terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

El Gran Viaje (Pt. I)

Dia 1 - A Intensa Hospitalidade Portenha

Cheguei em Buenos Aires na noite de 26/1/2011. Ao descer do avião, já fui contemplado pela delicadeza dos porteños, sendo xingado pela agente que me recebeu no aeroporto por não saber qual documento ela pedia. Ainda assim, ousei perguntar-lhe as horas, que me respondeu secamente. Peguei um táxi e o mal humor do sujeito só foi driblado pelo meu interesse turístico, que o fez sentir-se importante. Levou-me até o hostel (albergue) onde Paulo, Rafael e Jonas estavam hospedados. Disse-lhes que chegaria por volta das 21h, mas eles não estavam no Tango Backpackers conforme o combinado. Tampouco havia vagas para mim neste hostel. O dono me orientou a procurar um outro ali perto, apenas a alguns metros. Lá me fui e confirmei vaga num quarto com um índio peruano que havia descido para estudar a cultura e a história da sua família indígena extinta. Além dele, havia um neozelandês e uma australiana (elas estão em todo lugar). Nem fiquei ali: desci o elevador artesanal e fui-me ao outro hostel, Tango, de novo, aguardar pelos meus amigos. No entanto, demoraram. Enquanto isso, fiz amizade com uma austríaca de vinte e poucos anos, nem bonita nem feia, mas, como toda estrangeira, muito interessante. Simpática, conversou comigo por muito tempo até a chegada do Jonas, que se surpreendeu com minha estadia. Não lembro bem onde estavam, mas creio que faziam compras. Lembro-me de Paulo chegar bem depois com uma pizza. Subimos até o terraço e lá ficamos bebendo até altas horas. Neste local, conheci uma inglesa sensual demais, que era policial em Londres. Ao seu lado, uma holandesa divina. Nós quatro sentamos ao redor delas e por muito tempo as fizemos cobaia de nossa mesclagem idiomática. Depois, fui até um outro grupo lá em cima, onde encontrei um francês feio e engraçado, que pegava uma americana feia e simpática (foto), sentados perto de um franco-canadense (foto) louco*, que merece um parágrafo só para ele:
*Daniel Bélanger: canadense da parte francesa, 41 anos, cabelos compridos e sujos, porta apenas duas camisas e aparentemente uma calça, planta ervas suspeitas na sua terra de origem e assim sobrevive. Tem um filho em Buenos Aires, e quando o visita traz sua mãe consigo, uma senhora de aparentes 80 anos, totalmente acabada, que só fala francês, fuma como uma desesperada e bebe como um mexicano louco. A única palavra que ouvi de sua boca foi quando Paulo tentou abrir uma cerveja e acabou deixando escapar a tampa da garrafa, que voou e bateu de leve no braço da senhora, que estava sentada no canto da mesa, tendo ela mirado o horizonte urbano de Buenos Aires com um olhar insatisfeito e dito: "Merci", agradecendo a audácia de Paulo ironicamente. Daniel, nesta hora, ainda a xingou. Chamamos o cara de Bukovsky, analogia a um escritor bon vivant que passa a vida de forma boêmia e liberal. Daniel, a partir de agora Bukovsky, nos disse frases maravilhosas, que se tornaram pérolas. Eu, que só o vi por uma noite apenas, aceitei a alcunha que lhe atribuíram os guris: Deus. Ele é um Deus humano, visto que aprendeu ao longo da vida a viver de forma simples e sábia, e atingiu a felicidade extrema sem necessidades materiais e morais. Lembro-me bem de quando nos disse "Eu não gosto de dinheiro. Por isso o gasto.", e de como nos deixou feliz ao confessar que sua única preocupação era a cerveja de hoje à noite.
Após ficarmos bêbados o suficiente, combinamos de sair pela noite de Buenos Aires. Andamos num grupo enorme; eu, Paulo, Jonas (que apesar de brasileiro é chamado de alemão), Rafael, Bukovsky, o francês feio e sua americana feia, Gustavo (um colombiano tranquilo, com cara de intelectual e uma voz grave e característica), a austríaca do hostel e sua amiga alemã idêntica à Fran, irmã do Jonas, que apesar de não ter feito a viagem conosco, esteve presente em vários momentos através de meninas idênticas a ela. Com exceção do casal franco-americano, que foi acasalar numa praça, o resto sentou-se conosco numa mesa de bar, em plena madrugada porteña. Bebemos lá por horas, falando bobagem. Bukovsky soltou suas pérolas e muitas delas ficaram armazenadas na nossa memória para todo o sempre.
Algumas horas depois, o capítulo muda.

Lembro vagamente do que vem a seguir: fomos até uma festa ali perto das ruas movimentadas. O dono deixou que somente eu entrasse para ver se estava bom, desde que retornasse após. Lá dentro, tocava Cumbia, um ritmo engraçado, latino e jovem demais para o meu gosto. Não estava muito interessante, apesar de lotado, e antes de decidir ficar sozinho por lá, resolvi cumprir o combinado e retornar para a rua. Lá, já não encontrei quase ninguém; sobrava só o colombiano e, dos meus amigos brasileiros, só o alemão, que sentava ao lado da casa noturna com uma guria. Ela se disse francesa, e ele dizia estar com ela, então convidei o colombiano a se retirar. E fomos embora dali, os dois, até um outro bar perto, onde encontrei uma pequena deusa porteña, que simpatizou comigo, com aquele sorriso latino, hispânico, indígena, "ai meu deus", pensei. Lembro-me de ajoelhar-me, beijar-lhe a mão e aprensentar-me, como um bom cavalheiro gaudério bêbado. Aparentemente, adorou a atitude inusitada, provavelmente comparando-me aos 'delicados' porteños, que resolvem tudo à base da ironia, da covardia, do berro grupal e do terrorismo. Ela disse que não poderia me servir cerveja mais, mas usei a psicologia do olhar de cãozinho de apartamento gaudério e pedi novamente, tendo eu recebido uma cerveja um minuto após. Pedi-lhe o facebook, e me disse amedrontada que não poderia me dar, e eu lhe perguntei por que, e ela não pôde responder, me olhando com a dor de quem se despede do seu grande amor, e saindo lentamente para trás (não é de todo um exagero, Diogo, senão a minha visão alcoolizada da cena). Pouco após, o dono do bar explicou-me que o namorado dela trabalha ali também, e ainda pude vê-los discutindo ao longe. A partir de então, abandonei o problema.
Ouvi ruídos brasileiros: havia cariocas na mesa em frente à minha. Já eram cinco horas quando ensinei o jogo "Eu Nunca" aos três caras e às três loiras cariocas, que definem bem o que dizem lá fora das mulheres brasileiras. Aquele sotaque engraçado associado às confissões sexuais delas deixaram eu e o colombiano boquiabertos, e saímos dali quando o bar fechou de vez. Então perdi a conexão dos fatos.
Só lembro que, quando saí de um banheiro, seja lá onde for, o colombiano já não estava mais, e eu finalmente me encontrava sozinho na já manhã de Buenos Aires, mais alcoolizado do que nunca. Ainda assim, fiz amizade com um porteño surpreendentemente legal na rua e fomos sentar a uma mesa com mais dois argentinos estranhos e quietos e com duas israelenses muito bonitinhas. Ignoramos os outros dois argentinos e cada um puxou papo com uma israelense. Ficamos mais algum tempão falando com elas, até que fomos à rua. Lá havia uma mesa com poucas cadeiras, onde outros porteños nojentos sentaram, e a "minha" israelense também. Abaixei-me ao seu lado e continuei conversando, o que irritou os outros porteños, por conseguir, ainda que bêbado, a total atenção da menina. Alguns tentaram me provocar em espanhol, e fingi não compreender. Ela se levantou, e eu também. Ainda conversando comigo, afastamo-nos da mesa dos argentinos, e todos se levantaram também, ficando em nossa volta. Ficaram incomodando-nos, mais a ela do que a mim, até que meu limite foi esgotado, a ponto de propor a ela, em inglês, baixinho: "tu preferes ficar aqui com esses argentinos irritantes, ou vir com um brasileiro decente?". Um deles parece ter entendido, e o bolo foi feito.

Tentaram segurar esse porteño histérico, que chegou a me convidar para lutar. É óbvio que eu não fui; estavam em um grupo de seis ou sete porteños, e eu, bêbado, seria uma "táuba de tiro ao álvaro" brasileira. O outro argentino que estava me acompanhando com as gurias antes me orientou sair dali antes que fosse tarde, tendo eu lhe respondido que não - não havia feito nada demais. Até que o cara conseguiu se soltar dos outros e, junto de outro argentino sujo, me empurraram e deram-me um soco no lábio superior, parte esquerda, sem que eu pudesse me defender. Os outros começaram a correr atrás de mim, tendo eu buscado abrigo. Quando os despistei, olhei para mim mesmo e o que vi me assustou: uma boca sangrando como um coração aberto. Havia sangue para tudo que é lado, desde o tênis até a calça, a camiseta e meu próprio corpo. A camiseta, rosada, recém comprada, transformou-se em encarnada, vermelha como um uniforme sujo. Durante esse tempo, perdi duzentos pesos e meu celular. Pedi a um taxista para levar-me para o hostel, mas ele se negou ao ver meu sangue. Encontrei outros dois, disse-lhes que havia sido assaltado e um deles me levou. No entanto, não ligou o taxímetro e me cobrou o olho da cara; por ser a primeira noite, e estar bêbado, não me importei com isso nem com nada, senão em chegar vivo ao hostel. Demorei horas para achar, mesmo tendo o cara me deixado na rua certa. Quando cheguei, expliquei o que acontecera para o dono do hostel, e fui-me ao quarto. Cuspi muito sangue, passei a pomada que havia trazido instintivamente para curar ferimentos na boca e pus-me a dormir. Não fosse a pomada, levaria muito mais tempo do que uma semana para cicatrizar o ROMBO que fizeram por dentro da minha boca.
Ao acordar, fui ao hostel ao lado para contar aos meus amigos. Todos ficaram muito surpresos, mas me orientaram a encarar com bom humor, levando isso como uma lembrança de Buenos Aires e da primeira noite fora do país. Era cedo; cospi muito sangue ainda pela manhã, e quando fomos almoçar, mal consegui digerir o primeiro amido da boca. Bebi uma coca-cola ardente e fui embora.


Na rodoviária, comprei um canivete, só por precaução. Já havia passado muito tempo em Buenos Aires; era hora de partir, com a esperança de que a recepção em Rosário fosse "menos" calorosa.

5 comentários:

Max disse...

Cara, de repente eras trocas o nome do blog pra "Clube da Luta", hsahasuashuahuhusa.

Marcelo disse...

Boa Max!
HuAhua

Já estão de volta?
Se sim, posta logo o resto!!!
Tô muito curioso

Abraçao

Liliane disse...

Ainda bem que nas noites seguintes tais fatos não se repetiram, pois terias chegado aqui aos pedaços...

E que não ficaram só em Buenos Aires para teres boas histórias para contar.

E sim, estamos todos muito curiosos.

Anônimo disse...

Po, cara, a namoradinha do Sylvain era bonita! Era garçonete no Colorado, também...

Mais uma pérola de Buk:
"Poetry in portuguese is poesia... so close to poison"

Fran disse...

Fico muito feliz que meus pensamentos coseguiram se projetar para voces na forma de várias estrangeiras durante a viagem! haha Que incrível! Adoraria ter as conhecido... Na próxima indiada tenho que ir! :) Procurar minha doppelganger ;P