
Lucas Di Marco"
Quando aceitamos participar da Gincana Mortífera, já sabíamos que um de nós dois iria partir. Por quê? Ora! Meu velho companheiro de infância, Mestre Inácio à Milanesa, é simplesmente muito teórico. Lembro-me de tantas situações nas quais o jovem matemático fechava os olhos diante de alguma decisão e calculava friamente o seu destino. Não seria diferente, pois, nestes desafios que custariam a nossa vida no caso de alguma divergência.
Chegamos rapidamente, unindo minha filosofia aos seus precisos cálculos, até o último estágio da gincana. Caso ultrapassássemos tal desafio, somente a glória nos aguardaria, e venceríamos a obscura competição pela primeira vez na história da ciência mundial. E assim chegamos à sala vermelha, quando uma grade se fechou por detrás de nós assim que tocamos o tapete de entrada. Mais luzes se acenderam - todas levemente avermelhadas, com exceção da luz central, branca - e, alegremente, notamos a presença de três outras portas: uma vermelha, outra azul e a terceira, verde, em cujas partes superiores liam-se respectivamente as letras A, B e C. Olhamo-nos desconfiados - o que haveria por trás daquelas portas misteriosas!
E uma fenda abriu-se no alto teto, tendo caído um pergaminho alaranjado. Peguei-o antes que tocasse o chão, tendo-me aproximado do meu amigo Inácio para que lêssemos juntos. Pela primeira vez, o fizemos em silêncio. Eis o que dizia:
"Em uma das portas, encontrareis a glória. Noutra, o vazio; contudo, o destino mais mórbido aguarda-vos na porta restante. Fazei a sua primeira escolha em voz alta, e boa 'sorte'"
Não era possível. Até então, utilizamos nossos mais hábeis conhecimentos e reflexões para passarmos por cada desafio, que também nos levariam à morte em caso de equívoco. Absurdo, porém, depararmo-nos justo na final com um desafio de 'sorte'! Observamos bem as aberturas. As cores diferentes nos chamavam a atenção; porém, não parecia haver uma conclusão racional perante tal mistério. O jeito era, de fato, apelar para a sorte.
Após tirarmos na sorte, venci e escolhi a porta A, cuja cor era vermelha. Contrariado, Inácio à Milanesa viu-se obrigado a concordar, e pôs-se ao meu lado. Quando anunciei em alto tom a nossa escolha, a porta B abriu-se vagarosamente: fato que nos fez saltar de espanto. Não havia nada por detrás desta, senão um novo pergaminho com a seguinte escrita:
"Fazei nova escolha; conquanto a última!"
Compreendemos. Não era simplesmente um desafio de sorte: havia um cálculo de probabilidade a ser feito. A única conclusão que chegamos de pronto era que, em uma das duas portas restantes, encontrar-se-ia a morte, e, na outra, a vitória. A questão era: manteríamos a escolha da porta A, ou partiríamos para a porta C?
- Mantenho minha decisão na porta A, disse eu.
- Como? Não, não, meu amigo. Espera um pouco. A chance de ser a porta A é 1/3, enquanto a chance de ser a porta C é 1/2.
O leitor deve estar se perguntando "como assim, matemático louco? A chance é 1/2 para ambas as portas", mas não era questão de teimosia.
- Eu de fato seguirei pela porta vermelha, repeti.
- Estás atormentado, meu querido! Sei que é difícil visualizar, mas... não vês que a chance de ser a porta A é menor, uma vez que a escolheste quando ainda havia três portas fechadas? E, agora que sabemos que a porta B estava vazia, as chances de ser a C são ainda maiores que a nossa primeira escolha!
- Entendo... mas seguirei pela porta vermelha, mesmo.
- Estás louco! Louco!!! Por que arriscar nossas vidas, quando te digo que as chances de sobreviver são maiores na porta C???
- Eu vou escolher a porta vermelha, mas nada o impede de escolher a verde, meu jovem matemático.
- Pastelina, olha para mim. Provarei com um exemplo banal minha hipótese.
- Pois sim...
- Imagina uma fila de mil canetas idênticas, das quais apenas uma ainda tem tinta. Eu sei bem qual delas é a caneta que escreve, no entanto peço-te para adivinhar entre as mil. Fazes uma aposta numa caneta aleatória. Antes de revelar-te se tua escolha foi a correta, retiro das mil canetas exatamente 998, deixando apenas duas - a que escolheste e mais uma. Digo-te também que, dentre essas duas que restaram, uma é a que contém tinta. Peço-te para escolher novamente entre as duas. Manterias a escolha original, ou trocarias para a outra caneta?
- Trocaria, obviamente.
- Graças! Então! Percebes? A porta B abriu-se, não era a correta. Escolhemos a A no princípio, mas as chances de ser a C agora são maiores! É o mesmo exemplo, porém com menos elementos! Vamos, rumo à porta C.
- Não.
- O quê? - disse Inácio incrédulo.
- Eu vou seguir pela porta A, já disse.
Neste momento, encaramo-nos por muito tempo. Pude ver nos seus olhos as frases que sua boca não dizia. "Tenho pena de ti, filósofo. Pena de tua ciência inferior".
- Certo, disse ele contrariado. Um de nós irá partir agora, amigo.
- Certamente, disse eu. Inácio aproximou-se e apertou minha mão friamente, como se apertasse a mão de um defunto.
Tomamos as posições contrárias. Ambos abrimos as portas ao mesmo tempo.
O leitor deve estar se perguntando como eu sabia que a porta vermelha era a correta, apesar de as previsões de meu amigo Inácio estarem corretíssimas. O fato é que, olhando delicadamente - como quem observa uma colônia de formigas - ver-se-ia que era a única porta com um buraco na fechadura.
8 comentários:
Gostei.
"Tenho pena de ti, filósofo. Pena de tua ciência inferior".
Gostei desse Inácio ahsuhas.
Ótimo texto!
Beijinhos!
Adorei, especialmente porque lembrei de um certo debate recente...
E a ciência não é capaz de nos dar a resposta para tudo, certas coisas só o coraçao tem a habilidade de responder.
Eu finalmente entendi o porque do "nada"!!! Agora faz sentido, não tinha entendido tua explicação bem.
O seu Alberto também escreve bem bem!
Puxa, agora eu é que não entendi. Que "nada" é esse? hehe
Abraço, e passarei o elogio ao Dr. Alberto.
maior que....
Ah, saquei. Hahaha. Que bom que compreendeste.
Um dos textos mais profundos que ja li.
Muito bom cara
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