doce oportunidade, ao meu velho compadre, Dr. Alberto Pastelina, que narrará - através de suas invejáveis habilidades escritoras - uma história que lhe ocorreu durante a sua brilhante juventude.
                                                                                             Lucas Di Marco"

Quando aceitamos participar da Gincana Mortífera, já sabíamos que um de nós dois iria partir. Por quê? Ora! Meu velho companheiro de infância, Mestre Inácio à Milanesa, é simplesmente muito teórico. Lembro-me de tantas situações nas quais o jovem matemático fechava os olhos diante de alguma decisão e calculava friamente o seu destino. Não seria diferente, pois, nestes desafios que custariam a nossa vida no caso de alguma divergência.

Chegamos rapidamente, unindo minha filosofia aos seus precisos cálculos, até o último estágio da gincana. Caso ultrapassássemos tal desafio, somente a glória nos aguardaria, e venceríamos a obscura competição pela primeira vez na história da ciência mundial. E assim chegamos à sala vermelha, quando uma grade se fechou por detrás de nós assim que tocamos o tapete de entrada. Mais luzes se acenderam - todas levemente avermelhadas, com exceção da luz central, branca - e, alegremente, notamos a presença de três outras portas: uma vermelha, outra azul e a terceira, verde, em cujas partes superiores liam-se respectivamente as letras A, B e C. Olhamo-nos desconfiados - o que haveria por trás daquelas portas misteriosas!

E uma fenda abriu-se no alto teto, tendo caído um pergaminho alaranjado. Peguei-o antes que tocasse o chão, tendo-me aproximado do meu amigo Inácio para que lêssemos juntos. Pela primeira vez, o fizemos em silêncio. Eis o que dizia:

"Em uma das portas, encontrareis a glória. Noutra, o vazio; contudo, o destino mais mórbido aguarda-vos na porta restante. Fazei a sua primeira escolha em voz alta, e boa 'sorte'"

Não era possível. Até então, utilizamos nossos mais hábeis conhecimentos e reflexões para passarmos por cada desafio, que também nos levariam à morte em caso de equívoco. Absurdo, porém, depararmo-nos justo na final com um desafio de 'sorte'! Observamos bem as aberturas. As cores diferentes nos chamavam a atenção; porém, não parecia haver uma conclusão racional perante tal mistério. O jeito era, de fato, apelar para a sorte.

Após tirarmos na sorte, venci e escolhi a porta A, cuja cor era vermelha. Contrariado, Inácio à Milanesa viu-se obrigado a concordar, e pôs-se ao meu lado. Quando anunciei em alto tom a nossa escolha, a porta B abriu-se vagarosamente: fato que nos fez saltar de espanto. Não havia nada por detrás desta, senão um novo pergaminho com a seguinte escrita:

"Fazei nova escolha; conquanto a última!"

Compreendemos. Não era simplesmente um desafio de sorte: havia um cálculo de probabilidade a ser feito. A única conclusão que chegamos de pronto era que, em uma das duas portas restantes, encontrar-se-ia a morte, e, na outra, a vitória. A questão era: manteríamos a escolha da porta A, ou partiríamos para a porta C?

- Mantenho minha decisão na porta A, disse eu.
- Como? Não, não, meu amigo. Espera um pouco. A chance de ser a porta A é 1/3, enquanto a chance de ser a porta C é 1/2.

O leitor deve estar se perguntando "como assim, matemático louco? A chance é 1/2 para ambas as portas", mas não era questão de teimosia.

- Eu de fato seguirei pela porta vermelha, repeti.
- Estás atormentado, meu querido! Sei que é difícil visualizar, mas... não vês que a chance de ser a porta A é menor, uma vez que a escolheste quando ainda havia três portas fechadas? E, agora que sabemos que a porta B estava vazia, as chances de ser a C são ainda maiores que a nossa primeira escolha!
- Entendo... mas seguirei pela porta vermelha, mesmo.
- Estás louco! Louco!!! Por que arriscar nossas vidas, quando te digo que as chances de sobreviver são maiores na porta C???
- Eu vou escolher a porta vermelha, mas nada o impede de escolher a verde, meu jovem matemático.
- Pastelina, olha para mim. Provarei com um exemplo banal minha hipótese.
- Pois sim...
- Imagina uma fila de mil canetas idênticas, das quais apenas uma ainda tem tinta. Eu sei bem qual delas é a caneta que escreve, no entanto peço-te para adivinhar entre as mil. Fazes uma aposta numa caneta aleatória. Antes de revelar-te se tua escolha foi a correta, retiro das mil canetas exatamente 998, deixando apenas duas - a que escolheste e mais uma. Digo-te também que, dentre essas duas que restaram, uma é a que contém tinta. Peço-te para escolher novamente entre as duas. Manterias a escolha original, ou trocarias para a outra caneta?
- Trocaria, obviamente.
- Graças! Então! Percebes? A porta B abriu-se, não era a correta. Escolhemos a A no princípio, mas as chances de ser a C agora são maiores! É o mesmo exemplo, porém com menos elementos! Vamos, rumo à porta C.
- Não.
- O quê? - disse Inácio incrédulo.
- Eu vou seguir pela porta A, já disse.

Neste momento, encaramo-nos por muito tempo. Pude ver nos seus olhos as frases que sua boca não dizia. "Tenho pena de ti, filósofo. Pena de tua ciência inferior".

- Certo, disse ele contrariado. Um de nós irá partir agora, amigo.
- Certamente, disse eu. Inácio aproximou-se e apertou minha mão friamente, como se apertasse a mão de um defunto.

Tomamos as posições contrárias. Ambos abrimos as portas ao mesmo tempo.

O leitor deve estar se perguntando como eu sabia que a porta vermelha era a correta, apesar de as previsões de meu amigo Inácio estarem corretíssimas. O fato é que, olhando delicadamente - como quem observa uma colônia de formigas - ver-se-ia que era a única porta com um buraco na fechadura.

8 comentários:

Diogo disse...

Gostei.

Jonas Kloeckner disse...

"Tenho pena de ti, filósofo. Pena de tua ciência inferior".
Gostei desse Inácio ahsuhas.
Ótimo texto!
Beijinhos!

Liliane disse...

Adorei, especialmente porque lembrei de um certo debate recente...
E a ciência não é capaz de nos dar a resposta para tudo, certas coisas só o coraçao tem a habilidade de responder.

Marcelo disse...

Eu finalmente entendi o porque do "nada"!!! Agora faz sentido, não tinha entendido tua explicação bem.

O seu Alberto também escreve bem bem!

Lucas Di Marco disse...

Puxa, agora eu é que não entendi. Que "nada" é esse? hehe

Abraço, e passarei o elogio ao Dr. Alberto.

Marcelo disse...

maior que....

Lucas Di Marco disse...

Ah, saquei. Hahaha. Que bom que compreendeste.

Marcos disse...

Um dos textos mais profundos que ja li.
Muito bom cara